sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Guardiões da Galáxia



Apesar de ser uma produção dos estúdios Marvel, Guardiões da Galáxia chegou aos cinemas como uma aventura de heróis desconhecidos do grande público, algo muito diferente do que ocorreu com os Vingadores – afinal, mesmo quem não é leitor de quadrinhos já tinha ouvido falar de Hulk, Capitão América, Homem de Ferro e Thor antes de seus respectivos filmes estrearem. Chegou, enfim, sem peso, sem responsabilidades. Sem expectativas a serem atendidas ou frustradas (lembrando o caso de Blade, sucesso de 1998 que abriu as portas para um novo ciclo de filmes baseados em HQ's). E como isso faz bem ao longa de James Gunn!

O restante do universo Marvel está presente na narrativa de Guardiões da Galáxia, até porque cruzamentos futuros estão previstos, mas a principal referência no horizonte de Gunn é uma certa aventura intergalática de 1977. Como o George Lucas de então, esse diretor desconhecido flerta com o clima descontraído das antigas matinês para nos apresentar a um grupo de heróis inusitados, personagens meio marginais e desastrados que recebem, a contragosto, a função de salvar o universo. Tudo isso embalado por uma deliciosa trilha sonora setentista e oitentista que, também de maneira surpreendente, se insere organicamente na trama. O resultado é um filme irresistível, ainda que, claro, seu impacto sobre as audiências contemporâneas seja infinitamente menor que o de Star Wars há quase 40 anos. Mas não tem problema. Ao mirar na franquia de Lucas, Guardiões da Galáxia já conseguiu o grande feito de, em meio à grandiosidade da Iniciativa Vingadores e da idolatria gerada por seus personagens aborrecidos (quem ainda aguenta Tony Stark?), se tornar o melhor filme produzido pelos estúdios Marvel até agora.


Guardiões da Galáxia 
Guardians of the Galaxy, 2014
James Gunn

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Robin Williams, 1951-2014



Robin Williams foi figura constante na minha infância. Eu vi e revi (muitas vezes, como toda criança chata) Aladdin em cópia dublada, mas sempre achei que o gênio tinha a cara dele. Sonhei em ser como Pan, voando heroico pela Terra do Nunca e ri um bocado com suas trapalhadas em Uma Babá Quase Perfeita. Pouco depois, me emocionei com filmes que hoje reconheço como bobagens sentimentalóides: Amor Além da Vida (já fui espírita) e Patch Adams.  

Quando passei a meu auto-intitular “cinéfilo” e a buscar filmes mais “sérios”, lá esteve Williams, com as obras da fase áurea de sua carreira: Tempo de Despertar, Gênio Indomável e, sobretudo, Sociedade dos Poetas Mortos, responsável por me fazer chorar pela primeira vez diante de um filme. Aliás, se nunca atribui créditos ao protagonista desse incensado trabalho de Peter Weir por minha escolha profissional (até porque não sou muito adepto da ideia da docência como missão), jamais deixei de ter John Keating como modelo de professor a ser alcançado. Keating, como Peter Pan e o gênio da lâmpada, como o pai travestido de babá e o médico palhaço de um dramalhão meloso, são um pouco heróis para mim, figuras que me ajudaram a construir olhares para o mundo. Dói um bocado saber que o homem que criou todos esses heróis já não existe. 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Bem-Vindo a Nova York



Não faz muito tempo que Gerard Depardieu causou polêmica ao, para escapar do projeto do governo socialista francês de taxação de altas fortunas, mudar sua residência fiscal (primeiro para a Bélgica, depois para a Rússia) e tecer duras críticas aos mandatários de seu país natal. Consta que o ator chegou a fazer campanha pela reeleição de Nicolas Sarkozy em 2012, quando o então presidente foi derrotado por François Hollande. Na primeira cena de Bem-Vindo a Nova York, ainda antes dos créditos, Depardieu é questionado por um grupo de entrevistadores sobre as razões para ter aceitado interpretar Dominique Strauss-Kahn, que até o escândalo sexual retratado no filme de Abel Ferrara era o favorito do Partido Socialista para concorrer nas eleições presidenciais de 2012. Talvez a pergunta fosse desnecessária, conhecendo o passado recente do ator (ele responde, genericamente, que não gosta do sujeito e que não confia em políticos).

Concordando ou não com as posições de Depardieu (a mim elas soam carregadas daquele mesmo senso comum sobre a política que tantas vezes vemos nas elites brasileiras, além de claramente movidas por interesses pessoais, financeiros), é difícil não se impressionar com Bem-Vindo a Nova York. A câmera despudorada de Ferrara não se intimida diante de um mito do cinema francês como Depardieu, registrando seu corpo decadente, envelhecido e deformado por uma imensa barriga. É através da relação do corpo do protagonista com os corpos-objetos das mulheres que ele devora (numa antropofagia nada oswaldiana) em quartos de hotéis que Bem-Vindo a Nova York se revela como uma potente reflexão sobre a manifestação sexual, carnal do poder.

Mas Ferrara vai além: na segunda metade de seu filme, ele coloca Depardieu travando ácidas discussões com Jacqueline Bisset, que interpreta a milionária esposa de Strauss-Kahn (o político francês, no filme, é chamado de Deveraux), e vez ou outra interpelando o espectador, quebrando a quarta parede com olhares cheios de arrogância e cinismo. O diretor norte-americano completa, assim, seu painel decadentista das elites econômicas e políticas que governam o mundo. Bem-Vindo a Nova York é uma porrada muito bem dada da qual não se recupera facilmente.


Bem-Vindo a Nova York 

Welcome to New York, 2014
Abel Ferrara