quinta-feira, 27 de agosto de 2009

[curtinhas: no cinema]

Há Tanto Tempo que Te Amo
Il y a Longtemps que Je T'Aime, 2008
Phillipe Claudel


Devastador talvez seja um bom termo para definir esse drama de Phillipe Claudel. Há Tanto Tempo que Te Amo é um verdadeiro turbilhão de emoções que poderia, facilmente, descambar para um melodrama choroso, mas que acaba sendo justamente o oposto: sóbrio, sereno e profundamente verdadeiro ao tratar de temas como culpa, remorso, solidão, e, acima de tudo, amor - de tia para sobrinha, de irmã para irmã e principalmente de mãe para filho.
Claudel tem em suas mãos um trunfo chamado Kristin Scott-Thomas, provavelmente no melhor desempenho de sua carreira (o que não é pouco), surpreendendo ao atuar em francês, entregando uma personagem que é a complexidade em estado bruto: autora de um ato terrível, julgada e condenada, em busca de um recomeço (ainda que forçado), uma figura solitária, triste, melancólica, e ainda assim dotada de um amor imenso por todos aqueles que a cercam, mesmo que um amor reprimido. Dentre as tantas injustiças do último Oscar, o esquecimento de Scott-Thomas como melhor atriz é dos mais graves. Claudel utiliza-se desse seu grande trunfo sem nenhuma vergonha, dando a Scott-Thomas a oportunidade de tomar conta do filme completamente. Mas, ainda assim, abre espaço para o arrebatador e comovente desempenho de Elsa Zylberstein, perfeita como a jovem e insegura irmã da protagonista. As duas, juntas, como duas irmãs inseparáveis, conduzem a narrativa de Há Tanto Tempo que Te Amo com brilhantismo, até sua inesperada revelação final.
Esta que é, ao mesmo tempo, o único porém do filme e também a constatação final de sua grandeza. É um porém pois parece, ao menos num primeiro olhar, uma tentativa de absolver a personagem de Scott-Thomas de seu grande pecado, o que me parece, àquela altura, desnecessário, e mesmo simplificador da complexidade da personagem. No entanto, tal revelação dá também um novo significado ao já citado amor que move aquela figura, o que não diminui, pelo contrário, aumenta o fascínio que esta gera no espectador. E a forma como Claudel encerra seu filme, com aquele "estou aqui", talvez seja uma forma sintética e madura de nos dizer o verdadeiro significado das coisas para aquela mulher, e também sugerir o que começará a partir dali para ela. E é aí que Há Tanto Tempo que Te Amo confirma o quanto devastador, e bonito, é.


À Deriva
À Deriva, 2009
Heitor Dhalia


Belo e delicado olhar sobre as descobertas da adolescência é esse À Deriva. E é também mais um admirável trabalho do eclético Heitor Dhalia. É um filme extremamente simples, com uma proposta bem clara e direta, mas que chega até ela por um caminho bastante acertado: trata-se de um relacionamento em frangalhos, chegando ao seu final, mas não se julga nenhum dos lados, foge-se de soluções e justificativas fáceis, tratando-se os personagens de Vincent Cassel (excelente, e saindo-se muito bem com o português) e Deborah Bloch (que cresce bastante durante a narrativa) com enorme honestidade e carinho - e mesmo a busca pelas motivações para o fim do casamento dos dois é realizada com imensa naturalidade, com cuidado, também aqui escapando-se de um julgamento prévio de suas personalidades baseando-se simplesmente no que é visto pelo espectador, como acaba fazendo a filha do casal; trata-se também, e principalmente, de uma jovem garota (a ótima Laura Neiva), mimada, descobrindo algumas facetas da vida adulta, mas Dhalia não desmerece a ingenuidade e a falta de tato de Filippa, pelo contrário, mesmo lamenta-se essa perda de inocência que esse contato com o mundo adulto promove, realizando uma espécie de ode à infância.
É nessa quebra de expectativas, ruptura com caminhos esperados que À Deriva se estrutura, mesmo que trate a todo tempo com clichês. Existem problemas, alguns diálogos soam artificiais e as participações de Cauã Reymond e Camilla Belle parecem desnecessárias. Mas a delicadeza do olhar de Dhalia encanta, e sua melancolia, que acaba sendo talvez o único elo de À Deriva com seu trabalho anterior, o espetacular O Cheiro do Ralo, bate fundo em quem o assiste.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

[se nada mais der certo]

Se Nada Mais Der Certo
Se Nada Mais Der Certo, 2008
José Eduardo Belmonte


É difícil apontar extamente aonde está o frescor renovador desse filme de José Eduardo Belmonte, que o torna tão irresistível. Não é novidade alguma realizar filmes sobre pessoas marginalizadas na sociedade em que vivem e que encontram, umas nas outras, uma forma própria de família. Do clássico Perdidos na Noite ao recente O Lutador, isso já foi mostrado à exaustão pelo cinema norte-americano. Tampouco é novidade a narrativa fragmentada, que lembra um pouco os filmes de Alejandro González Iñarritu (especialmente Amores Brutos e 21 Gramas), já que isso vem sendo explorado também de forma exaustiva, especialmente nos últimos anos. E a própria forma como Belmonte conjuga imagens, fragmentárias, e narração em off, lembrou-me um pouco o trabalho de Rogério Sganzerla em O Bandido da Luz Vermelha, clássico do cinema nacional.
Talvez o que faça Se Nada Mais Der Certo dar tão certo (com o perdão do trocadilho) seja justamente a utilização desses lugares-comuns, dessas supostas referências (é muito provável que o diretor tenha o clássico de Sganzerla como referência mesmo, já quanto aos outros, é pura especulação mesmo), de uma forma tão própria, tão sua, para construir uma narrativa ao mesmo tempo despretensiosa (muito menos pretensiosa, pelo menos, do que os filmes de Iñarritu) e comprometida com um olhar crítico sobre a sociedade brasileira. Talvez o segredo esteja nesse diálogo de Belmonte com outros cinemas sem ser subserviente a eles, sem buscar a cópia barata. Se Nada Mais Der Certo é autoral, do início ao fim (o que faz até com que não seja uma experiência muito fácil num primeiro momento, e que sua narrativa custe um pouco a engrenar - no entanto, quando engrena, fica difícil tirar os olhos da tela).
Mas está, também, e principalmente, na conjugação única e perfeita entre o trio de protagonistas, que criam personagens altamente empáticos, sem que para isso seus defeitos tenham de ser escondidos - eles são mostrados, mas nunca julgados pelo diretor, o que é também um êxito do filme. Se Cauã Reymond acaba com qualquer dúvida de seu talento como ator (alguém ainda se lembra de que durante um bom tempo ele ficou conhecido por interpretar um personagem de Malhação?), e João Miguel compõe na medida exata uma figura bastante diversa daquelas que costuma viver (saindo o nordestino alegre, descontraído, e entrando um homem amargurado, introspectivo), é Caroline Abras quem toma conta de Se Nada Mais Der Certo, toda vez que entra em cena. Sua figura errática, indefinível, agressiva, terna e apaixonante, tudo isso ao mesmo tempo, sintetiza perfeitamente o que é, também, o filme de Belmonte.

domingo, 9 de agosto de 2009

[curtinhas: no cinema]

Esse é mais um post "recuperando o tempo perdido". Agora com dois filmes vistos no cinema já há certo tempo, e que ainda não haviam recebido a devida atenção aqui no blog.

Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Harry Potter and the Half-Blood Prince, 2009
David Yates


A série Harry Potter parece finalmente ter encontrado um responsável por conduzi-la até seu final, de uma forma respeitosa mas sem medo de ser original. Não acho David Yates o melhor diretor a passar pela franquia (Alfonso Cuarón e seu O Prisioneiro de Azkaban continuam insuperáveis na minha opinião), mas seu trabalho é não menos que admirável: o inglês consegue dar um tom sóbrio, e, nesse sexto filme, verdadeiramente sombrio, à saga, sem perder de vista a inocência que ainda resta aos seus protagonistas, o encanto de viver em um mundo de magia. Em O Enigma do Príncipe, a escuridão predomina, e a sensação de que algo terrível está por acontecer é trabalhada e explorada de forma brilhante por Yates, que acaba criando algumas cenas magníficas (sendo uma sequência, já perto do final do filme, envolvendo Harry Potter e Dumbledore em uma caverna a melhor delas, capaz de rivalizar mesmo com a cena de abertura do filme anterior, também dirigido por Yates).
Não há aqui quase nenhuma sombra do clima alegre e infantil dos filmes de Chris Columbus, e talvez seja essa evolução dos personagens e da história criada por J.K. Rowling que mais mereça admiração. E Yates sabe muito bem conduzir essa mudança de clima, essa intensificação da escuridão. Só me incomoda um pouco em seu trabalho uma certa frieza emocional em momentos que pediriam uma intensidade dramática maior: novamente, assim como em A Ordem da Fênix, há a morte de um personagem de grande importância para a saga, um personagem querido - e, novamente, Yates filma-a de uma maneira seca (mas não tão brutal quanto poderia ser, e como fez, por exemplo, Mike Newell em O Cálice de Fogo ao evidenciar a tragédia da morte de um personagem que era muito menos importante e querido do que os dois que morreram até agora nos filmes de Yates), não resultando em toda a emoção que se poderia esperar. Ah sim, e a ausência de Ralph Fiennes faz falta - seu Voldemort é mesmo um vilão marcante.


Horas de Verão
L'Heure d'été, 2008
Olivier Assayas


Assisti a esse Horas de Verão de uma forma que raramente faço: sabendo nada, ou muito pouco, sobre o filme. Sabia tratar-se de uma obra de Olivier Assayas, de quem já havia assistido ao ótimo Clean. Mas nada mais.
E a experiência foi bastante interessante, até porque Horas de Verão é um filme que quebra alguns pré-julgamentos que podem formar-se a partir de seus primeiros minutos, demorando um pouco para revelar do que realmente trata. Dessa forma, acreditei primeiramente estar vendo a mais um filme sobre uma família reunida para uma ocasião festiva, onde todos os problemas, traumas, rancores, amores, envolvendo aquelas pessoas vêm à tona (podendo aproximar-se aqui tanto de um tom mais hard de um Festa de Família, quanto de um olhar menos pesado e trágico, mas ainda assim sério e sóbrio, de um O Casamento de Rachel). Pois bem, essa minha impressão não sobreviveu sequer aos 30 primeiros minutos de filme: após a saída de cena de determinada personagem, Assayas muda o foco de sua narrativa, e vai, aos poucos, deixando transparecer sobre o que quer falar - algo que fica completamente claro para lá da metade da narrativa, se me recordo bem.
E quando isso acontece, Horas de Verão revela-se mais um belo trabalho desse diretor, um instigante olhar sobre as formas diferentes com que as pessoas lidam com o passado e, principalmente, com os objetos representativos deste. Talvez este seja um julgamente demasiadamente marcado pela minha formação de historiador (talvez o filme não seja realmente sobre isso...), mas me parece que o que Assayas busca primordialmente é refletir sobre como esses objetos representativos de um passado deixado como herança podem, dependendo da forma como são ressignificados, ganhar tanto uma nova vida quanto transfomar-se em coisas mortas, chatas, entediantes. E, nesse sentido, Horas de Verão me parece ser um filme bastante maduro, ainda que não tão bom quanto o último trabalho do diretor.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

[alguns filmes - junho e julho]

Adoro escrever, e até agora tenho escrito sobre todos os filmes que assisto, ou através de textos individuais, ou através desses grandes posts sobre os filmes do mês. No entanto, por falta de tempo, vou ter de mudar isso. A partir de agora, então, postarei a lista dos filmes que assisti em cada mês, com suas respectivas cotações. Mas só escreverei sobre alguns deles, destacando-os individualmente (como fiz na lista de junho com Garotos de Programa). Não queria fazer isso, mas essa necessidade se impõe - e, além do mais, acho que ficará menos cansativo acompanhar o blog, sem aqueles longos textos sobre inúmeros filmes...
E, nessa primeira lista, devido à minha longa ausência do blog recentemente, listo os filmes dos dois últimos meses.
É isso. Espero que compreendam - e que gostem.

Cabaret
Cabaret, 1972
Bob Fosse

Memórias do Cárcere
Memórias do Cárcere, 1984
Nelson Pereira dos Santos
Pindorama
Pindorama, 1971
Arnaldo Jabor
Tudo Bem
Tudo Bem, 1978
Arnaldo Jabor
Eu Sei Que Vou Te Amar
Eu Sei Que Vou Te Amar, 1986
Arnaldo Jabor
O Triunfo da Vontade
Triumph des Willens, 1935
Leni Riefenstahl

Um Homem com Uma Câmera
Cheloveks Kinoapparatom, 1929
Dziga Vertov
Moloch
Moloch, 1999
Aleksandr Sokurov
A Grande Ilusão
La Grande Illusion, 1937
Jean Renoir
Filme Demência
Filme Demência, 1986
Carlos Reichenbach
Árido Movie
Árido Movie, 2005
Lírio Ferreira
Gerry
Gerry, 2002
Gus Van Sant
Jogada de Risco
Hard Eight, 1996
Paul Thomas Anderson
Jango
Jango, 1984
Silvio Tendler
Sexta-Feira 13
Friday the 13th, 2009
Marcus Nispel

Simão do Deserto
Simón del Desierto, 1965
Luis Buñuel

Os Deuses Malditos
La Caduta degli Dei / The Damned, 1969
Luchino Visconti

O Equilibrista
Man on Wire, 2008
James Marsh