O diretor
Rodrigo Bittencourt tem buscado classificar seu filme Real – O Plano Por Trás da
História como o primeiro thriller histórico político do cinema
brasileiro. Trata-se de um grande exagero, que desconsidera não só exemplares
do gênero já um pouco distantes no tempo, que tratam, por exemplo, da ditadura
militar (como Pra Frente
Brasil e O Que é Isso, Companheiro?),
mas mesmo o recente Getúlio,
sobre a intensa crise que levou ao suicídio de Vargas em 1954. No entanto, é
fato que se produz poucos filmes do tipo no país, que há pouca propensão do
cinema ficcional brasileiro a olhar para períodos recentes da história (exceção
feita ao citado regime militar).
Real tem,
portanto, de fato esse mérito de retornar a um momento político decisivo do
Brasil da década de 1990, ficcionalizando personagens históricos em sua maioria
ainda vivos e atuantes na vida pública do país, como Fernando Henrique Cardoso,
José Serra e Gustavo Franco. Esse último, peça-chave na criação do Plano Real,
protagonista de Real, é, como tal, construído por Bittencourt,
pelo roteirista Mikael de Albuquerque e por seu intérprete, Emílio Orciollo
Netto, como o típico escroto genial que vem povoando filmes recentes sobre
grandes empreendedores. São os casos, por exemplo, de Mark Zuckerberg (Jesse
Eisenberg) em A Rede Social,
Steve Jobs (Michael Fassbender) no filme homônimo dirigido por Danny Boyle e
Ray Kroc (Michael Keaton) em Fome
de Poder. Como eles, Gustavo Franco paga um preço alto na vida íntima por
seu comportamento arrogante, que o leva a passar por cima de pessoas próximas
para obter êxito profissional e intelectual. Não à toa, a última cena do filme
traz o personagem solitário, sentado diante de uma televisão que exibe um jogo
de futebol, sendo que Franco afirma, logo no início da narrativa, que quando se
encontrasse nessa situação se consideraria derrotado.
Real acerta
razoavelmente no tratamento dispensado ao seu protagonista, ainda que seja mais
fácil odiar uma figura tão insuportável do que admirá-la pelo papel exercido na
estabilização da moeda brasileira. Mas esse é apenas um elemento do filme.
Bittencourt não desejava fazer propriamente uma cinebiografia de Gustavo
Franco, mas um thriller político histórico sobre a criação do
Real. E, nesse aspecto, o fracasso é monumental. Politicamente, Real é maniqueísta em
excesso, apresentando os personagens tucanos, sobretudo FHC (Norival Rizzo),
como homens sérios, respeitáveis, bem-intencionados, enquanto seus adversários
petistas, sintetizados aqui no fictício senador Gonçalves (Juliano Cazarré),
são toscos, mentirosos, interesseiros. O roteiro ironiza, por exemplo, de forma
nada sofisticada, discursos do tal parlamentar do PT sobre o combate à
corrupção e contendo críticas à reeleição – apontando implicitamente para o
envolvimento futuro do partido em diversos escândalos e para as reeleições dos
petistas Lula e Dilma –, mas não enxerga qualquer contradição nas ações do PSDB
ao longo do tempo. Crítica política óbvia, com a
profundidade de um post no Facebook em tempos de polarização extrema.
Como thriller, o filme é ainda mais
problemático. Bittencourt constrói Real a
partir das disputas envolvendo a criação do referido plano econômico, das
diferentes posições existentes no interior da equipe de economistas responsável
por ele, das implicações políticas do sucesso da nova moeda. Mas isso só dura
até aproximadamente a metade da narrativa. O que deveria ser o clímax dessa
história – a entrada em vigor do Real, o êxito dessa medida e a consequente
eleição de FHC para a presidência, derrotando o favorito Lula – resta jogado no
meio do filme, sintetizado em algumas pequenas cenas anticlimáticas e em
imagens de arquivo acompanhadas por narração em off que emula um noticiário
televisivo. Real passa,
então, a correr com os acontecimentos históricos, colocando-os, na verdade,
como pano de fundo das disputas de Franco pelo poder no Banco Central. Perde-se
a chance de dedicar mais tempo a momentos verdadeiramente tensos da política
nacional, como os embates intrapartidários do PSDB, cujo resultado foi a
candidatura de FHC, ou as próprias eleições de 1994, que, naturalmente, tiveram
no Real um importante tema de debate – e foram marcadas por escândalos
envolvendo os dois principais candidatos a vice-presidente e o ministro da
Fazenda Rubens Ricupero que, sucessor de Fernando Henrique no cargo, colocou a
nova moeda em circulação.
Bittencourt acaba realizando, portanto, um thriller capenga, que estranhamente evita o
material histórico dotado de maior tensão, enquanto trata a política de maneira
simplista, preguiçosa, maniqueísta.
Rodrigo Bittencourt, 2017
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