segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O Impossível



Muita gente morre nos filmes-catástrofe. Não os protagonistas, claro, mas há sempre um bando de figurantes, reais ou digitais, prontos para serem aniquilados sem que o espectador se preocupe realmente com eles. Os exemplares provenientes da escola Roland Emmerich/Michael Bay de fazer cinema estão cheios de casos assim, que acabam privando tais filmes de um sentido mais profundo de solidariedade humana - o que importa é o espetáculo, o entretenimento e a sensação final de que estamos vivos com aqueles que mereceram viver. Felizmente, o cineasta espanhol Juan Antonio Bayona seguiu outro caminho em O Impossível, seu segundo longa-metragem (o primeiro foi o tenso O Orfanato), que trata da luta por sobrevivência de uma família inglesa em meio ao tsunami que assolou parte da Ásia no final de 2004.

Clint Eastwood abriu seu belo Além da Vida (2010) justamente com esse desastre natural, usando-o, no entanto, meramente como motivador para uma virada nas crenças da personagem de Cecile de France - que, após passar por uma experiência de quase-morte ao ser atingida pela onda gigante, reencontrava seu marido em meio à destruição deixada e passava a investigar as possibilidades de comunicação dos vivos com os mortos. A rigor, o que Bayona faz em O Impossível é explorar o que existe entre o desastre e o reencontro, optando pela via do cinema-catástrofe com olhar humano. Se a proximidade com Além da Vida se restringe à presença em cena do tsunami de 2004, a semelhança com os filmes de Emmerich ou Bay é menor ainda.

O diretor aposta em personagens simples e de fácil identificação para qualquer espectador, num elenco sólido (Naomi Watts, Ewan McGregor e o garoto Tom Holland estão ótimos!) e numa narrativa dramática que não tem medo de flertar com o melodrama, subindo o tom desavergonhadamente quando busca emoções mais fortes. É um filme-catástrofe de pegada mais clássica, belíssimo, como não se via, talvez, desde Titanic, o que não é pouco. Bayona cria uma experiência dramática intensa que faz com que o alívio e a comoção pela sobrevivência dos protagonistas sejam acompanhados por uma espécie de lamento silencioso pelas vidas perdidas naquela tragédia.


O Impossível 
The Impossible, 2012
Juan Antonio Bayona

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre cinema e religião



Uma onda religiosa aponta no horizonte do cinema contemporâneo. Obras como Além da Vida, de Clint Eastwood, A Árvore da Vida, de Terrence Malick e esse novo As Aventuras de Pi, de Ang Lee, convergem para essa ânsia de discutir as relações do homem com Deus, no caso dos dois últimos, e com a vida após a morte, no caso do primeiro. No Brasil, entretanto, a moda é o filme espírita, materialização cinematográfica dos preceitos da religião fundada por Allan Kardec no século XIX, cinema de pregação.

Depois do êxito surpresa do pequeno Bezerra de Menezes e das grandes produções Chico Xavier e Nosso Lar, o mercado do cinema espírita parece consolidado, com o lançamento de pelo menos um representante por ano. O grande problema é que esses filmes, com exceção da boa cinebiografia de Chico Xavier dirigida por Daniel Filho, estão primordialmente à serviço de uma religião institucionalizada. Importa menos contar uma boa história do que divulgar os princípios dessa religião e é claro que quem paga o preço é o bom cinema. O sujeito pode ser um cineasta de fundo de quintal, sem o menor tino para o ofício mas, se produz um filme que se enquadra num nicho de mercado forte como esse, consegue ser lançado nos cinemas, ocupando um espaço que poderia ser de alguma obra mais relevante. É o caso de E a Vida Continua... que, apesar de contar com uma ou outra cara conhecida do público de novelas - e com a inexplicável presença de Lima Duarte -, assusta pela falta de qualidade em todos os quesitos imagináveis num filme. Texto sofrível, atuações nível teatro da escola da esquina e um diretor que não sabe o que fazer com sua câmera marcam E a Vida Continua.... Mas, no fim das contas, o que importa tudo isso, se a mensagem religiosa foi disseminada, agradando ao público espírita, e algum dinheiro foi arrecadado, deixando felizes os produtores?


As Aventuras de Pi, novo trabalho de Ang Lee, é um bom contraponto a esse cinema religioso brasileiro. A busca por algo maior que explique a existência humana está presente em todo o filme, bem como um discurso de certa positivação do sentimento religioso, mas o diretor taiwanês não está à serviço de nenhum crença institucionalizada. As Aventuras de Pi fala de nossa necessidade, enquanto espécie, de encontrar sentido na vida, estruturando-a como uma narrativa (por vezes fantástica), com início, meio e fim e dotada de uma moral explicativa. Trata-se de um filme fascinando pelo poder da crença humana em algo superior e pelos mecanismos que movem essa crença, mas que jamais se submete a qualquer discurso religioso específico, tornando-se de fácil identificação até para descrentes como eu.

Diante do ecletismo sem fim da filmografia de Ang Lee, o apuro técnico e a delicadeza para contar histórias aparecem como traços comuns a todos seus trabalhos atrás das câmeras e com As Aventuras de Pi não é diferente. Movendo-se com cuidado no território pantanoso do filme de amizade entre um ser humano e um animal, Lee constrói uma narrativa mágica em seu miolo e de uma inusitada complexidade em seu epílogo. Sem dogmatismos ou discursos inflamados, o diretor apresenta a religiosidade como uma faceta incontornável e bela da humanidade, mas não como o único caminho possível para ela. E, o que é mais importante em se tratando de cinema, faz um grande filme.


E a Vida Continua... 
E a Vida Continua..., 2012
Paulo Figueiredo

As Aventuras de Pi 
The Life of Pi, 2012
Ang Lee

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Lá e de volta outra vez



Quanto valem dez anos? Uma vida de cinefilia construída - com muitas lacunas - a partir do encantamento diante de um simples filme se reencontra agora com o universo responsável por seu início, através das versões estendidas das três partes de O Senhor dos Anéis e do lançamento nos cinemas de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada.

O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, assistido no dia 1 de janeiro de 2002, redefiniu meus gostos para cinema: de espectador ocasional de blockbusters norte-americanos, passei a interessado no fazer cinematográfico, na história dessa arte e, claro, nos mais diversos tipos de filmes. E tudo por causa do maldito Peter Jackson e sua belíssima trilogia. Só consigo precisar o que tanto me encantara no trabalho de Jackson ao revê-lo mais uma vez: sua capacidade de conduzir com firmeza uma história tão longa, tão cheia de personagens e paisagens, quase um road movie mitológico; o irresistível senso de aventura que permeia a jornada de Frodo e Sam à Montanha da Perdição, sem jamais perder de vista os riscos que os personagens correm, a chance real de fracasso em sua missão (a morte de Boromir, um dos componentes da sociedade do anel, nesse primeiro filme, acentua a sensação de que nenhum daqueles sujeitos que aprendemos a amar está realmente seguro); mas, sobretudo, o cuidado no desenvolvimento dos personagens, a noção exata do equilíbrio entre a grandiosidade da trama e dos cenários e os dramas individuais de cada figura que surge na tela. Havia em A Sociedade do Anel uma estranha sensação de trabalho artesanal, mesmo com a presença massiva de efeitos especiais - sensação que, em boa medida, se estende aos dois filmes seguintes, As Duas Torres e O Retorno do Rei, ainda que diminuída pelo aumento considerável da escala de suas respectivas narrativas.

As versões estendidas acabam realçando, involuntariamente, outro mérito de Jackson: seu belo trabalho no corte de O Senhor dos Anéis, montando uma obra coesa como um todo e em cada uma de suas partes, sem sobras e sem deixar de fora algo que realmente faça falta. É claro que, para o aficcionado pelo universo de Tolkien, certas sequências são um prazer à parte: os presentes de Galadriel em A Sociedade do Anel, o flashback com Boromir e Faramir em As Duas Torres, o fim de Saruman e o confronto entre Gandalf e o Rei Bruxo de Angmar em O Retorno do Rei, por exemplo, são momentos que poderiam (e talvez até deveriam) entrar nas versões que foram para os cinemas no início da década passada. No entanto, parece inegável que, sem eles, os três filmes continuam a funcionar magnificamente, enquanto há muitas outras cenas e sequências presentes nas versões estendidas que mereceram ser deixadas de lado na sala de montagem (as tentativas de fazer graça com Gimli na passagem das Sendas dos Mortos em O Retorno do Rei, por exemplo, são de gosto um tanto duvidoso).


É curioso notar, por isso, que O Hobbit: Uma Jornada Inesperada falhe justamente em alguns dos pontos que tornaram O Senhor dos Anéis tão bom. Em primeiro lugar, há um problema que parece ter sido criado exclusivamente pela megalomania de Peter Jackson: a decisão de transformar o livro O Hobbit, de Tolkien, que não chega a ter 300 páginas, em três longos filmes. O material original traz uma história um tanto simples, com um clima bem mais leve que o de O Senhor dos Anéis, e que poderia ser contada, sem grandes problemas, num longa de três horas de duração. Mas como o Peter Jackson pós-O Retorno do Rei é um cineasta com imensa dificuldade de cortar gorduras de seus filmes (vide King Kong e Um Olhar do Paraíso) - e como os executivos da Warner, da New Line e da MGM devem estar alucinados com a possibilidade de faturar montanhas de dinheiro com uma nova trilogia passada na Terra-Média -, cá estamos diante do primeiro terço de "O Hobbit".

Outro pecado do filme está no desequilíbrio entre o tom excessivamente grandioso de sua narrativa e o pouco cuidado demonstrado com seus personagens. Jackson parece acreditar que basta trazer de volta figuras facilmente identificáveis pelo público para garantir o envolvimento emocional deste (afinal, como resistir ao Gandalf de Ian McKellen ou ao Gollum de Andy Serkis?), o que não é verdade. Como muitos já vêm apontando, os anões de O Hobbit são um problema por sua falta de personalidade própria (exceção feita ao magnético Thorin Escudo de Carvalho, interpretado por Richard Armitage), o que em nada lembra a competência com que o diretor marcou as características de cada membro da sociedade do anel em O Senhor dos Anéis. Assim, sobram no filme paisagens deslumbrantes e grandes sequências de ação, mas faltam personagens verdadeiramente memoráveis; a sensação de trabalho artesanal, tão forte na trilogia original, aparece pouco aqui.

Como fã do universo de Tolkien, e também pelo fato de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada ser, no fim das contas, um bom filme, tomo esse reencontro com Peter Jackson e a Terra-Média, pouco mais de dez anos depois de ter assistido ao primeiro O Senhor dos Anéis e de ter começado a enxergar o cinema de outra forma, como positivo. Mas não sem uma pontinha de decepção.



O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel - Versão Estendida 
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring - Extended Version, 2001
Peter Jackson

O Senhor dos Anéis: As Duas Torres - Versão Estendida 
The Lord of the Rings: The Two Towers - Extended Version, 2002
Peter Jackson

O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei - Versão Estendida 
The Lord of the Rings: The Return of the King - Extended Version, 2003
Peter Jackson

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada 
The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012
Peter Jackson

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O Homem da Máfia



O retrato ultraviolento e nada glamouroso das atividades mafiosas lembra um pouco o cinema de Scorsese, particularmente Os Bons Companheiros; os personagens conversando sobre assuntos que pouco se relacionam com o tema central da narrativa apresentada remetem aos filmes de Tarantino; no entanto, O Homem da Máfia, terceiro longa-metragem do cineasta neozelandês Andrew Dominik, é cheio de estilo próprio.

Depois de realizar o belíssimo O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, o diretor optou por um trabalho de tom bastante diverso: sai a contemplação quase existencialista daquele western, entra a urgência de um thriller urbano  pautado por um pungente comentário social sobre os efeitos da atual crise econômica nos Estados Unidos. Dominik consegue equilibrar com maestria seu olhar crítico para a sociedade americana com a tarefa de contar uma boa história, com personagens minimamente interessantes. Assim, ao mesmo tempo que as figuras interpretadas por Ray Liotta, James Gandolfini, Richard Jenkins, Scoot McNairy, Ben Mendelsohn e Brad Pitt despertam os mais diversos sentimentos no espectador (como não temer o personagem de Pitt e sentir pena do de Liotta, por exemplo?), que efetivamente se interessa por seus respectivos destinos, o impacto da crítica social feita por Dominik é avassalador.

Desde sua primeira cena, O Homem da Máfia é perpassado por discursos da campanha presidencial de 2008, especialmente aqueles proferidos pelo então candidato Barack Obama, que são constrastados com a realidade dura em que se passa a história narrada. O otimismo e o senso de comunidade presentes nas palavras do futuro presidente parecem ter pouco (ou nada) a ver com o individualismo, a ganância e a miséria que marcam a existência dos personagens do filme de Dominik, algo que se explicita de maneira radical no brilhante - e apavorante - diálogo travado por Pitt e Jenkins nos momentos finais de O Homem da Máfia. Está posto então diante de Obama, sem meias palavras, o imenso desafio que seira enfrentado pelos próximos quatro (agora oito) anos. É difícil não se compadecer do sujeito. 



O Homem da Máfia 
Killing them Softly, 2012
Andrew Dominik

domingo, 18 de novembro de 2012

Argo



Ben Affleck é um cara esperto. Quando ninguém mais parecia levá-lo a sério, por ter investido numa carreira de ator recheada de papéis ruins em obras de gosto no mínimo duvidoso (ele trabalhou duas vezes com Michael Bay, por exemplo), o melhor amigo de Matt Damon resolveu se transformar em diretor de cinema, apostando em filmes pequenos, de temática urbana e pegada policial: o ótimo Medo da Verdade e o excepcional Atração Perigosa, ambos ambientados em sua Boston natal. De onde poucos esperavam surgiu um cineasta promissor, com pleno domínio de seu ofício e um inusitado talento para arrancar grandes desempenhos de seus atores.

Argo, terceiro longa-metragem do Affleck diretor, é a confirmação de seu êxito nessa nova função. Saindo pela primeira vez de sua zona de conforto geográfica, ele constrói um thriller político exemplar: carrega na atmosfera tensa que cerca a missão de seu protagonista, deixando sempre viva no espectador a noção exata do risco que aqueles personagens correm e leva muito a sério a pesquisa e a reconstituição histórica do contexto retratado, sem deixar, todavia, de introduzir passagens claramente ficcionais (ou que exageram o que realmente aconteceu) com o propósito de aumentar o nervosismo em torno do que é mostrado na tela (caso das duas sequências mais tensas de Argo, a visita ao mercado popular de Teerã e o epílogo no aeroporto). E a opção de Affleck e do roteirista Chris Terrio pela ficção quase escrachada nesses momentos (principalmente no segundo deles) passa longe de incomodar, afinal, não é também do poder da mentira em Hollywood que o filme está falando?

Apesar de não ter a força dramática visceral de Atração Perigosa (ainda seu melhor filme), até pela necessidade de apostar num alívio cômico que, apesar de funcionar por si só ("Argo fuck yourself" é provavelmente a fala mais memorável do cinema em 2012) parece um tanto deslocado do clima sério da narrativa, Argo é o terceiro grande trabalho consecutivo de Ben Affleck na direção. Poucos cineastas em início de carreira conseguiram se manter tão regulares.

Argo 
Argo, 2012


Ben Affleck

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Top 5: Os melhores filmes de vampiros


Em "homenagem" ao encerramento da Saga Crepúsculo, deixo aqui, especialmente para os fãs de Edward, Bella e companhia, essa singela lista de sugestões de filmes realmente bons protagonizados por vampiros. São todas obras relativamente recentes (a mais antiga delas está prestes a completar trinta anos) e fáceis de se encontrar.


5- Vampiros
Vampires, 1998
John Carpenter


4- Fome de Viver
The Hunger, 1983
Tony Scott


3- Entrevista com o Vampiro
Interview with the Vampire, 1994
Neil Jordan


2- Deixa Ela Entrar
Låt den rätte komma in, 2008
Tomas Alfredson


1- Drácula de Bram Stoker
Bram Stoker's Dracula, 1992
Francis Ford Coppola


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

007 - Operação Skyfall



Sempre tive os filmes de James Bond em baixa conta, como aventuras bobas e repetitivas com um protagonista que me parecia anacrônico e pretensamente charmoso. Tolice minha, sei disso, mas foi só com o início da releitura do personagem em Cassino Royale, que se estende até hoje, que comecei a realmente me importar com 007. Vivido, desde o filme de 2006, por Daniel Craig, o agente secreto britânico foi transformado numa figura brutal, letal, mas também vítima de ameaças à sua vida que soam um tanto mais críveis que aquelas enfrentadas nos tempos de Sean Connery, Roger Moore, Pierce Brosnan e outros. É verdade que há aí um bocado do fetiche do realismo que tomou conta do cinema de ação norte-americano nos últimos anos, sobretudo após o Batman de Christopher Nolan, mas é verdade também que a filiação a essa estética, junto com a presença viril, por vezes grosseira, de Craig no papel de Bond, deram uma nova e interessante cara à franquia, depois de anos de mais do mesmo.

Skyfall não foge a essa regra. Como Martin Campbell em Cassino Royale e Marc Forster em Quantum of Solace, Sam Mendes leva o mundo de James Bond muito a sério, estruturando a narrativa de seu filme sobre a relação entre o agente secreto e M (Judi Dench), sua superior, entre o velho e o novo, o arcaico e o moderno. A aposentadoria da chefe do MI6 parece estar a caminho após uma missão fracassada, que a expõe publicamente; 007, por sua vez, é questionado pelo personagem de Ralph Fiennes se não deveria deixar as missões de campo para agentes mais jovens. Completando 50 anos em 2012, a franquia James Bond poderia soar velha, mesmo repaginada. Não seria a hora de abrir espaço para novos heróis? "Juventude nem sempre significa modernidade", responde o protagonista a um jovem Q (Ben Whishaw) em determinado momento do filme. Esse é o recado de Mendes e Bond ao público de cinema do século XXI.

Skyfall está profundamente marcado por essa dialética entre novo e velho. Ao mesmo tempo que é recheado de homenagens e citações a outras obras da série, permanece na estética realista de seus dois predecessores. Ao mesmo tempo que volta ao passado de Bond e de M, aponta para um futuro promissor para a franquia, ao introduzir personagens como os de Whishaw e Fiennes. Nostálgico, classudo, mas cheio de vigor, Skyfall é como seu protagonista, adepto incorrigível do hobby de ressuscitar, vez ou outra, ainda mais forte.

E, se faltava a essa nova fase de 007 um vilão memorável, Javier Bardem deu um jeito de resolver esse problema.


007 - Operação Skyfall  
Skyfall, 2012
Sam Mendes

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Gonzaga - De Pai para Filho


Gonzaga - De Pai para Filho 
Gonzaga - De Pai para Filho, 2012
Breno Silveira


Gonzaga - De Pai para Filho é mais um exemplar desse cinema digno produzido por Breno Silveira. Assim como 2 Filhos de Francisco, Era Uma Vez... e À Beira do Caminho, o filme narra uma história popular com linguagem extremamente acessível, mas nunca se torna um trabalho televisivo, como acontece frequentemente com tantos filmes brasileiros. E novamente o diretor consegue emocionar flertando com o melodrama, mas mantendo um tom contido na dramaturgia.

A rigor, Gonzaga é um filme-irmão de 2 Filhos de Francisco. Se no longa de 2005 Silveira mostrava-se muito mais preocupado em contar a história de um pai obsessivo em sua dedicação a um sonho para seus filhos do que em fazer um filme sobre Zezé Di Camargo e Luciano, agora o diretor mantém no centro de sua narrativa a conturbada relação entre Luiz Gonzaga e seu filho famoso, Gonzaguinha (interpretado de maneira quase espírita por Julio Andrade). A ascensão do personagem-título ao posto de "rei do baião" faz parte da trama, claro, mas importa bem menos que o embate entre Gonzaga-pai e Gonzaga-filho. E se estendermos o olhar para seu outro recente trabalho, À Beira do Caminho, perceberemos que, na verdade, a temática da paternidade é uma espécie de eixo norteador da filmografia de Silveira, cineasta que, apesar de passar longe do brilhantismo, se mostra cada vez mais coerente na construção de seu cinema.  

terça-feira, 16 de outubro de 2012


[festival do rio - parte 7]

César Deve Morrer 
Cesare Deve Morire, 2012
Paolo Taviani & Vittorio Taviani


É muito bonito ver os agora octogenários irmãos Taviani, figuras tão vinculadas a um cinema político italiano que parecia esquecido em algum lugar da década de 1970, realizarem uma obra ao mesmo tempo tão atual e tão em sintonia com sua filmografia como César Deve Morrer. Os diretores lançam um olhar delicadíssimo para o cotidiano de um grupo de detentos que encenam "Júlio César", de Shakespeare, numa prisão de segurança máxima, fazendo de sua narrativa uma bela demonstração do que a arte é capaz de fazer com as pessoas. Não há espaço para discursos piegas ou epifanias artificiais: aqueles homens brutalizados e sem perspectivas, interpretados por não-atores de rostos marcantes e expressivos, desenvolvem gradualmente uma sensibilidade artística, ao relacionar, durante os ensaios para a peça, o universo shakespeareano às suas próprias histórias de vida (é particularmente comovente o momento em que o sujeito responsável por interpretar Brutos se lembra de um amigo do passado no momento em que tenta decorar um fala de "Júlio César").
César Deve Morrer é um filme simples, mas dotado de uma imensa capacidade de dar voz aos seus personagens, de compreender, com a câmera, seus mais profundos e conflituosos sentimentos. Uma pequena obra-prima que funciona também como excelente e criativa releitura contemporânea do próprio texto de Shakespeare.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


[festival do rio - parte 6]

Tabu 
Tabu, 2012
Miguel Gomes


Tabu pode ser visto como dois filmes em um. Em sua primeira parte, intitulada "Paraíso Perdido", acompanhamos Pilar, uma melancólica mulher de meia idade que, em meio a seu cotidiano enfadonho pontuado vez ou outra por alguma solitária sessão de cinema, se aproxima de sua já bastante idosa vizinha, figura decadente e um tanto irritante. Aurora, a vizinha, coadjuvante dessa metade inicial de Tabu, acaba se revelando como a verdadeira protagonista do filme de Miguel Gomes (diretor do aclamado Aquele Querido Mês de Agosto) ao ter sua juventude narrada por um grande amor daquela época na impressionante segunda parte da obra, chamada de "Paraíso". Abrindo mão completamente dos diálogos, Gomes conta uma triste história de amor proibido que, no fundo, funciona também como metáfora da perda dos territórios coloniais africanos por Portugal - o paraíso africano de exotismo e amores impossíveis perdido por Aurora, seguido de seu retorno amargurado para Lisboa, acompanha o movimento de descolonização da África portuguesa.
Ao completar, diante do espectador, a trajetória de decadência de Aurora e ao estruturar sua segunda metade como uma contação de história bem próxima àquela que Pilar assiste num cinema em seu prólogo, Tabu se mostra um filme uno, coeso e coerente em suas duas partes aparentemente tão distantes. Miguel Gomes encerra sua narrativa lançando para fora do cinema um espectador totalmente imerso na atmosfera melancólica do filme - algo semelhante ao que ocorrera com Pilar no já citado prólogo - e com a certeza de ter visto mais uma verdadeira joia do cinema português contemporâneo.


[festival do rio - parte 5]

Dossiê Jango 
Dossiê Jango, 2012
Paulo Henrique Fontenelle


Já faz um tempo que a ditadura militar brasileira - e temas correlatos a ela - se transformou em temática cara ao cinema documental produzido em nosso país, e a abordagem que geralmente surge nesses filmes é um tanto questionável. A historiografia contemporânea avançou muito em debates sobre questões como a participação da sociedade na ditadura (chamada, por alguns, de civil-militar) e as motivações político-ideológicas dos grupos que optaram por pegar em armas contra o regime, mas o cinema ainda parece preso a um olhar memorialístico, militante e pouco problematizador. É um cinema "histórico" que, ao invés de propor a discutir questões, mantém-se preso à prática de biografar grandes personagens. Não à toa, raramente se encontra nesses filmes depoimentos de historiadores atuais, conhecidos por renovarem os estudos sobre o período: é em figuras como Jacob Gorender e Moniz Bandeira que os cineastas vão buscar uma voz de autoridade. 
Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle, se insere nessa tendência, ainda que rompa com ela em alguns pontos. Sempre que busca construir um olhar mais macro sobre os anos da ditadura, o filme de Fontenelle cai em lugares-comuns: caracteriza o regime militar como algo alienígena, completamente desvinculado da sociedade brasileira (e basicamente imposto pelos interesses norte-americanos no continente), seguindo um caminho que se aproxima mais da memória que se buscou construir sobre aquele período do que das mais avançadas pesquisas históricas. No entanto, Dossiê Jango tem o mérito de ir além da simples biografia do ex-presidente (algo que, afinal, já foi feito com qualidade por Sílvio Tendler em Jango, há quase trinta anos), vinculando-se a uma espécie de cinema documentário investigativo, com uma trama envolvente e teorias conspiratórias bem desenvolvidas. Ainda assim, o filme não consegue escapar totalmente da vala comum dos olhares maniqueístas sobre os anos da ditadura militar. Cinema não é história, claro, mas me parece inegável que aquele teria muito a ganhar com algumas discussões complexas e fascinantes propostas por esta recentemente. 

domingo, 7 de outubro de 2012


[festival do rio 2012 - parte 4]


Indomável Sonhadora 
Beasts of the Southern Wild, 2012
Benh Zeitlin


As bestas do sul selvagem a que se referem o título original de Indomável Sonhadora são as pessoas que vivem isoladas por uma barragem em algum lugar remoto dos Estados Unidos. Mais especificamente, a protagonista Hushpuppy e seu pai Wink, que a criou para ser um pequeno animal, forte, resistente e brutal. Num determinado momento, por exemplo, Wink impede que um amigo ensine à menina como preparar um carangueijo para comer, exigindo que ela o faça de maneira selvagem, destroçando o animal com as mãos e bebendo seu sangue. Pode parecer horrorizante, mas o maior mérito do filme de Benh Zeitlin é justamente não julgar seus personagens, figuras decadentes e sujas que encontram felicidade no domínio que exercem sobre aquele mundo. E está em Hushpuppy, interpretada pela magnífica Quvenzhané Wallis, o melhor exemplo disso: por mais comovente que seja ouvi-la confessar a falta que sente de ser embalada no colo por alguém, de ser cuidada, a personagem é, graças à criação dada por seu pai, uma pequena besta sobrevivente, capaz de olhar nos olhos de qualquer ameaça e enfrentá-la sem sentir medo. Nesse sentido, a analogia com os ameaçadores animais pré-históricos auroques é, ainda que um pouco óbvia, plenamente coerente com a proposta do filme.
Lembrando um pouco A Árvore da Vida no uso da música e de algumas belas imagens da natureza e Onde Vivem os Monstros pela ligação metafórica entre uma protagonista infantil e figuras monstruosas, Indomável Sonhadora é um filme delicado e respeitoso no olhar que lança para figuras carregadas de uma fascinante brutalidade.

sábado, 6 de outubro de 2012


[festival do rio - parte 3]

Nós e Eu  
The We and the I, 2012
Michel Gondry


Michel Gondry é mais conhecido por seus filmes esquisitinhos, especialmente quando em parceria com Charlie Kaufman (A Natureza Quase Humana e o belíssimo Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças). E, como o diretor faz muito bem esse tipo de cinema, não deixa de ser estranho vê-lo brincando de Spike Lee nesse Nós e Eu. Um filme que acompanha a viagem para casa de um grupo de estudantes negros de Nova York, após o último dia de aula do ano letivo, tem muito pouco a ver com o que Gondry está acostumado a fazer. Isso não necessariamente seria um problema (ver um artista ousando sair de sua zona de conforto é sempre bom), mas o cineasta parece um iniciante ainda aprendendo a manusear sua câmera e a construir uma narrativa, tateando por um universo que, pelo jeito, desconhece totalmente.  


Hotel Mekong 
Mekong Hotel, 2012
Apichatpong Weerasethakul


Apichatpong Weerasethakul consagrou-se definitivamente ao vencer o Festival de Cannes em 2010, com Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, um filme de difícil apreensão, carregado de simbolismos pouco usuais para nós, ocidentais, mas com uma narrativa instigante e envolvente, ainda que em ritmo lento. Seu novo trabalho, Hotel Mekong, parece ser o cineasta tailandês levando sua estética ao limite: assim como em Tio Boonmee, tem-se uma narrativa silenciosa, contemplativa e plena de símbolos mas, infelizmente, sai de cena a capacidade de envolvimento demonstrada no longa de 2010. O que resta é um tom monocórdico, com os personagens falando sempre muito baixo enquanto ouvimos o músico Chai Bathana dedilhar algumas melodias em um violão durante sessenta minutos - que, na verdade, parecem durar muito mais. Resta, enfim, o tédio, que meu cansaço após um longo dia só fez aumentar. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012


[festival do rio 2012 - parte 2]


Moonrise Kingdom  
Moonrise Kingdom, 2012
Wes Anderson


Personagens melancólicos e monossilábicos enquadrados de maneira centralizada pela câmera já são uma dica de que se está diante de um filme de Wes Anderson. O diretor, quem vem da experiência de filmar uma história mais voltada para o público infantil (O Fantástico Sr. Raposo), permanece nesse universo em Moonrise Kingdom, ao trazer a história de um casal de crianças vivendo um inocente e doce, mas intenso, amor. O maior mérito de Anderson e de seu co-roteirista Roman Coppola é levar esses personagens mirins muito a sério: a história é contada sob a ótica deles, mas nunca de uma maneira infantilizada por conta da baixa idade dos protagonistas. E o fato de ter dois atores magistrais interpretando os pequenos Sam e Suzy (Jared Gilman e Kara Hayward que, de tão bons, conseguem eclipsar a presença de nomes como Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Harvey Keitel, Tilda Swinton e Frances McDormand) torna tudo ainda mais marcante. A paixão com que seus respectivos personagens se dedicam um ao outro é algo comovente, elemento disparador de uma viagem sentimental às primeiras descobertas do amor, àquele primeiro momento em que nos sentimos abalados por simplesmente estar perto de alguém. Viagem muitíssimo bem conduzida por um inspirado, ainda que talvez repetitivo, Wes Anderson. 


As Sessões 
The Sessions, 2012
Ben Lewin


Num momento em que o superestimado Intocáveis arrebata as bilheterias brasileiras e consolida sua condição de favorito ao próximo Oscar de filme estrangeiro, não deixa de ser um alívio assistir a um filme delicado como esse As Sessões. Não que o trabalho de Ben Lewin seja radicalmente diferente do sucesso francês mas, só por não enveredar pelos caminhos da história edificante sobre uma amizade que supera todas as diferenças, já é digno de aplausos. O diretor equilibra bem o drama do protagonista com seu incorrigível bom humor, nunca descambando para a comédia explícita como faz Intocáveis, e ainda acerta em cheio na construção da relação entre o personagem de John Hawkes e a terapeura sexual interpretada por Helen Hunt. Os dois atores estão assombrosos em cena e o respeito e carinho com que se tratam ao longo da narrativa são de uma beleza gigantesca. 
Longe de ser uma obra-prima e se enquadrando, no fim das contas, à perfeição no cinema independente norte-americano "sério", As Sessões, ainda assim, conquista pela simplicidade de sua história e pela força de seu casal de protagonistas.