quinta-feira, 23 de junho de 2011


[vênus negra]

Vênus Negra
Vénus Noire, 2010
Abdellatif Kechiche


Vênus Negra não é um filme fácil de ser esquecido. Durante as quase 3 horas de duração de seu novo longa, Abdellatif Kechiche abusa de um naturalismo extremamente incômodo para retratar todo o sofrimento imposto à sua protagonista, Saartjie Baartman (interpretada pela magnífica Yahima Torres). E não há como sair incólume diante do que é mostrado.
Estamos no início do século XIX, e o olhar lançado pelos europeus aos aficanos é de plena discriminação. Saartjie é exibida em um circo como um animal por seu patrão (vivido pelo também excelente Andre Jacobs), reforçando no público londrino e parisiense a imagem estereotipada de exotismo e selvageria que se possuía da África. Mas ele não é o único a tratá-la como um ser inferior: quando um grupo de homens busca denunciá-lo, levando-o a julgamento, há por trás desta atitude todo um olhar paternalista, de proteção a uma mulher que aqueles julgam ser ignorante e indefesa; assim como quando Saartjie se transforma em objeto da Ciência, o que há ali é claramente uma postura carregada de racismo, típica do conhecimento pretensamente científico do período. É lógico, no entanto, que é quando a personagem se torna atração em festas da alta sociedade francesa, sob o comando do assustador personagem de Olivier Gourmet, que todo o horror daquela situação vem definitivamente à tona. A trajetória de Saartjie é toda terrível, mas são esses momentos que ocupam a última parte do filme de Kechiche os maiores responsáveis pelo clima de velório que permanece após seu fim. Talvez porque o diretor tunisiano consiga - ao mesmo tempo que coloca na tela de forma palpável uma visão de mundo de um determinado período histórico - nos fazer sentir um pouco culpados por tudo aquilo (até mesmo por conta do papel que assumimos, de co-espectadores dos "espetáculos" de Saartjie). Para além do filme histórico, Vênus Negra é um apavorante retrato da sordidez humana.

sábado, 11 de junho de 2011

X-Men: Primeira Classe



Quando assisti X-Men: O Confronto Final, em 2006, tive a sensação de ver diante de mim a morte de uma franquia que tinha sido, até então, brilhante. Não que o longa de Brett Ratner fosse ruim - não era, há inclusive alguns grandes acertos nele -, mas na comparação com a complexidade do universo apresentado por Bryan Singer no ótimo X-Men - O Filme e na obra-prima X-Men 2, O Confronto Final parecia apenas um encerramento confuso e apressado para a saga dos mutantes no cinema. Bem, depois veio a bomba X-Men Origens: Wolverine, e a certeza de que a fonte secara era inevitável. E eis que vem de Matthew Vaughn, o sujeito que iria primeiramente dirigir X-Men: O Confronto Final, essa agradabilíssima surpresa chamada X-Men: Primeira Classe.

O grande mérito de Vaughn está justamente em não cair nos erros cometidos nos dois últimos filmes da série. Em primeiro lugar, traz de volta para o centro da narrativa o debate sobre preconceito e auto-aceitação, apresentando-o novamente com a seriedade vista nos filmes de Singer. Nesse sentido, o fato de X-Men: Primeira Classe ser um longa de ação se torna um mero detalhe - o que realmente importa nele são as reflexões propostas por seu diretor e roteiristas, algo que nunca esteve perto de acontecer no acéfalo Wolverine, por exemplo. Além disso, e o que talvez seja ainda mais importante (já que o debate sobre preconceito estivera presente em O Confronto Final, e mesmo assim o filme era uma bagunça), Vaughn demonstra um enorme cuidado no tratamento dado a seus personagens. Não há pressa em apresentá-los e desenvolvê-los, o que torna o drama de cada um deles - dos protagonistas Charles Xavier e Erik Lensheer a coadjuvantes como Mística e Fera - palpável, verossímil. E esse cuidado abre espaço para que alguns dos atores entreguem desempenhos excepcionais. Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult e Kevin Bacon estão ótimos, mas são mesmo James McAvoy e Michael Fassbender que dão um show à parte - especialmente o segundo, que compõe um personagem cheio de nuances, um homem dotado de grande nobreza, mas ao mesmo tempo movido por seu desejo de vingança (sentimento que, aliás, gera algumas das melhores sequências do filme, como a que se passa na Argentina e o confronto final de Erik com seu antagonista). O mérito de McAvoy e Fassbender aqui é duplo: conseguem nos fazer crer que os personagens aos quais dão vida são aqueles que, no futuro, se tornarão os vividos por Patrick Stewart e Ian McKellen nos primeiros filmes da franquia; e conseguem, por outro lado, dar vida própria, independente, aos seus Charles Xavier e Erik Lensheer.

Vida própria, aliás, é um bom termo para definir Primeira Classe, e encaixá-lo na saga dos X-Men no cinema. É um filme que retoma a qualidade perdida dos dois primeiros longas, que bebe do universo criado por Bryan Singer, mas que, no fim das contas, só funciona tão bem por ser capaz também de criar um universo que é seu, de construir personagens e situações que são fortes naquela narrativa, independentemente de qualquer outro filme. Primeira conclusão disso tudo: Matthew Vaughn deveria ter dirigido X-Men: O Confronto Final. Segunda conclusão disso tudo: nunca é tarde para acertar.


X-Men: Primeira Classe 
X-Men: First Class, 2011
Matthew Vaughn