segunda-feira, 29 de novembro de 2010


[harry potter e as relíquias da morte - parte 1]

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1
Harry Potter and the Deathly Hallows - Part 1, 2010
David Yates


Chega a ser inacreditável no que Harry Potter se transformou. Se até o filme anterior da série ainda havia algum espaço para as descobertas naturais de um grupo de adolescentes, mesmo com as sombras tomando conta do universo mágico em que vivem, ao chegar ao seu epílogo, a saga adquire de vez um tom absoluto de medo e violência: em diversos momentos, Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 lembra mesmo um filme de terror.
David Yates, o diretor britânico que assumiu o comando da saga em seu quinto filme e não saiu mais, entrega aqui seu melhor trabalho: a primeira parte do último Harry Potter é um filme admirável pela calma com que sua trama se desenrola, e pelo cuidado que tem com seus personagens. A maior parte da narrativa é dedicada à fuga do trio de protagonistas, cada vez mais encurralados por Voldemort (Ralph Fiennes, ainda excepcional, mesmo com o pouco tempo em cena), e aos conflitos que surgem durante este convívio forçado. O que significa que Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 depende fundamentalmente do trio de jovens atores Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson. E eles não decepcionam. O amadurecimento de Harry, Rony e Hermione foi acompanhado pelo amadurecimento de Radcliffe, Grint e Watson como atores, e o turbilhão de emoções pelo qual os personagens passam é retratado com pujança e delicadeza pelo trio. Mas os devidos méritos também devem ser dados a Yates. Sem jamais permitir que seu filme se torne enfadonho, mesmo com alguns momentos contemplativos - um tanto inusitados em uma série marcada por narrativas aceleradas, cheias de detalhes que costumam se atropelar -, o diretor constrói uma obra profundamente angustiante e emocional.
Angustiante por conseguir, finalmente, deixar claro que toda a felicidade das descobertas de um mundo mágico foram deixadas para trás, e que o perigo que ronda os personagens é verdadeiramente real: Harry, Rony e Hermione entraram de vez em um mundo adulto, carregado de violência e crueldade, e que vive sob a sombra de um tirano. Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 é quase uma chacina, e Yates acerta ao não poupar o espectador de testemunhá-la.
E Emocional por, enfim, provocar verdadeira comoção ao filmar momentos trágicos da saga (algo que não ocorrera nos dois filmes anteriores, quando a morte de personagens fundamentais não trazia a carga emotiva imaginada), mas, principalmente, por demonstrar delicadeza na construção da dinâmica entre seus personagens principais. Delicadeza transbordante que fica explícita em uma breve, mas maravilhosa, cena: Harry e Hermione dançando no interior de sua cabana. Cena das mais belas de toda a trajetória de Harry Potter no cinema, momento de raro alívio em meio à tempestade que só se acentua no mundo dos bruxos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

[primeiro plano 2010 - festival de cinema de juiz de fora e mercocidades]

Ocorreu entre os dias 16 e 21 de novembro mais uma edição do Primeiro Plano - Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades, em sua 9ª edição. Nesse ano, mais uma vez, me dediquei muito pouco aos curta-metragens, o que lamento, mas, ao menos, consegui assistir a quase todos os longas exibidos. Deixo, a seguir, minhas impressões sobre eles:


Os Famosos e os Duendes da Morte
Os Famosos e os Duendes da Morte, 2009
Esmir Filho


Este, na verdade, foi assistido alguns dias antes do Primeiro Plano, mas como não havia ainda escrito sobre ele aqui no blog, aproveito a oportunidade. É um bom exemplar de um cinema jovem carregado de melancolia, que tenta tornar palpável o vazio que por vezes permeia a condição da juventude no mundo contemporâneo. Os Famosos e os Duendes da Morte funciona principalmente quando tem seu protagonista interagindo com figuras mais velhas, especialmente sua mãe, vivida com delicadeza por Áurea Baptista Ali fica claro a distância entre suas gerações e, ao mesmo tempo, a proximidade entre aquelas duas pessoas, proximidade que, quando reconhecida, gera momentos de enorme singeleza. No entanto, o filme perde força quando se dedica excessivamente à subtrama da garota suicida e de seu misterioso namorado que retorna à cidade. Todas as vezes que Esmir Filho se dedica a esses personagens, sua obra se torna chata, arrastada e menos admirável. De qualquer forma, qualquer filme que tenha Bob Dylan na trilha sonora já merece ser respeitado...

Rainhas
Rainhas, 2009
Fernanda Tornaghi e Ricardo Bruno


Documentário carinhoso, mas bastante convencional, sobre o concurso Miss Brasil Gay e seus participantes, centrado, especialmente, na figura da Miss Rio de Janeiro, um jovem de Rondônia que vem para o Sudeste tentar realizar seu sonho. As passagens centradas na relação dessa figura com seu namorado são bem bonitas, dão ao filme um bem-vindo caráter de intimismo e delicadeza, mas, quando se centra especificamente no concurso, Rainhas perde força, seu protagonista deixa de ser protagonista, e o documentário se torna apenas um filme comum sobre um concurso de Miss. Nesses momentos menos interessantes, no entanto, o que ainda garante alguma qualidade é a presença da Miss Maranhão, figura impagável, alívio cômico acertado do filme - ainda que o clima de Rainhas não seja, de forma alguma, pesado, voltado para o drama, até porque, como disse no início, esse é um olhar bastante carinhoso para o universo das transformistas.

A Falta que nos Move
A Falta que nos Move, 2009
Christiane Jatahy


A agradável surpresa do Festival. De uma premissa aparentemente pretensiosa, que busca questionar as fronteiras entre realidade e ficção através de um cinema de pesquisa de linguagem, a diretora Christiane Jatahy conseguiu fazer um filme instigante e com grande carga emocional. Aliás, é justamente daí que A Falta que nos Move tira sua grande força: da interação entre seus atores/personagens, que tornam palpáveis e dolorosos os conflitos e o convívio daquele grupo de pesssoas. É somente por ser dramaticamente efetivo, por envolver e emocionar com as figuras humanas que apresenta, que o filme consegue tornar válida sua discussão sobre a tênue linha que separa o que é real e o que é encenado. Às vezes é um pouco cansativo, às vezes algumas falas soam por demais fake. Mas, no fim, é difícil não começar a se importar com aquelas cinco pessoas, com os atores e com os personagens interpretados por eles - e vê-los todos chorando para a câmera, na catártica cena conduzida pelo excelente Pedro Brício, é de cortar o coração.

Andrés Não Quer Dormir a Sesta
Andrés No Quiere Dormir la Siesta, 2009
Daniel Bustamante


Filme argentino bem esquisito esse aqui. É um drama sobre a vida na Argentina nos anos de ditadura militar, mas o tema da repressão e da tortura é muito pouco enfocado, por mais que o diretor Daniel Bustamante pareça querer abordá-lo - mas, aparentemente, não sabia como. É também um drama familiar, onde os personagens são todos muito mal desenvolvidos, unidimensionais, e mesmo um tanto estranhos, eu diria. Por fim, Andrés Não quer Dormir a Sesta é uma história sobre a perda da inocência de um garoto em tempos de violência, como tantos e tantos outros filmes já produzidos (só para ficar no contexto das ditaduras militares na América Latina, poderia ser citado o brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, belíssimo trabalho de Cao Hamburguer), no entanto, Bustamante, inexplicavelmente, transforma seu protagonista em um pequeno vilão de filme de terror, gerando uma cena final entre o garoto e sua avó que beira o ridículo. Aliás, a personagem da avó é interpretada pela grande Norma Aleandro, presença inusitada em um filme tão fraco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

[machete]

Machete
Machete, 2010
Robert Rodriguez


Me lembro que quando assisti Um Drink no Inferno, meu primeiro contato com o cinema de Robert Rodriguez, fiquei com a impressão de que um filme que se encaminhava para ser muito bom, com personagens e diálogos excelentes, dotado de um humor negro devastador, fora estragado por sua segunda metade exagerada, tosca, desprovida de qualquer sutileza. A impressão exata era de que a primeira parte do filme havia sido dirigida por Quentin Tarantino (na verdade, roteirista da obra), e a segunda, por Rodriguez.
Quem assistiu ao projeto Grindhouse, lançado por essa mesma dupla há 3 anos, deve ter percebido algo parecido: enquanto o segmento de Tarantino, À Prova de Morte, transformava um fiapo de história em um filme memorável, empolgante e engraçado, o segmento de Rodriguez despediçava um bocado de ótimas ideias por conta de opções exageradamente gore, e de um roteiro fraquíssimo. Pois com Machete, filho direto de Grindhouse, fica a certeza: Robert Rodriguez é um "estragador" de boas ideias. Do genial trailer inserido entre À Prova de Morte e Planeta Terror, o diretor texano tira um filme cheio de momentos hilários, que tem um protagonista marcante, mas que poderia ser mais, muito mais. Falta roteiro a Machete. Não estou pedindo que o filme se leve a sério, não é isso (cito aqui, novamente, o exemplo de À Prova de Morte, uma grande brincadeira que é quase uma obra-prima, graças ao talento de Tarantino em construir e conduzir sua trama). A questão é que a piada do "mexicano implacável em busca de vingança" cansa a partir de um certo momento, por mais que Danny Trejo dê um show, e todo o pano de fundo no qual a narrativa se desenvolve - o embate entre imigrantes ilegais de um lado e políticos, traficantes e preconceituosos fanáticos de outro - é frágil demais (ou é tratada com excessivo desleixo por Rodriguez). Além disso, bons atores são desperdiçados em personagens que poderiam ser absolutamente memoráveis (como o senador vivido por Robert De Niro e o traficante interpretado por Steven Seagal). Talvez também tenha faltado direção de qualidade a Machete. Talvez, tenha simplesmente faltado Quentin Tarantino ao filme, ao invés dessa sua versão infinitamente menos talentosa que é Robert Rodriguez.

sábado, 13 de novembro de 2010

[josé e pilar]

José e Pilar
José e Pilar, 2010
Miguel Gonçalves Mendes


Não há ceticismo que resista ao amor de José Saramago e Pilar del Río. Quando o escritor português morreu, em junho desse ano, lamentei aqui no blog o fato de ter lido tão poucos livros seus (três até o momento, Ensaio sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte e Caim). No entanto, por ter em casa uma quase especialista na literatura "saramaguiana", já folheei a maior parte de suas obras, e sempre me deparei com suas dedicatórias a Pilar. "A Pilar", "A Pilar", "A Pilar", repetitivamente. Esse belíssimo documentário José e Pilartorna palpável, minimamente compreensível, o porquê delas. O porquê de tantas delas.
O filme, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, tem o mérito espantoso de entrar na vida cotidiana do casal de forma discreta, de conseguir acompanhar sua rotina com uma naturalidade que nos faz esquecer mesmo que há ali, presente ao lado de Saramago e sua esposa, uma equipe de filmagem. O olhar do espectador é naturalizado, tamanha a discrição e o cuidado do trabalho do diretor. No entanto, me parece que é mesmo em seus retratados que reside a força maior de José e Pilar. O filme de Gonçalves Mendes é de José e de Pilar. É dos dois, por mais que a rabugice doce de Saramago seja quase irresistível, por mais que a personalidade forte de Pilar del Río seja apaixonante. É ao casal, aos seus pequenos momentos de singeleza, ao seu amor rotineiro - mas nunca banal - inabalável que o filme deve sua capacidade de emocionar tanto, de produzir passagens engraçadas, inusitadas, belas, tristes. Ver um sujeito como Saramago, capaz de criar momentos tão marcantes com suas palavras, chamar sua esposa para, como uma criança orgulhosa de ter feito algo certo, relatar uma frase bonita que disse, dá a dimensão da figura de Pilar na vida do escritor.
Quando José Saramago morreu, vivia um momento na minha vida íntima que acreditava ser mágico. Hoje, quando tudo aquilo já foi dolorosamente destruído, quando luto para deixar para trás o que vivi e senti, assisto um filme como José e Pilar. E, contrariando meu recém-adquirido (à força) ceticismo, volto a acreditar, mesmo que por alguns poucos momentos, que poderia passar o resto da minha vida dedicando meu trabalho (qualquer que seja) a alguém. De fato, não há ceticismo que resista ao amor de José Saramago e Pilar del Río.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

[a suprema felicidade]

A Suprema Felicidade
A Suprema Felicidade, 2010
Arnaldo Jabor


S
ou de uma geração que construiu uma imagem de Arnaldo Jabor baseada exclusivamente em sua atuação como cronista político na televisão brasileira - e, conforme fui crescendo e me posicionando politicamente, passei a quase sempre discordar do que Jabor dizia. Pouco sabia de sua prévia história como cineasta, até bem recentemente. O cinema de Arnaldo Jabor é grande, poderoso. Trás alguns trabalhos fracos, como
Pindoramae O Casamento, mas estão na sua conta filmes memoráveis como A Opinião Pública, Toda Nudez Será Castigada, Tudo Bem e Eu Sei que Vou te Amar. Este que foi, aliás, o último trabalho seu por trás das câmeras, há quase 25 anos. A cena cinematográfica brasileira sentia falta de Jabor.
A Suprema Felicidade, seu tão aguardado retorno, é um filme transbordante em ternura. Jabor também parecia estar com saudades do cinema. É um olhar absolutamente carinhoso - e, em muito, autobiográfico - do cineasta para o processo de descoberta da vida pelo qual passa um garoto, dos 8 aos 20 anos, no Rio de Janeiro das décadas de 1940 e 1950. Quando consegue transformar essa ternura excessiva em lirismo, Jabor constrói um filme profundamente bonito, dotado de uma nostalgia gostosa. Especialmente quando tem Marco Nanini em cena.
No entanto, A Suprema Felicidade é também um trabalho bastante irregular, o que fica claro no excessivo empostamento em determinadas sequências, e na falta de capacidade em tornar outras verossímeis, mesmo quando seu objetivo é a lembrança fantasiosa. Não é um filme para se cobrar realismo absoluto, não é esse seu intento, mas há passagens demasiadamente fake, que definitivamente não funcionam (um bom - ou mau - exemplo é a sequência do carnaval de rua). Há ainda um Dan Stulbach ruim, em um personagem horroroso. Como ele permanece mais em cena nos momentos iniciais de A Suprema Felicidade, é natural que o filme demore um pouco para engrenar. No entanto, tudo melhora quando o tempo passa, o protagonista cresce (Jayme Matarazzo segura bem o personagem) e Nanini ganha mais espaço. O veterano ator, volto a destacar, é um show à parte, ilumina a tela, e se torna o verdadeiro dono do filme. Nada mais justo, portanto, que seja o seu personagem o encarregado de encerrar, numa belíssima cena, esse bem-vindo retorno felliniano de Jabor ao cinema.