quarta-feira, 12 de abril de 2017

Paterson


Como a obra poética de seu protagonista Paterson (Adam Driver), Paterson, o filme, é cinema que busca arrancar poesia do cotidiano, acompanhando a rotina repetitiva de um motorista de ônibus dedicado às artes – com direito a divisão em capítulos referentes a cada dia da semana na vida do sujeito. Esse último elemento talvez soe como uma saída óbvia para Jim Jarmusch, mas é fato que ele se mostra aqui bastante confortável no lidar com esse personagem, homem comum, meio melancólico, como tantos outros de sua filmografia. Paterson é quase como uma volta para casa do diretor, após a saída da zona de conforto representada pelo excelente Amantes Eternos (2013) – pero no mucho, já que todas as questões e o estilo do cinema de Jarmusch estavam presentes no seu “filme de vampiros”.

Trata-se de uma narrativa muito certeira, que consegue realizar tudo que precisa realizar. A fusão entre as poesias cotidianas do personagem Paterson e do filme Paterson é promovida por Jarmusch com a organicidade e a calma que lhe são características, sem qualquer necessidade de gritar para o espectador o que está sendo feito. É a metalinguagem do processo criativo alicerçada na absoluta discrição, talvez o extremo oposto da obra de um Charlie Kaufman, por exemplo – pensando aqui principalmente em Adaptação (2002). Além disso, o diretor é bastante efetivo na construção de uma relação empática entre sua câmera e as figuras que ela registra por mais tempo, especialmente, além do protagonista, a esposa dele (Golshifteh Farahani), que, mergulhada no tédio da vida doméstica, se entrega a atividades diversas e aparentemente randômicas. Essa personagem poderia muito facilmente funcionar como uma espécie de alívio cômico, sendo ridicularizada, mas em nenhum momento o filme ri dela. Sua confusão é tratada por Jarmusch com a mesma compreensão daquela experimentada por Paterson e é lançado ao casal um olhar bastante carinhoso.   

Por fim, o diretor consegue acertar também em suas escolhas visuais, com a sobreposição de imagens do presente, lembranças e do texto escrito pelo protagonista se revelando de imensa beleza. É uma maneira simples, mas muito eficaz, encontrada por Jarmusch para concretizar na tela a criação do sujeito. O clima dessas cenas, aliás, por vezes remete, curiosamente, à atmosfera meio lúgubre, meio idílica, de Twin Peaks, a icônica série televisiva de David Lynch e Mark Frost, febre no início dos anos 90. Mas é claro que, em Paterson, não há qualquer flerte com o surrealismo onírico recorrente na obra de Lynch. Desse diretor, talvez o filme que mais se aproxime do de Jarmusch seja o belo História Real (1999), também muito interessado em arrancar poesia das atitudes cotidianas de seus personagens. 


Paterson 
Jim Jarmusch, 2016