quarta-feira, 7 de junho de 2017

Real - O Plano Por Trás da História



O diretor Rodrigo Bittencourt tem buscado classificar seu filme Real – O Plano Por Trás da História como o primeiro thriller histórico político do cinema brasileiro. Trata-se de um grande exagero, que desconsidera não só exemplares do gênero já um pouco distantes no tempo, que tratam, por exemplo, da ditadura militar (como Pra Frente Brasil e O Que é Isso, Companheiro?), mas mesmo o recente Getúlio, sobre a intensa crise que levou ao suicídio de Vargas em 1954. No entanto, é fato que se produz poucos filmes do tipo no país, que há pouca propensão do cinema ficcional brasileiro a olhar para períodos recentes da história (exceção feita ao citado regime militar).

Real tem, portanto, de fato esse mérito de retornar a um momento político decisivo do Brasil da década de 1990, ficcionalizando personagens históricos em sua maioria ainda vivos e atuantes na vida pública do país, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Gustavo Franco. Esse último, peça-chave na criação do Plano Real, protagonista de Real, é, como tal, construído por Bittencourt, pelo roteirista Mikael de Albuquerque e por seu intérprete, Emílio Orciollo Netto, como o típico escroto genial que vem povoando filmes recentes sobre grandes empreendedores. São os casos, por exemplo, de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em A Rede Social, Steve Jobs (Michael Fassbender) no filme homônimo dirigido por Danny Boyle e Ray Kroc (Michael Keaton) em Fome de Poder. Como eles, Gustavo Franco paga um preço alto na vida íntima por seu comportamento arrogante, que o leva a passar por cima de pessoas próximas para obter êxito profissional e intelectual. Não à toa, a última cena do filme traz o personagem solitário, sentado diante de uma televisão que exibe um jogo de futebol, sendo que Franco afirma, logo no início da narrativa, que quando se encontrasse nessa situação se consideraria derrotado.

Real acerta razoavelmente no tratamento dispensado ao seu protagonista, ainda que seja mais fácil odiar uma figura tão insuportável do que admirá-la pelo papel exercido na estabilização da moeda brasileira. Mas esse é apenas um elemento do filme. Bittencourt não desejava fazer propriamente uma cinebiografia de Gustavo Franco, mas um thriller político histórico sobre a criação do Real. E, nesse aspecto, o fracasso é monumental. Politicamente, Real é maniqueísta em excesso, apresentando os personagens tucanos, sobretudo FHC (Norival Rizzo), como homens sérios, respeitáveis, bem-intencionados, enquanto seus adversários petistas, sintetizados aqui no fictício senador Gonçalves (Juliano Cazarré), são toscos, mentirosos, interesseiros. O roteiro ironiza, por exemplo, de forma nada sofisticada, discursos do tal parlamentar do PT sobre o combate à corrupção e contendo críticas à reeleição – apontando implicitamente para o envolvimento futuro do partido em diversos escândalos e para as reeleições dos petistas Lula e Dilma –, mas não enxerga qualquer contradição nas ações do PSDB ao longo do tempo. Crítica política óbvia, com a profundidade de um post no Facebook em tempos de polarização extrema.

Como thriller, o filme é ainda mais problemático. Bittencourt constrói Real a partir das disputas envolvendo a criação do referido plano econômico, das diferentes posições existentes no interior da equipe de economistas responsável por ele, das implicações políticas do sucesso da nova moeda. Mas isso só dura até aproximadamente a metade da narrativa. O que deveria ser o clímax dessa história – a entrada em vigor do Real, o êxito dessa medida e a consequente eleição de FHC para a presidência, derrotando o favorito Lula – resta jogado no meio do filme, sintetizado em algumas pequenas cenas anticlimáticas e em imagens de arquivo acompanhadas por narração em off que emula um noticiário televisivo. Real passa, então, a correr com os acontecimentos históricos, colocando-os, na verdade, como pano de fundo das disputas de Franco pelo poder no Banco Central. Perde-se a chance de dedicar mais tempo a momentos verdadeiramente tensos da política nacional, como os embates intrapartidários do PSDB, cujo resultado foi a candidatura de FHC, ou as próprias eleições de 1994, que, naturalmente, tiveram no Real um importante tema de debate – e foram marcadas por escândalos envolvendo os dois principais candidatos a vice-presidente e o ministro da Fazenda Rubens Ricupero que, sucessor de Fernando Henrique no cargo, colocou a nova moeda em circulação. 

Bittencourt acaba realizando, portanto, um thriller capenga, que estranhamente evita o material histórico dotado de maior tensão, enquanto trata a política de maneira simplista, preguiçosa, maniqueísta. 

Real – O Plano Por Trás da História 
Rodrigo Bittencourt, 2017

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