segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012


[meryl streep e a maldição do oscar]


Meryl Streep é uma grande atriz. Não sou daqueles que a acham a maior de todos os tempos, longe disso, mas reconheço que sim, ela é uma grande atriz. E na noite de ontem Streep finalmente levou para casa seu tão adiado terceiro Oscar, 29 anos após vencer por A Escolha de Sofia. Justo? Justo. A Dama de Ferro é um filme bastante problemático, mas a atriz impõe seu talento sobre os equívocos do roteiro e da direção e consegue se destacar. Além do mais, sua principal competidora, Viola Davis, concorria por um filme que, dizem, é muito ruim, tanto cinematograficamente quanto moralmente. Ainda não assisti a Histórias Cruzadas, mas já tenhos os dois pés atrás com ele. Num mundo de sonhos, Rooney Mara, maravilhosa em Millennium, seria premiada. No mundo real, porém, o embate era mesmo entre Streep e Davis, então está tudo certo.
Ou não. A questão é que, analisando a carreira de Meryl Streep, me incomoda o fato de ela ter ganho 3 Oscars por obras que são, no mínimo, questionáveis. Na cerimônia de 1980, a então jovem atriz seguiu no embalo do grande vencedor da noite, Kramer vs. Kramer, e emplacou como melhor coadjuvante. É uma ótima atuação em um filme apenas ok (e que passou para a História como o melodrama familiar que derrotou a obra-prima hipnótica Apocalypse Now). E, para completar, naquele ano Streep concorria com a tchuca Mariel Hemingway, inesquecível em Manhattan, provavelmente um dos filmes mais bonitos do mundo (e do qual, curiosamente, Streep também participa). Uma pequena, mas dolorosa, injustiça.
Três anos depois, veio o tão aguardado Oscar de melhor atriz. Sua personagem em A Escolha de Sofia é icônica e seu desempenho, assombroso, de cortar o coração. Premiação justa, mas o filme de Alan J. Pakula simplesmente não me desce. Dono de uma narrativa desconjuntada, bagunçada, só se salva, ao menos pelo que me lembro (lá se vão quase 10 anos de quando o assisti), pelos desempenhos de Streep e Kevin Kline.
Bem, por que será que a atriz sofre dessa "maldição"? Meryl Streep só faz filmes ruins? De forma alguma. Se me coubesse escolher os vencedores do Oscar (acho que todo cinéfilo sonhou com isso ao menos uma vez na vida), ela já teria suas 3 estatuetas há algum tempo. O primeiro prêmio viria pelo papel da Sofia mesmo, não tem jeito. É uma personagem muito forte e bem interpretada para ser simplesmente ignorada. O segundo teria sido entregue em 1996, por seu lindo desempenho no lindo As Pontes de Madison. Talvez esteja aí, aliás, a melhor atuação de Streep em toda sua carreira, magnificamente conduzida pelo grande Eastwood. Já o terceiro Oscar seria de atriz coadjuvante, pelo brilhante Adaptação, de Spike Jonze. A amalucada e melancólica personagem interpretada pela atriz é um show à parte num filme verdadeiramente especial.
É claro que isso tudo não passa de um monte de devaneios sem sentido de um cinéfilo e "Oscarmaníaco" mas, se fosse realidade, quem sabe hoje não estaríamos nos referindo a Rooney Mara como "Academy Award winner"?

sábado, 25 de fevereiro de 2012


[oscar 2012: apostas finais]

Bem, chegou finalmente a hora daquele ritual anual de tentar adivinhar quem vai vencer o Oscar. Esse ano as coisas parecem bem mais fáceis, com tudo apontando para a (merecida) consagração de O Artista. A disputa mais acirrada está entre as atrizes principais, mas vou me arriscar a apostar na tão aguardada terceira estatueta de Meryl Streep, com a consciência de que tenho grandes chances de errar aqui (já que Viola Davis tem muitas chances de vencer também, talvez até mais que Streep). No mais, a promessa é de uma noite sem grandes surpresas. Que assim seja! 




Filme: O Artista

Diretor: Michel Hazanavicius (O Artista)

Ator: Jean Dujardin (O Artista)

Atriz: Meryl Streep (A Dama de Ferro)

Ator Coadjuvante: Christopher Plummer (Toda Forma de Amor)

Atriz Coadjuvante: Octavia Spencer (Histórias Cruzadas)

Roteiro Adaptado: Os Descendentes

Roteiro Original: Meia-Noite em Paris

Montagem: O Artista

Fotografia: A Árvore da Vida

Direção de Arte: A Invenção de Hugo Cabret

Figurino: A Invenção de Hugo Cabret

Maquiagem: A Dama de Ferro

Efeitos Especiais: O Planeta dos Macacos - A Origem

Mixagem de Som: Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres

Edição de Som: A Invenção de Hugo Cabret

Trilha Sonora: O Artista

Canção: "Man or Muppet" (Os Muppets)

Filme Estrangeiro: A Separação

Animação: Rango

Documentário: Paradise Lost 3: Purgatory

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


[a dama de ferro]

A Dama de Ferro 
The Iron Lady, 2011
Phyllida Lloyd


Quando se fala em Margaret Thatcher, a primeira coisa que me vem à mente é um prefácio da graphic novel V de Vingança, escrito por Alan Moore, no qual ele relata a violência exercida pelo Estado inglês sobre sua população, no período do governo da tal "dama de ferro". Além disso, ela é a governante que provavelmente encarna com mais força a ideologia neoliberal, a qual também não sou muito afeito. Por tudo isso, dá para imaginar minha resistência inicial ao filme A Dama de Ferro (e minha incontida satisfação ao saber da recepção não muito favorável a ele entre a crítica especializada).
Bem, mas a verdade é que, após assisti-lo, fiquei com a sensação de que queria sim que este fosse um grande filme. Thatcher, goste-se ou não, é indiscutivelmente uma figura política de importância central nas últimas décadas, e seu longo e conturbado governo merecia ser transformado em bom cinema político. O problema é que quase tudo foi feito da forma errada. O roteiro de A Dama de Ferro opta, estranhamente, por dar mais atenção à personagem nos dias de hoje, senil e sofrendo de alucinações com o marido morto (uma das coisas mais aborrecidas do filme, diga-se de passagem, já que o personagem de Jim Broadbent é simplesmente insuportável), enquanto salpicam na tela trechos de sua vida política. Com isso, há pouco espaço para um olhar mais complexo sobre seus anos de governo e o que é mostrado acaba soando como mero endeusamento de Thatcher - algo, a meu ver, extremamente problemático. É lógico que o filme tem direito de assumir a posição política que quiser, mas me parece que seus realizadores não têm muita noção do que estão fazendo. E, de qualquer forma, trata-se de uma personagem importante e polêmica demais para receber uma abordagem quase hagiográfica - e covarde - como essa. Talvez bastasse um Stephen Frears no lugar da diretora de Mamma Mia! (por que logo ela, meu deus?!) para A Dama de Ferro ser o grande filme que tanto uma personagem como Margaret Thatcher como uma intérprete como Meryl Streep (assombrosa do início ao fim do longa e única responsável por salvá-lo do completo desastre) mereciam.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ah, o cinema!



A capacidade de contar histórias e cavar emoções no espectador prescindindo quase totalmente do recurso da palavra formata uma especificidade do cinema enquanto arte e isso sempre me pareceu muito bonito. Por isso, em teoria, posso dizer que acho o cinema mudo fascinante. No entanto, confesso que, na prática, tenho uma certa dificuldade com esse tipo de filme. Como filho legítimo de um mundo em que somos educados para a preguiça intelectual, reconheço um certo apego aos sons diegéticos, diálogos e a todos os outros efeitos apropriados e reproduzidos pelas produções cinematográficas ao longo do tempo. Obviamente, isso não é algo que costumo falar por aí, sem pudores, assim como evito confessar que, em decorrência dessa minha preguiça para com os filmes não-falados, até hoje não assisti a alguns clássicos do porte de A General e A Turba. Vergonhoso, enfim.

Bem, é lógico que, diante dessa condição de quase pseudo-cinefilia em que assumo me encontrar, assistir a O Artista foi, antes de qualquer coisa, um enorme exercício de auto-culpabilização, já que o filme do francês Michel Hazanavicius é uma linda homenagem ao cinema mudo. Mas, felizmente, não só isso. É também uma obra com vida própria, que encanta por sua simplicidade e capacidade de brincar, com bastante desenvoltura, com a linguagem do cinema. Há uma cena maravilhosa envolvendo o uso de sons diegéticos, por exemplo, e Hazanavicius consegue fazer da gramática dos filmes mudos uma ferramenta para contar uma bonita história, que é o mais importante, no fim das contas, já que era exatamente isso que faziam os filmes que O Artista busca celebrar. Nesse sentido, vale destacar o uso brilhante das cartelas com palavras em um momento particularmente dramático da narrativa, em que uma onomatopeia surge para nos lembrar das possibilidades polissêmicas do cinema não-sonoro. Pequenos rompantes de genialidade que fazem saltar aos olhos a sofisticação do trabalho de Hazanavicius.

Se me envergonho de minhas dificuldades com filmes mudos, o mesmo não pode ser dito quanto à minha resistência ao 3D. Tida por muitos como a salvação do cinema diante de "ameaças" como a internet, tal tecnologia costuma me remeter à ideia do cinema como puro entretenimento, já que supostamente permite ao espectador "entrar" no filme que está assistindo. Mas por que iria querer ver coisas saindo da tela, se tudo o que me interessa está lá dentro?

No entanto, aos poucos alguns gigantes da cinematografia mundial vêm se apropriando da arma do "inimigo" e experimentando o 3D enquanto mais um passo na evolução da linguagem cinematográfica. Wim Wenders e Werner Herzog foram os primeiros, com os documentários Pina (que assisti, infelizmente, em cópia 2D) e A Caverna dos Sonhos Esquecidos, e agora é a vez do grande Martin Scorsese se aventurar pelo formato, com A Invenção de Hugo Cabret. Na verdade, trata-se de uma dupla aventura para o cineasta ítalo-americano, já que esta é também sua primeira incursão num cinema mais voltado para o público infanto-juvenil, algo bastante distante da violência urbana de obras como Taxi Driver, Touro Indomável, Os Bons Companheiros e Os Infiltrados. Bem, mas a grande (e agradável) surpresa de Hugo é que Scorsese fez um filme sobre o cinema. Ou melhor, sobre o amor por esta arte, amor que parece ser o motor da carreira e da vida desse cineasta. A jornada na qual embarcam o protagonista e sua única amiga os leva à descoberta do mundo de fantasia dos primórdios da produção cinematográfica, mais especificamente à obra de Georges Mélies. E como este era um ilusionista que viu nos filmes a possibilidade de contar histórias recheadas de magia e fantasia, nada mais justificável que Scorsese use o 3D para se remeter a essa atmosfera de "fábrica de sonhos" que o cinema possuía para as primeiras gerações que tiveram contato com ele. O resultado é... mágico. Coisas saindo da tela? Diante do 3D, como não pensar na reação dos primeiros espectadores de A Chegada do Trem na Estação, dos irmãos Lumiére? No fim das contas, da mais básica gramática dos filmes mudos à mais avançada tecnologia 3D, Michel Hazanavicius e Martin Scorsese só desejam que não deixemos de amar o cinema.

O Artista 
The Artist, 2011
Michel Hazanavicius

A Invenção de Hugo Cabret 
Hugo, 2011
Martin Scorsese


P.S.: por falar em amor pelo cinema, a Liga dos Blogues Cinematográficos publicou o resultado de seu prêmio anual, o Alfred. Vale a pena conferir quem foram os melhores do ano passado para esse bando de apaixonados (eu entre eles).



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012


[millennium - os homens que não amavam as mulheres]

Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres 
The Girl with the Dragon Tattoo, 2011
David Fincher


Sejamos sinceros: a versão sueca do primeiro livro da trilogia Millennium, Os Homens que Não Amavam as Mulheres, é um filme medíocre. Suspense raso, perfeito para as noites de sábado no Super Cine da Rede Globo, e que tem como único mérito ter revelado a nova queridinha de Hollywood, Noomi Rapace. Confesso que o filme, aliás, diminuiu consideravelmente minha disposição de conhecer os livros de Stieg Larsson, e ter lido, pouco depois de tê-lo assistido, a notícia de que seria refilmado em inglês sob o comando de David Fincher me fez crer muito mais na possibilidade de uma mancha na filmografia do sujeito responsável por obras-primas como Seven, Clube da Luta, Zodíaco e A Rede Social do que na capacidade do diretor de fazer um grande trabalho a partir daquele material.
Felizmente, estava errado: Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres é um filmaço. É um thriller como só Fincher sabe fazer, cru e cruel, e que ainda tem o surpreendente mérito de, ao optar por manter a história se passando na Suécia, mesmo com os personagens falando inglês, conseguir transformar aquele ambiente gélido quase em um personagem da trama, algo que o filme sueco não faz. No entanto, é mesmo na abordagem dispensada ao material e aos personagens que Fincher engole a versão anterior. O fascismo, tanto em sua presença no passado da Suécia quanto na lógica que rege as relações estabelecidas com as personagens femininas na história contada, é abordado com desenvoltura e maturidade, sem meios-termos - estamos diante de um filme que traz para o centro de sua narrativa a violência em estado bruto. E o olhar lançado sobre a principal personagem feminina de Millennium, a icônica Lisbeth Salander, é algo próximo da genialidade. Fincher e Rooney Mara carregam na fragilidade de Salander, o que torna sua agressividade ainda mais impactante. A atriz, que já foi o Rosebud de Mark Zuckerberg em A Rede Social, toma conta do filme sem cerimônias, mesmo diante do ótimo desempenho do outro protagonista, Daniel Craig. Nunca o título inglês da obra, The Girl with the Dragon Tattoo, me pareceu tão perfeito para defini-la - o filme de Fincher é sobre Salander e pertence a Mara.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012


[a separação]


A Separação 
Jodaeiye Nader az Simin, 2011
Asghar Farhadi


Dentro do meu parco conhecimento sobre cinema iraniano (e aqui não há um pingo de falsa modéstia, mas uma simples constatação de que assisti muito pouco mesmo do mais básico já produzido naquele país), os filmes de Asghar Farhadi me parecem uma guinada rumo a um cinema mais narrativo, menos preocupado com discussões acerca de sua própria linguagem. Não consigo enxergar isso, no entanto, como um demérito, por mais que me encante com o que vi de Abbas Kiarostami e Mohsen Makhmalbaf, por exemplo: tanto Procurando Elly quanto esse A Separação são dramas densos, narrativas nem um pouco preguiçosas construídas sobre uma crescente e sufocante tensão. Impressiona a forma como Farhadi consegue fazer um filme que, apesar de ter como tema um divórcio e uma série de atos estúpidos decorrentes dele, é tão angustiante quanto muitos dos melhores thrillers já produzidos por aí. Isso se explica, em boa parte, pela escrita cuidadosa de seus diálogos, já que A Separação é basicamente um filme de conversas, argumentações e discussões entre os personagens, que consegue manter o espectador atento ao que eles dizem durante todo o tempo, e também pela impecável direção de atores (não há um porém em seu elenco, por mais que o devido destaque deva ser dado ao protagonista Peyman Moaadi). Mas acho que, no fim das contas, o segredo de Farhadi está em sua capacidade de, ao expor sem pré-julgamentos as múltiplas e diferentes razões que motivam as ações de personagens tão díspares, fazer com que seu filme se pareça tanto com a vida.