segunda-feira, 11 de julho de 2016

As Montanhas Se Separam



As Montanhas Se Separam é um filme sobre a inevitabilidade das separações. Num primeiro nível está o recorrente interesse do cinema de Jia Zhangke pelo processo de modernização da China como promotor de um determinado tipo de separação, entre os chineses e suas raízes culturais. Esse é, aliás, talvez o único aspecto em que As Montanhas Se Separam cai em algumas pequenas obviedades, ao tornar por demais didática a ocidentalização de seus personagens como elemento de afastamento das tradições – Zhangke chega a nomear um desses personagens de Dollar e, no último segmento da narrativa, toda uma nova geração de chineses é apresentada como falante apenas da língua inglesa, tendo de recorrer a aulas sobre a cultura da China para restabelecer algum tipo de vínculo com seu país de origem.

Felizmente, o diretor consegue extrapolar essa realidade específica e alcançar o tema da separação como constante da vida humana. Separação daqueles que amamos e, no limite, de nossa própria existência. Nesse sentido, é interessante acompanhar como o filme começa, em 1999, com três personagens que estão sempre juntos. A dança perfeitamente coreografada da cena inicial, ao som de “Go West” (na voz dos Pet Shop Boys), é emblemática da harmonia em que o trio aparenta viver. E termina, em 2025, com um desses personagens dançando, sozinho, a mesma música. Entre as duas cenas, Zhangke filma o fim de uma forte amizade, um divórcio, a perda de um ente querido, as dificuldades de comunicação entre pais e filhos e algumas tentativas frustradas de reaproximação, de reencontro com o passado. Do coletivo à performance solo: movimento inexorável contra o qual pouco se pode fazer além de buscar retardar a passagem do tempo, prolongando os momentos com quem se ama.

Talvez a cena de As Montanhas Se Separam que melhor sintetize isso seja aquela em que a personagem Tao (Tao Zhao), após breve temporada com o filho de 7 anos, tem que enviá-lo de volta ao pai, seu ex-marido e detentor da guarda. Ao invés de optar por um voo direto para Shanghai, ela faz a viagem com o garoto num antigo trem que sai de sua cidade natal, Fenyang, e, diante do questionamento dele sobre o porquê dessa escolha por um transporte tão lento, Tao se refere justamente à breve possibilidade de estender o tempo, para que os dois possam ficar um pouco mais juntos. Do comentário de Zhangke sobre o apego a uma modernidade mais arcaica, diante da velocidade avassaladora da contemporaneidade tecnológica chinesa, passa-se à revelação de um anseio que é parte da condição humana: reter a passagem do tempo, que traz consigo as inevitáveis separações – por brigas, por distanciamento de interesses e afinidades, por morte. Nesse breve e delicado momento, Zhangke faz caber praticamente todo o seu belíssimo filme.  


As Montanhas Se Separam 
Shan he gu ren/ Mountains May Depart, 2015
Jia Zhangke

sábado, 9 de julho de 2016

13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi



13 Horas é o filme que muitos enxergaram em Sniper Americano. Se o olhar dúbio lançado por Clint Eastwood para a trajetória de Chris Kyle foi tomado, em análises apressadas, por corroboração do ufanismo primário e do militarismo do biografado, em 13 Horas esses valores de fato estão presentes na forma como Michael Bay conta a história do cerco ao consulado norte-americano na Líbia, em 2012. Não há espaço para sutilezas na abordagem de Bay. Seu filme cultua explicitamente a eficácia da brutalidade militar, em contraposição à vagareza dos burocratas e políticos, incapazes de tomar qualquer decisão acertada. Esse contraste simplista entre ação e política flerta perigosamente com princípios fascistas e, em tempos de eleições presidenciais nos Estados Unidos, soa como ataque direto a Hillary Clinton, Secretária de Defesa na época do ocorrido em Benghazi e frequentemente acusada pelos conservadores de negligência no socorro aos soldados encurralados.

Bay e o roteiro de Chuck Hogan também passam longe de qualquer reflexão, tão cara a Sniper Americano, sobre os efeitos da guerra naqueles soldados: o que está presente aqui é simplesmente a saudade de uma vida ordinária ao lado da família, que é logo suplantada pela consciência de se estar cumprindo um dever patriótico, moralmente superior e necessário. E se Chris Kyle compartilhava dessa mentalidade, o filme de Eastwood sobre o ex-SEAL trata de problematizá-la, registrando o aumento da psicose do personagem conforme ele mergulha mais fundo na guerra e as consequências disso para sua família.

Mas, sinceramente, não penso que o maior problema de 13 Horas seja propriamente ideológico. Se Bay fosse um diretor minimamente competente, talvez seu proto-fascismo não incomodasse tanto. Ao menos estaríamos diante de um bom filme. Mas o que o pai dos Transformers no cinema faz, mais uma vez, é criar uma grande confusão visual e sonora, tentando bater todos os recordes de número de cortes por minuto, o que, crê o diretor, resultaria num filme intenso, envolvente. É verdade que muitos compartilham dessa concepção bayana de ação, não à toa a franquia dos robôs alienígenas gigantes é um grande sucesso comercial, mas, para mim, daí só vem um tédio profundo. Como consigo compreender, sei lá, uns 30% do que acontece na tela, já que tudo é excessivamente frenético, picotado e desconjuntado, já que a câmera de Bay não consegue ficar parada por cinco segundos observando a ação de seus personagens, logo me desinteresso pelos filmes do diretor.

E o pior é que 13 Horas tinha um potencial absurdo para ser um grande filme. Novamente, independente de posições ideológicas, nas mãos de um cineasta com um pouco mais de bom senso, essa história facilmente poderia ser transformada numa experiência carpenteriana da pesada. Algo à lá Assalto à 13ª DP, alicerçado no western clássico (o que Eastwood, aliás, fez em Sniper Americano, ainda que a matriz ali seja mais Rastros de Ódio e menos Rio Bravo, referência principal do cinema de Carpenter), mas com temas e estética modernos. Mas aí cabe perguntar: será que Michael Bay sabe quem é Howard Hawks? Ou John Carpenter?   

13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi 
13 Hours: The Secret Soldiers of Benghazi, 2016
Michael Bay