segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Rede Social, Cidadão Kane e o Oscar 2011



Quando A Rede Social chegou aos cinemas, no final do ano passado, pipocaram pela internet algumas tímidas comparações entre o filme de David Fincher e o clássico maior do cinema norte-americano, Cidadão Kane. Confesso que, na época, até por ter curiosamente revisto Kane na mesma semana em que assisti A Rede Social, fiquei um pouco fascinado por esse tipo de aproximação entre os filmes. Comprei a ideia mesmo e cheguei a pensar em escrever sobre o assunto no blog (algo que acabou não acontecendo). Penso que entender o porquê dessa comparação é fundamental para a compreensão da força que muitos não conseguiram enxergar em A Rede Social.

Cidadão Kane narra a trajetória de Charles Foster Kane, grande magnata das comunicações, homem de vida privada cheia de mistérios, que, ao morrer, deixa no ar um mistério: o significado de sua última palavra, "Rosebud". O filme de Orson Welles é construído em torno da investigação de um jornalista acerca do homem Charles Foster Kane, para além do mito (e o significado de "Rosebud" pode ser a chave para a compreensão do personagem). A Rede Social, por sua vez, apresenta a criação do Facebook, badalado e ultra-utilizado site de relacionamentos, a partir do relacionamento entre seus dois "pais", Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) e o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield). O filme do diretor David Fincher também é narrado em flashback, a partir do julgamento das duas ações judiciais movidas contra Zuckerberg (uma delas por Saverin).

O que pode passar despercebido em A Rede Social é que o filme é muito mais sobre o seu protagonista do que sobre o Facebook ou o "espírito empreendedor americano". Zuckerberg, tal qual Kane, é uma figura ambígua, que causa no espectador um misto de repulsa e fascínio - e Jesse Eisenberg constrói essa dubiedade de forma magistral. Tal qual Kane, o sujeito se transforma em uma espécie de midas das comunicações, um jovem celebrado e cercado de puxa-sacos, mas que permanece como figura a ser decifrada. E, tal qual Kane, Zuckerberg também possui seu "Rosebud", elemento-chave para a compreensão de suas motivações (e que se materializa na brilhante cena final do filme).

Na noite de ontem, A Rede Social foi derrotado no Oscar pelo britânico O Discurso do Rei, como muitos já esperavam. O filme certinho, bonitinho, redondinho, sobre o rei gago George VI cativou os corações e mentes dos votantes, talvez ressabiados em premiar uma obra sobre um bando de adolescentes nerds dominando o mundo. Pois mesmo com sua estrutura clássica, sem grandes rompantes de criatividade, A Rede Social exala juventude e frescor, frente ao conservadorismo simpático do filme de Tom Hooper. E a Academia, depois de premiar uma série de filmes contemporâneos que discutem questões contemporâneas, inesperadamente decidiu que era o momento de dar um passo atrás, para laurear o tipo de obra que, durante muito tempo, foi taxada como "com cara de Oscar". Uma pena, mesmo que O Discurso do Rei seja inegavelmente um bom filme. Perdeu-se a oportunidade de celebrar um exemplar cinematográfico que fala do e para o nosso tempo, sem ser, para isso, um trabalho datado. Nisso, também, A Rede Social se aproxima de Cidadão Kane: ambos saíram derrotados do Oscar, diretamente para a história do cinema.

sábado, 26 de fevereiro de 2011


[oscar 2011: apostas finais]

Ser "Oscarmaníaco" e cinéfilo pode trazer boas dores de cabeça na hora de montar uma simples lista de possíveis vencedores do mais importante prêmio do cinema norte-americano. Num ano de muitas certezas, mas algumas importantes dúvidas, fica difícil apostar em supostos favoritos quando obras que amo também têm lá suas chances de saírem premiadas. É esse é o caso de duas categorias especificamente: melhor documentário e melhor filme. No fim das contas, resolvi seguir o coração, e apostar que haverá sim algumas pequenas agradáveis surpresas na noite de amanhã. O bom senso há de prevalecer! Torçamos.



Filme: A Rede Social

Diretor: David Fincher (A Rede Social)

Ator: Colin Firth (O Discurso do Rei)

Atriz: Natalie Portman (Cisne Negro)

Ator Coadjuvante: Christian Bale (O Vencedor)

Atriz Coadjuvante: Hailee Steinfeld (Bravura Indômita)

Roteiro Adaptado: A Rede Social

Roteiro Original: O Discurso do Rei

Montagem: A Rede Social

Fotografia: Bravura Indômita

Direção de Arte: O Discurso do Rei

Figurino: O Discurso do Rei

Maquiagem: O Lobisomem

Efeitos Especiais: A Origem

Mixagem de Som: A Origem

Edição de Som: A Origem

Trilha Sonora: A Rede Social

Canção: "We Belong Together" (Toy Story 3)

Filme Estrangeiro: Em Um Mundo Melhor

Animação: Toy Story 3

Documentário: Lixo Extraordinário

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011


[lixo extraordinário]

Lixo Extraordinário
Waste Land, 2010
Lucy Walker & João Jardim & Karen Harley


A impressão que fica diante de Lixo Extraordinário é que este deveria ser simplesmente um documentário inglês sobre o artista plástico brasileiro Vik Muniz e sua obra - magnífica, diga-se de passagem. No entanto, por uma daquelas mágicas que só o cinema é capaz de proporcionar, no meio do caminho havia um bocado de personagens muito mais interessantes, que acabaram por transformar Lixo Extraordinário em outro filme. Num filme muito mais comovente e poderoso do que se poderia imaginar. Num filme muito mais brasileiro que inglês.
A força das muitas histórias de vida dos moradores e trabalhadores do Jardim Gramacho, mostradas com enorme sensibilidade por Lucy Walker e seus co-diretores brasileiros João Jardim e Karen Harley, explodem na tela e se sobrepõem sem piedade às tentativas de Muniz de relatar passagens de sua vida que levariam a uma compreensão maior de suas motivações enquanto artista - tornando ridículas suas reflexões do tipo "eu poderia ser um deles". O artista acaba soando arrogante nesses momentos, deixando uma leva impressão de não ter realmente entendido o que é viver em meio a tanta miséria, o que é uma pena. Entretanto, não dá para simplesmente desprezar a importância da presença de Muniz no filme, já que é o resultado de seu brilhante trabalho que potencializa a força emotiva de Lixo Extraordinário. É verdade que Vik Muniz, o homem, conversando em inglês diante das câmeras com sua esposa também brasileira, é completamente ofuscado pelos catadores de Gramacho, na dura veracidade de suas realidades. Mas Vik Muniz, o artista, é tão responsável quanto eles pelo êxito do filme.

sábado, 12 de fevereiro de 2011


[127 horas]

127 Horas
127 Hours, 2010
Danny Boyle


Danny Boyle apareceu para o mundo em um filme onde uma história forte, carregada de imagens pesadas, era contada com um balanço pop contagiante, que tornava tudo menos intragável e mais divertido. Estou falando de Trainspotting, claro, um dos filmes-símbolo da década de 1990. Durante o transcorrer de sua carreira, Boyle nunca perdeu essa veia pop, mesmo em bobagens como A Praia, mas não voltou a contar histórias fortes, com imagens de violência e brutalidade difíceis de esquecer - bem, talvez em Extermínio haja algumas do tipo, não me recordo, mas, como era um filme de zumbi, seria o mínimo de se esperar. A amenização temática e imagética de seu cinema alcançou o ápice no premiadíssimo Quem Quer Ser um Milionário?, onde Boyle abria mão de qualquer vontade de ser realista ao filmar um contexto potencialmente violento, em prol de uma atmosfera de conto de fadas que, apesar de encantadora até certo ponto, chegava a um exagero irritante em determinados momentos.
127 Horas, seu primeiro trabalho após os 8 Oscars vencidos por seu filme "indiano", é uma boa chance de retorno do diretor a esse cinema mais próximo de Trainspotting. Boyle tem nas mãos uma história real que geraria, inevitavelmente, um filme angustiante - afinal, trata-se de um sujeito preso em um canyon, e que faz de tudo para sobreviver, tudo mesmo. Por outro lado, por ser praticamente um filme de um ator só, em um único cenário, durante 90 minutos, 127 Horas corria o sempre presente risco de se tornar entediante e repetitivo. Nesse sentido, é fundamental para o êxito do filme o olhar pop de Boyle. Sua montagem acelerada ajuda a tornar tudo menos cansativo e palatável, e a narrativa flui com um bom ritmo. No entanto, há de se levar em conta que talvez um olhar mais seco e brutal poderia dar uma dimensão mais precisa para o drama daquele sujeito, já que há uma inegável atmosfera feel good ao longo do filme (o que me faz pensar no que 127 Horas poderia ser se dirigido por um Werner Herzog, por exemplo). De qualquer forma, quando o tão comentado momento em que o protagonista tem que tomar uma decisão definitiva sobre sua situação chega, Boyle consegue criar uma cena suficientemente impactante para que até o mais forte dos espectadores se sinta tentado a tapar os olhos ou virar o rosto. Ou seja, no fim, o saldo é positivo, ainda mais que o filme tem como trunfo maior um desempenho assombroso de James Franco. 127 Horas não chega ao nível de Trainspotting, mas é provavelmente o melhor filme de Danny Boyle desde que Mark Renton passou pelas telas de cinema.


P.S.: na última quarta-feira a Liga dos Blogues Cinematográficos, da qual faço parte, divulgou o resultado de seu prêmio anual de cinema, o Alfred. Confira aqui a lista dos premiados. Uma dica: o principal vencedor foi o filme mais adorável de 2010...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

[caça às bruxas]

Caça às Bruxas
Season of the Witch, 2011
Dominic Sena


A cada novo filme seu, Nicolas Cage parece se esforçar mais para que esqueçamos que ele é um grande ator, capaz de desempenhos memoráveis. Só nos últimos 10 anos, foram lançadas pérolas como O Capitão Corelli, O Sacrifício, O Vidente, Motoqueiro Fantasma... bom, essas são as que assisti, porque até hoje não tive coragem de encarar Perigo em Bangkok e O Aprendiz de Feiticeiro, por exemplo.
Quando escrevi sobre o magnífico Vício Frenético, há pouco mais de um ano, comentei que, por sua atuação inacreditável no filme de Herzog, Cage já estava antecipadamente perdoado por suas bombas futuras. No entanto, confesso que diante desse Caça às Bruxas é difícil manter essa posição. O filme de Dominic Sena (diretor de outra bobagem com Cage, 60 Segundos) é um filme de ação medieval que começa querendo ser Cruzada e termina como um sub-Constantine. Sena transporta para a Idade Média todos os clichês dos filmes de ação ao estilo "herói renegado recebe uma missão que pode representar sua redenção", inclusive os diálogos, o que produz um anacronismo que beira o bizarro. O diretor comanda uma trama muito estranha, que a todo momento flerta com o absurdo (no mau sentido), e quando finalmente apresenta sua revelação supostamente surpreendente, Sena joga de vez seu Caça às Bruxas na vala dos filmes descerebrados que não mereciam sequer ter visto a luz do dia - diante dos momentos finais do filme, Constantine se torna uma obra-prima.
Mas e Nicolas Cage? Bem, o ator permanece o tempo todo com sua típica cara de sono, tentando - mas não muito - nos convencer que aquele ali é um cavaleiro medieval amargurado e perturbado por seu passado violento. O ator parece desejar tanto quanto os espectadores que o filme acabe logo - mas, então, por que diabos ele continua fazendo essas escolhas ridículas, que só servem para manchar sua carreira, já que nem grandes bilheterias tais filmes alcançam? Enfim, preparem-se, porque vem aí Motoqueiro Fantasma 2, em 3D...
Após a sessão na qual assisti Caça às Bruxas, comentei com alguns amigos sobre uma questão que costuma me afligir enquanto cinéfilo e historiador: a dificuldade que Hollywood tem em produzir bons filmes passados na Idade Média. Talvez à exceção de Cruzada (que também não é lá nenhuma obra-prima), o cinema norte-americano dificilmente realiza algo que preste passado neste que é um dos períodos mais ricos e instigantes da história européia. E não, não estou pedindo filmes absolutamente fiéis à realidade medieval apresentada pela mais recente historiografia: estou apenas clamando por bons filmes, boas histórias bem contadas. Nunca esperei isso de Caça às Bruxas, mas assistir ao filme de Dominic Sena me fez pensar novamente nessa questão.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei



Sabe aquele filme "quadrado", totalmente tradicional, sem um pingo de ousadia, baseado em uma história real ou em alguma grande obra literária e que costuma ser taxado de "filme de Oscar"? Já vimos muitos nesse estilo nos últimos anos, certo? Especialmente provenientes da Inglaterra: Retorno a Howard's End, Vestígios do Dia, Razão e Sensibilidade, O Paciente Inglês, A Rainha, O Leitor... mesmo alguns exemplares um pouco mais corajosos, na temática ou na construção narrativa, poderiam ser citados aqui, como As Horas e Desejo e Reparação. Todos eles carregam uma certa aura de "filme nobre". Pois então, O Discurso do Rei, subitamente alçado ao posto de favorito a vencer os principais prêmios do Oscar 2011, é mais um exemplar perfeito disto.

O filme de Tom Hooper é tão milimetricamente calculado para funcionar como um relógio, para emocionar sem soar melodramático, que chega a irritar. Mas acaba realmente funcionando. É bonito, tem um elenco inspirado (comandado por um Colin Firth estupendo, no melhor desempenho de sua carreira), passa uma mensagem positiva que não soa forçada e não incomoda e consegue trafegar pelo universo da nobreza - potencialmente grandioso - sem apelar para um tom épico, permanecendo no pequeno, no olhar intimista sobre seus personagens. Porque, no fim das contas, são eles que realmente interessam para Hooper. É graças ao cuidado com que esses personagens são construídos e ao carinho com que são retratados - e, claro, ao desempenho dos atores que os interpretam - que O Discurso do Rei funciona tão bem. O filme se fortalece sempre que mantém o foco na relação entre suas duas figuras principais (Firth e Geoffrey Rush), na construção de uma amizade que, ainda que carregada de clichês, é inevitavelmente emocionante. Por outro lado, quando Hooper parte para retratar os meandros da política da época, O Discurso do Rei perde força - e são justamente nesses momentos da narrativa que se encontram personagens que não têm muito a contribuir para o filme, que soam ou como caricaturas (o Winston Churchill de Timothy Spall, por exemplo), ou como necessidades bobas de um roteiro excessivamente tradicional (o arcebispo vivido por Derek Jacobi, que parece uma tentativa do roteiro de criar algo próximo de um vilão).

No entanto, para o bem do filme, o momento em que esses seus dois pólos se encontram, quando ocorre o discurso anunciado no título, é muito bom. Toda a longa sequência da transmissão das palavras do rei George VI via rádio é uma bela demonstração da capacidade de Hooper de gerar tensão por algo mínimo, pois, por mais que o discurso seja sobre um assunto extremamente sério, nossa preocupação ali é simplesmente com a gagueira do protagonista - ele poderia estar falando sobre qualquer coisa, que ainda assim o espectador torceria por ele. O que reforça, novamente o quanto O Discurso do Rei se erige sobre seus personagens e só funciona realmente graças a eles. Um filme "nobre", "de Oscar", do qual é difícil não gostar. Mas que, como na maioria dos casos citados no início desse texto (exceção feita, talvez, a Desejo e Reparação) é impossível chamar de obra-prima.


O Discurso do Rei 
The King's Speech, 2010
Tom Hooper