sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Informante




Há um quê de O Homem que Matou o Facínora no cinema de Michael Mann. Como o clássico de John Ford, seus filmes parecem construídos sobre duplos, personagens que em maior ou menor grau, dependendo de cada caso, se antagonizam e se complementam ao mesmo tempo. Foi assim com Robert De Niro e Al Pacino em Fogo contra Fogo, Tom Cruise e Jamie Foxx em Colateral, Colin Farrell e novamente Foxx em Miami Vice, Johnny Depp e Christian Bale em Inimigos Públicos. E, claro, com Pacino, em sua segunda parceria com o diretor, e Russell Crowe na obra-prima O Informante.

"Por trás de toda grande fortuna há um crime", disse Balzac em passagem que virou epígrafe do livro O Poderoso Chefão, de Mário Puzo. Se os filmes de Francis Ford Coppola que adaptaram a obra de Puzo para o cinema assustaram ao trazer uma família mafiosa de Nova York funcionando como uma grande empresa, Mann seguiu o caminho inverso em O Informante, ao apresentar a poderosa empresa de cigarros da qual o personagem de Crowe é demitido atuando quase como a máfia, rompendo os limites da legalidade e estendendo seus tentáculos a lugares inimagináveis para manter seus interesses intactos. Crowe vive Jeffrey Wigand, homem que escolhe enfrentar um poder muito maior que o seu e paga alto preço por isso. Apesar de cientista, Wigand é um homem comum, pai de família de classe média que carrega consigo os valores do senso comum. Bergman, por sua vez, é um intelectual, mas, nas mãos de Pacino, é também um furacão em cena, sujeito disposto a lutar até o fim pelo que acredita. Há um pouco de John Wayne e James Stewart em cada um deles. 

Mas o personagem de Crowe também poderia ser comparado ao Frankie Pentangeli que Michael V. Gazzo interpretou em O Poderoso Chefão 2, informante determinado a destruir a família Corleone, e que acaba massacrado por ela. É quase como se Mann direcionasse sua câmera para essa figura coadjuvante da obra-prima de Coppola, acompanhando a pressão cotidiana vivida por conta de suas escolhas. E o diretor sabe, como poucos, filmar indivíduos em situações de pressão extrema. A tensão vivida por Wigand em O Informante é quase palpável para o espectador, que, sugado para o interior da narrativa pelas mãos habilidosas de um artesão genial, transpira cada gota de suor que escorre pelo rosto do personagem.

Indicado a 7 Oscars em 2000, incluindo melhor filme, diretor e ator (Crowe), O Informante acabou preterido pelo também grande (mas não tanto) Beleza Americana, e Michael Mann, um dos maiores diretores do cinema americano em atividade, continuou sem ser reconhecido como tal pela Academia. Mas isso pouco importa. Em seu diálogo com gigantes, de John Ford a Coppola, o cineasta construiu um filme com potencial para se tornar clássico, peça fundamental de uma filmografia cada vez mais coesa e absolutamente magnífica.


O Informante 
The Insider, 1999
Michael Mann

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Crepúsculo dos Deuses



A passagem do cinema mudo para o sonoro foi um tanto traumática para alguns atores que, astros de outrora, viram suas carreiras desmoronarem por sua incapacidade de encaixar-se nos novos tempos. Filmes como Cantando na Chuva (1953) e O Artista (2011) tematizaram esse momento, de maneira bem-humorada no primeiro caso, com tons agridoces no segundo. Nenhum dos dois chegou perto do amargor de Crepúsculo dos Deuses (1950), clássico de Billy Wilder que pinta um retrato mordaz de uma Hollywood que descarta, sem piedade, figuras há até pouco tempo amadas pelo grande público. A comovente descida ao fundo do poço do personagem de Jean Dujardin em O Artista em nada se compara ao destino sombrio de Norma Desmond (Gloria Swanson), protagonista do filme de Wilder, ex-estrela do cinema silencioso ostracizada e esquecida, figura patética que vive isolada em sua mansão sonhando com o retorno dos dias de glória, acompanhada apenas de um mordomo fiel (Erich von Stroheim). O diretor, conhecido por comédias como O Pecado Mora ao Lado, Quanto Mais Quente Melhor e Se Meu Apartamento Falasse, fez aqui um drama pesado, um mergulho profundo num inferno distante da Hollywood glamourosa com a qual tantos sonham.

Parte do êxito de Crepúsculo dos Deuses se deve à crueldade de Billy Wilder. Seu cinema sempre foi carregado de certo cinismo, mesmo nos casos das comédias mais leves acima citadas, e, apesar de ele já haver filmado histórias sombrias anteriormente (Pacto de Sangue, Farrapo Humano) e de voltar a fazê-lo posteriormente (A Montanha dos Sete Abutres, por exemplo), talvez seja possível afirmar que nenhum desses trabalhos chegou perto da ousadia de Crepúsculo dos Deuses. Isso porque o diretor recrutou vítimas reais da máquina hollywoodiana para papéis importantes nesse seu filme demolidor. Gloria Swanson e Erich von Stroheim, por exemplo, interpretam versões exageradas de si próprios, já que ambos de fato foram, respectivamente, atriz e diretor de sucesso na era do cinema mudo, esquecidos a partir da década de 1930. E Wilder foi ainda mais além ao trazer para a narrativa de Crepúsculo dos Deuses cenas do filme Queen Kelly (1929), retumbante fracasso que abalou a carreira de Swanson e que tinha na direção justamente Erich von Stroheim. Ou seja, Billy Wilder expôs as feridas abertas de seus atores, borrando os limites da ética, com o propósito de fazer um bom filme. Acabou com uma obra-prima nas mãos, peça de sarcasmo e coragem que, entre outras coisas, revolucionou a narrativa cinematográfica clássica com sua narração em off conduzida por um morto (homenageada, muito tempo depois, em Beleza Americana). Em tempo de polêmicas sobre as relações de Alfred Hitchcock com suas atrizes, as escolhas de Billy Wilder em Crepúsculo dos Deuses parecem confirmar que, no caso de alguns cineastas, crueldade e genialidade andam de mãos dadas.


Crepúsculo dos Deuses 
Sunset Boulevard, 1950
Billy Wilder