domingo, 29 de março de 2009

[milk - a voz da igualdade]

Milk - A Voz da Igualdade
Milk, 2008
Gus Van Sant


Confesso ter uma imensa dificulade para compreender, e aceitar, posturas conservadoras. Reconheço carregar preconceitos dentro de mim (como, imagino, aconteça com quase todo mundo), mas tenho uma enorme facilidade em simpatizar com causas das ditas "minorias", especialmente quando estas ganham a geralmente barulhenta e irritante oposição dos setores das sociedades dispostos a defender a "família", a "religião" e a "normalidade". Sou cria das chamadas Ciências Humanas, onde, cada vez mais, busca-se um respeito à alteridade e uma busca por compreensão das posições tomadas pelos diversos grupos sociais e indivíduos (incluindo-se, aqui, grupos conservadores, contrários a pessoas consideradas "diferentes" do padrão estabelecido); mas, quando se trata de posicionamentos desse tipo, sejam eles com relação à política, à organização social, a questões religiosas, ou à sexualidade, não consigo deixar de tomar uma posição, de escolher um lado, e de, alguma forma, encampar uma luta.
Talvez Milk seja sobre isso. Sobre, mesmo reconhecendo o direito das pessoas ter a opinião que quiserem sobre quaisquer assuntos, chega um momento em que posições devem ser tomadas. Gus Van Sant, homossexual assumido, fez um filme soberbo. Em sua irregular, mas ainda brilhante, cinematografia, que vai desde seu surgimento em meio a um cinema independente marginal norte-americano (Drugstore Cowboys, Garotos de Programa), passando por um princípio de "domesticação" por Hollywood, com filmes mais comportados (o belo Gênio Indomável, Encontrando Forrester e a desastrosa refilmagem de Psicose), até chegar ao seu retorno bem-sucedido a um cinema experimental (que trouxe como principais frutos a obra-prima Elefante, e o excelente Paranoid Park), Milk parece ocupar o posto de "ponto aonde o diretor sempre quis chegar". Não é seu melhor filme, mas é a confluência perfeita entre seus ideais, sua luta de vida que impregna seu cinema desde o início, seu estilo alternativo de filmar (especialmente na primeira metade do longa) e seu flerte com Hollywood, na estrutura acadêmica que o filme possui, contando inclusive com uma narração em off do próprio protagonista (e que me parece um pouco desnecessária). E é um filme militante. Um filme que toma posições. É grandiloquente, apaixonado por seu personagem central, e com claras intenções de passar uma mensagem, de se posicionar politicamente. Em se tratando de Harvey Milk e Gus Van Sant, nada mais coerente.
Sean Penn é um assombro em cena. Sua composição é minimalista, e dramaticamente arrasadora; sua presença, hipnótica. O ator demonstra uma fragilidade impressionante, ainda mais surpreendente vindo de um sujeito conhecidamente "durão" como ele, e entrega uma interpretação que consegue a proeza de merecer ser reconhecida como o melhor trabalho de um sujeito dono de desempenhos como os de O Pagamento Final, Os Últimos Passos de um Homem, 21 Gramas e Sobre Meninos e Lobos, por exemplo. O que está longe de ser pouco. Li recentemente um texto bastante interessante do cineasta João Moreira Salles, acerca da escalação de Penn para viver Harvey Milk. Salles reflete, com grande perspicacia, sobre o costume de Hollywood de escalar atores reconhecidamente héteros para interpretar homossexuais no cinema, e o quanto isso representaria uma postura ainda conservadora. Acho o argumento de Salles completamente plausível e pertinente. Mas, diante da interpretação de Sean Penn, qualquer resquício de tradicionalismo e conservadorismo que exista nessa prática do cinema hollywoodiano, acaba merecendo perdão.
Por fim, vale aqui um comentário pessoal, em forma de lamento, levando-se em conta que esse é um espaço de posicionamentos políticos: no ano passado, nas últimas eleições municipais, Juiz de Fora, minha cidade, viveu uma situação inusitada, com a surpreendente arrancada de uma candidata pouco conhecida no cenário político da região, vencendo o primeiro turno, e chegando ao segundo como favorita. Tal candidata acabou sendo vítima de uma preconceituosa campanha "por baixo dos panos", que visou conquistar votos de setores mais conservadores da sociedade (especialmente de determinadas igrejas evangélicas) atacando sua sexualidade. A candidata perdeu as eleições, e o vencedor, declarou em um culto evangélico após o resultado final que aquela havia sido a vitória da Família e de Deus. A luta de Harvey Milk ocorreu na década de 1970, seu assassinato foi em 1978. Infelizmente, ela não é uma luta datada. Os tempos de Harvey Milk, são, no fim das contas, os nossos tempos também.

sábado, 21 de março de 2009

Gran Torino



Não é muito difícil desgostar de Gran Torino. É um filme bastante convencional, que se estrutura em um sem número de clichês e que ainda tem como protagonista um Clint Eastwood beirando o caricatural, chegando, nos primeiros momentos da narrativa, a causar uma sensação de ridículo, com seus rosnados e grunhidos que parecem um grande exagero na composição de um velho homem amargurado e preconceituoso.

No entanto, não é preciso conhecer a fundo os filmes do diretor para saber de sua imensa capacidade de nos pegar de surpresa. Ao menos desde Os Imperdoáveis (com algumas exceções aí no meio, obviamente), Eastwood vem surpreendendo com sua inesperada sensibilidade, delicadeza e ousadia ao transformar temas espinhosos em experiências dramáticas poderosas (algo que se acentuou nos recentes Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro e Cartas de Iwo Jima). E com Gran Torino a história se repete. Eastwood consegue, novamente, pegar uma história absurdamente simples, que parece não dar em nada, e tirar dali uma obra relevante, impactante e comovente (especialmente em seu belo epílogo). A começar por seu protagonista. Se, como dito acima, Walt Kowalski surge nos primeiros momentos como um personagem exagerado, quase caricatural, ao mesmo tempo que demasiadamente próximo de outras figuras vividas por Eastwood em outros de seus filmes, aos poucos ele vai se transformando numa figura profundamente humana, um homem vil e repulsivo sim, capaz de incorporar o que há de mais reacionário e conservador na sociedade norte-americana, mas ao mesmo tempo detentor de uma estranha nobreza, fundamental para o desenrolar dos acontecimentos de Gran Torino.

No entanto, se Kowalski é o protagonista indiscutível, o que verdadeiramente move a narrativa do filme é sua relação com o jovem hmung interpretado pelo ótimo Bee Vang. Não há aqui um processo de transformação da personalidade mal-humorada e preconceituosa de Kowalski (na verdade, as transformações se dão muito mais no lado de Thao, vivido por Vang), mas apenas a descoberta, por parte de um homem xenófobo e avesso ao diferente, da possibilidade de convívio, respeito e admiração entre pessoas de culturas e sociedades que são quase extremamente opostas. Nesse sentido, Gran Torino se torna um belo e poderoso libelo à alteridade. Ao mesmo tempo, Eastwood desconstrói uma das figuras mais enraizadas não só no cinema hollywoodiano, mas na própria cultura norte-americana: a do homem durão, que não leva desaforo para casa e que se vinga brutalmente daqueles que de alguma forma o ofenderam. E isso para um ator que deu vida a um dos maiores ícones cinematográficos a encarnar essa persona, o policial Harry Calahan, da série Dirty Harry - e não deixa de ser curioso que, antes da revelação de maiores detalhes de sua trama, Gran Torino tenha sido confundido com um novo filme do personagem. Desconstruir a si próprio não é para qualquer um. É nessas horas que se conhece a ousadia de um cineasta, até onde ele é capaz de ir em suas reflexões. Felizmente, Clint Eastwood parece não ter limites.

Gran Torino 

Gran Torino, 2008
Clint Eastwood

domingo, 15 de março de 2009

[alguns filmes - fevereiro]

007 contra Goldfinger
Goldfinger, 1964
Guy Hamilton


Recontagem
Recount, 2008
Jay Roach


Da Vida das Marionetes
Aus Dem Leben der Marionetten, 1980
Ingmar Begman


Cova Rasa
Shallow Grave, 1994
Danny Boyle


O Amigo Americano
Der Amerikanische Freuden, 1977
Wim Wenders


Lady Chatterley
Lady Chatterley, 2006
Pascale Ferran


[REC]
[REC], 2007
Jaume Balagueró & Paco Plaza


A Noite dos Desesperados
They Shoot Horses, Don't They?, 1969
Sidney Pollack


Corpos Ardentes
Body Heat, 1981
Lawrence Kasdan


Na Hora da Zona Morta
The Dead Zone, 1985
David Cronenberg


Ou Tudo ou Nada
The Full Monty, 1997
Peter Cattaneo


Alice Não Mora Mais Aqui
Alice Doesn't Live Here Anymore, 1974
Martin Scorsese


O Virgem de 40 Anos
The 40 Year-Old Virgin, 2005
Judd Apatow



Visto tradicionalmente como o melhor filme de James Bond, 007 contra Goldfinger é, em sua maior parte, uma grande bobagem. Uma bobagem divertida em alguns momentos, é verdade, mas ainda assim um filme a ser levado muito pouco a sério, e bastante distante de ser merecedor da alcunha que carrega. James Bond surge aqui no formato que o consagraria, como um espião descompromissado, heróico e conquistador, síntese da atuação imperialista das agências de espionagem ocidentais (há uma pequena, e lamentável, cena logo no início do filme, que deixa essa postura bem clara). Sean Connery encarna muito bem esse tipo, mas é difícil engolir um filme desse em tempos de Daniel Craig como o espião inglês, quando finalmente Bond pôs os pés no chão e se tornou uma figura minimamente real e responsável por seus atos. Nessa comparação, especialmente se tomarmos como referência o excepcional Cassino Royale, Goldfinger parece simplesmente brincadeira de criança. Serve como diversão descompromissada, no máximo.
Feito para a TV norte-americana, Recontagem é o tipo do filme que merecia também ganhar os cinemas. É um drama político contundente, envolvente e tristemente engraçado, ao enfocar as polêmicas eleições de 2000 para presidente dos EUA. Surpreende o fato de seu diretor ser Jay Roach (responsável por comédias bobas como Austin Powers, Entrando Numa Fria e suas respectivas continuações), que acerta em cheio em sua abordagem: ainda que não busque total imparcialidade, já que há um claro posicionamento a favor dos democratas e de Al Gore (e, depois de 8 anos de governo Bush, haveria como não se posicionar dessa forma?), o diretor acerta ao mostrar os dois lados da disputa, fazendo desfilar pela tela um grande número de personagens extremamente interessantes, especialmente aqueles vividos por Tom Wilkinson e Laura Dern (excelentes em cena), e conseguindo transformar a enormidade de detalhes e artimanhas jurídicas daquelas eleições em uma trama envolvente, tensa e empolgante. Mesmo sabendo como aquilo vai terminar, fica difícil não se frustrar com o desenrolar dos fatos e se revoltar com o acontecido. E vale também para nós, brasileiros, nos darmos conta do quanto nosso sistema político é avançado em determinados aspectos, se comparado à mais tradicional e poderosa democracia do mundo.
Um dos aspectos mais fascinantes de alguns filmes de Ingmar Bergman é a forma como o cineasta sueco introduz temas e abordagens psicanalíticas em suas tramas, sem que com isso soe forçado ou pretensioso. Talvez Persona seja o melhor exemplo disso. Em Da Vida das Marionetes, Bergman exacerba esse caráter de psicanálise de seu cinema, mas o resultado não é bem lá o que se espera. Abrindo com uma belíssima e impactante cena de assassinato, e mantendo-se interessante na maior parte de sua narrativa (além de contar com excelentes desempenhos de seus atores), o filme se perde por se estruturas justamente como uma investigação policial e psicológica: tudo acaba soando muito mastigado, didático, inclusive com uma espécie de relatório final, através do qual o diretor apresenta a conclusão de sua trama e do caso investigado. Não há muito espaço aqui para a dubiedade, tudo parece por demais fechado, conclusivo, o que tem muito pouco a ver com os grandes filmes de Ingmar Bergman.
Primeiro longa de Danny Boyle, Cova Rasa continua sendo, quase 15 anos após seu lançamento, um dos melhores trabalhos do irregular cineasta inglês. Na verdade, é uma história que não tem nada demais, com o batido tema da fortuna que destrói relacionamentos (e que seria explorada posteriormente no excepcional Um Plano Simples), mas o que encanta em Cova Rasa é o frescor com que Boyle filma. Seu olhar despretensioso e contagiante, que depois impregnaria filmes como Trainspotting e o recente Quem Quer Ser um Milionário?, funciona aqui perfeitamente, escorado em seu brilhante trio de protagonista: um estranho Christopher Eccleston, a bela e apaixonante Kerry Fox e um hipnotizante Ewan McGregor. Simples e delicioso de se assistir, o filme, dono de um humor negro inteligente, típico desse Boyle em início de carreira, é rápido, rasteiro e alucinante. E merecedor de um maior reconhecimento, que geralmente recai exclusivamente sobre Trainspotting.
Seria no mínimo interessante acompanhar o olhar de um grande cineasta como Wim Wenders sobre um personagem tão enigmático e fascinante como Tom Ripley, criado pela escritora Patricia Highsmith. Por isso, é uma pena que O Amigo Americano seja um ótimo filme por inúmeras razões, menos por seu Ripley. Wenders conta sua história com extrema elegância, sendo irretocável tanto dramaticamente, quanto quando assume o lado de thriller, brincando com brilhantismo de Hitchcock. Nesse aspecto, é de imensa importância a presença do sempre excelente Bruno Ganz, trágico e comovente no papel de protagonista. Entretanto, quando se trata de Tom Ripley, o filme cai bastante de qualidade. A própria escolha de Dennis Hopper para o papel já parece equivocada, o que acaba se confirmando na composição desajeitada do ator, que faz do personagem uma figura amalucada, bizarra, deselegante. Além disso, em seus momentos finais O Amigo Americano também escorrega, num epílogo apressado e demedidamente apoteótico. Uma pena, já que se encaminhava para ser uma obra admirável.
Fazer de um clássico da literatura, já filmado diversas vezes anteriormente, um grande filme, surpreendente e poderoso emocionalmente não é uma tarefa fácil. Tradicionalmente, novas versões de grandes obras costumam cair na mesmice e no marasmo. No entanto, a diretora Pascale Ferran consegue tal feito com Lady Chatterley. Sem promover alterações na trama do livro de D.H. Lawrence, sem precisar mudar a ambietação da história (espacialmente ou temporalmente): apenas filmando com talento e sensibilidade absurdos. Contemplativo em muitos momentos e ousado e provocativo em tantos outros, especialmente nas cenas de sexo, que, apesar de extremamente sensuais, são de imensa delicadeza, Lady Chatterley impressiona também por seu magnífico elenco, especialmente por sua protagonista, a bela e marcante Mariana Hinds. Sua presença em cena é hipnotizante, sensual e inocente ao mesmo tempo, e apaixonante. É uma protagonista feminina de imensa força dramática, que se impõe por sua graça e complexidade, interpretada por uma atriz magnífica, em um filme brilhante. Mas é de Ferran a maior parte da responsabilidade pelo filme ser o que é, por sua impressionante capacidade em conjugar a grandiosidade da história de amor contada e dos ambientes em que ela se passa com o intimismo das emoções dos personagens, e por sua competência em captar e reproduzir a força de uma história já contada tantas vezes. Seu trabalho é um primor.
Parece estar se consolidando como um gênero cinematográfico esse tipo de "cinema You Tube", onde a história é filmada com uma câmera subjetiva, como se tudo aquilo fosse capturado como que por acidente, numa sociedade imagética como a que vivemos nos dias atuais. E é surpreendente que, a cada novo filme lançado nesse estilo, desde o precursor A Bruxa de Blair, um novo passo seja dado no aprimoramento dessa linguagem. Foi assim com o excepcional Cloverfield, um dos melhores e mais instigantes filmes de monstro dos últimos tempos, e é assim com o espanhol [REC]. Na verdade, chega a ser inacreditável que ninguém tenha pensado antes no que pensaram os diretores Jaume Balagueró e Paco Plaza: fazer um filme de zumbis nesse estilo. O resultado é apavorante. De verdade. A tensão é absurda, beirando o insuportável, o drama dos personagens é angustiante, e o final, indescritível. Nesse epílogo, os diretores ampliam a abrangência da premissa de seu filme, abrindo possibilidades para continuações e para um mistério instigante e aterrador, ao mesmo tempo que criam uma personagem absurdamente macabra, e difícil de esquecer. Aliás, esse parece ser um atributo desses filmes: por mostrarem muito pouco, somente o suficiente para destruir os nervos do espectador, e terminar de forma aberta, acabam-se abrindo inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de uma verdadeira mitologia em torno dos personagens mostrados na tela. Com A Bruxa de Blair, essas possibilidades foram jogadas no lixo na fraquíssima continuação. Com Cloverfield e com [REC], só o futuro dirá. Mas esse futuro, de fato, promete muito. Só é uma pena que o terror espanhol já tenha ganho uma apressada refilmagem norte-americana, que parece pouco contribuir para o que pode estar por vir pelas mãos de Balagueró e Plaza.
Sempre tive Sidney Pollack como um diretor competente, mas artisticamente limitado. Seu mais premiado trabalho, Entre Dois Amores, por exemplo, é um longo, tedioso e burocrático épico romântico. Por isso a grande surpresa que tive diante de A Noite dos Deseperados (título em português que nem merece consideração), um dos primeiros longas de Pollack. É um filme simples, mas de forte cunho social, poderoso dramaticamente e absurdamente impactante: não é fácil esquecer A Noite dos Desesperados após assisti-lo. O diretor conduz a inacreditável, mas tristemente realista, história como uma longa e interminável tortura, que toma também o espectador como partícipe, contando com a contribuição indispensável de seus atores, especialmente de uma inspirada (e inspiradora) Jane Fonda (mas também merecem destaque Michael Sarrazin, Gig Young e especialmente a impressionante Susannah York). E destrói-nos emocionalmente, ao mesmo tempo que surpreende, ao apresentar seu epílogo, trágico, duro, e ao mesmo tempo resultado de uma ótima sacada do roteiro (e que justifica de forma brilhante o título original do longa). A Noite dos Desesperados guarda uma marca na história do Oscar: em uma dessas inúmeras injustiças da Academia, esse é o filme que recebeu mais indicações ao prêmio sem ter concorrido a melhor filme. Talvez isso tenha ofuscado seu brilho, e tornando-o menos conhecido do público em geral. Mas é uma obra de imenso valor, que precisa ser descoberta, e provavelmente é o melhor, e mais relevante, trabalho da carreira de Sidney Pollack.
Meu interesse por Corpos Ardentes surgiu meramente para conferir uma das primeiras atuações da carreira do agora redescoberto Mickey Rourke, a quem admiro profundamente. Sua participação é bem curta (são apenas duas cenas), mas marcante e minimalista, num desempenho que já denunciava o grande ator que ele é. É impressionante como o ótimo William Hurt é completamente ofuscado por Rourke em seus diálogos (e olha que não é um papel dramaticamente poderoso). No entanto, Corpos Ardentes também tem alguns aspectos positivos enquanto filme. Hurt, Kathleen Turner e Ted Danson estão muito bem em cena, e sua trama consegue envolver satisfatoriamente o espectador, por mais que seja recheada de clichês. O filme possui também um erotismo típico de alguns exemplares do cinema norte-americano dos anos 80 (como os filmes de Adrian Lyne), que funciona bastante para os propóstios de Lawrence Kasdan. No entanto, a falta de originalidade acaba acertando Corpos Ardentes em cheio na maior parte do tempo, tornando-o, infelizmente, mais do mesmo. Um filme que merece mais destaque por conter a mínima, mas marcante, participação de um jovem ator que se tornaria extremamente talentoso, do que por seus méritos cinematográficos em si.
Não é todo dia que se vê David Cronenberg e Stephen King unidos, como em Na Hora da Zona Morta, adaptação de uma obra do segundo pelas mãos do primeiro. Pena, no entanto, que não seja uma obra-prima, ainda que o resultado seja ótimo. Cronenberg abre mão aqui de suas bizarrices, em prol de uma trama que mistura suspense, drama e thriller político, mas, por mais que pudesse ser impróprio para a trama, o toque "cronenberguiano" acaba fazendo imensa falta. Na Hora da Zona Morta soa esquemático, e até melodramático, em alguns momentos, algo inimaginável em um filme do diretor canadense. Entretanto, justiça seja feita, é um longa envolvente e empolgante, com um protagonista excelente, muito bem interpretado por Christopher Walken (e com uma participação canastra, mas divertida, de Martin Sheen), e com um final ótimo, tenso e triste na medida certa. É um filme menor de Cronenberg, mas é, ainda assim, um grande filme.
Só mesmo com muito hype (e com muita campanha de marketing), para entender a indicação de Ou Tudo ou Nada ao Oscar de melhor filme em 1998. Sem querer desmerecer essa comédia inglesa, mas é muito estranho vê-la figurando ao lado de grandes obras como Titanic, Gênio Indomável, Los Angeles - Cidade Proibida e Melhor é Impossível. E mais estranho ainda é imaginar que a indicação do filme de Peter Cattaneo deixou de fora longas como Boogie Nights e Tempestade de Gelo. Deixando o Oscar de lado, no entanto, ainda assim Ou Tudo ou Nada continua sendo um trabalho pouco memorável. É verdadeiramente engraçado em pouquíssimos momentos (talvez a genial, e famosa, cena da fila seja o melhor deles), tem um elenco irregular, que vai do sempre excelente Tom Wilkinson (aqui, mais uma vez, inspiradíssimo) a um boboca Robert Carlyle, e decepciona por se entregar, em seu final, ao comodismo e esquematismo do gênero, onde o ato final triunfante dos protagonistas, um bando de loosers, resolve todos seus problemas, sejam eles financeiros ou mesmo amorosos. Nesse epílogo, Ou Tudo ou Nada se torna um filme perto do medíocre. Em seu todo, é apenas razoável, esquecível.
É muito bom ver Martin Scorsese, um dos maiores cineastas de todos os tempos, dono de um sem número de obras-primas, em início de carreira, mostrando vigor e um talento ainda bruto nesse Alice Não Mora Mais Aqui. Jovem, despretensioso e extremamente empolgante, o filme é também absurdamente humano, e ganha em densidade dramática graças, principalmente, à presença magnética de Ellen Burstyn em cena (merecidamente premiada com o Oscar de melhor atriz). Sua Alice é uma vítima do mundo, dos homens que cruzam sua vida (incluindo aí um excepcional e inesperado Harvey Keitel) e de seu filho outsider e irritante. No entanto, encanta por sua deteminação, por seu misto de inocência e melancolia, e por sua irreparável esperança de "ser alguém". Burstyn está magnífica e absoluta em cena, mas ainda deixa espaço para Kris Kristofferson brilhar com seu pequeno, mas fundamental, personagem, e para criar, ao seu lado, uma bela e honesta história de amor (sem contar a excelente participação de Diane Ladd, também indicada, com justiça, ao Oscar, de atriz coadjuvante). Um pequeno grande filme, uma pérola de um jovem Scorsese que parecia anunciar a genialidade que estava por vir (vale lembrar que, dois anos após Alice Não Mora Mais Aqui, o diretor entregaria sua primeira obra-prima, Taxi Driver).
O Virgem de 40 Anos é um filme muito fácil de se detestar. Baixo, apelativo, com personagens estereotipados aos montes, e com uma típica subtrama romântica perpassando o mote principal de sua narrativa, a busca do sujeito vivido por Steve Carrell pela perda da virgindade. No entanto, apesar de todos os pesares, Judd Apatow consegue fazer um bom filme. Como? Primeiramente, tendo Carrell como seu grande trunfo, um ator até então eterno coadjuvante de comédias ganhando aqui sua primeira chance como protagonista, e agarrando-a com unhas e dentes. Carrell constrói um personagem que convence e cativa em sua meiguice e inocência, que faz com que torçamos por seu "sucesso", ao mesmo tempo que faz comédia como poucos. Além disso, há o ótimo rol de coadjuvantes, que vai de uma encantadora Catherine Keener a uma extremamente sensual Elizabeth Banks, passando, obviamente, pelo trio de amigos do protagonista, vividos pelos ótimos Paul Rudd, Seth Rogen e Romalny Malco. E, por fim, está o tato de Apatow para fazer uma comédia irreverente, politicamente incorreta e com um tema naturalmente apelativo, sem ser grosseiro ou gratuito. O resultado é um filme genuinamente divertido, despretensioso e, em muitos momentos, adorável, considerando-se os limites dentro dos quais uma história sobre um homem de 40 anos de idade tentando perder a virgindade pode ser adorável.

terça-feira, 10 de março de 2009

[entre os muros da escola]

Entre os Muros da Escola
Entre les Murs, 2008
Laurent Cantet


Nos últimos quatro anos, o Festival de Cannes premiou três filmes que guardam algumas semelhanças entre si: A Criança, dos irmãos Dardenne, 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, de Christian Mungiu, e, por último, esse Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet. São todos filmes pequenos, que têm jovens como protagonistas e, principalmente, que adotam uma estética realista, quase documental. Tratam de temáticas completamente diferentes, é verdade, mas associá-los entre si não é uma tarefa muito difícil. Até porque, os três também compartilham uma bem-vinda característica: são filmes excepcionais.
No caso de Entre os Muros da Escola, a adoção de tal estética faz um bem enorme à suas intenções. Trata-se de um filme passado em uma escola problemática de Paris, e que aborda a relação de um professor de francês com sua heterogênea e complicada turma, e filmes com um tema desses costuma gerar bobagens piegas: quem não conhece ao menos um filme, provavelmente norte-americano, sobre um professor ou professora que assume uma turma desordeira e se torna amigo (a) desses alunos, mudando seu comportamento radicalmente? Pois bem, quem assistir a Entre os Muros da Escola esperando encontrar algo assim irá se decepcionar profundamente. Essa não é a proposta de Cantet. Seu olhar minucioso, sua câmera discreta, mas sempre no lugar certo, está ali para apresentar, com um acertado toque de realidade, as nuanças das relações que se estabelece entre professor e seus alunos, especialmente quando se trata de uma turma composta por imigrantes chineses, descendentes de marroquinos, argelinos etc. E é impressionante o poder que esse olhar de Cantet possui, a força que essa câmera pouco intrusiva é capaz de liberar. Sem pieguices, sem grandes clichês do gênero, esse multiculturalismo explode na tela, as tensões se exacerbam, e aquela turma do professor Marin se torna um assustador micro-cosmo da sociedade francesa. Em alguns momentos, me lembrei do filme O Ódio, de Mathieu Kassovitz (do qual gosto bastante), sobre a periferia parisiense, e é impressionante como o trabalho de Kassovitz mingua quase completamente, em sua vontade de ser cool e chocante ao mesmo tempo, diante da abordagem de Entre os Muros da Escola.
No entanto, por mais que o olhar cultural de Cantet esteja voltado para seu país, é impossível para qualquer pessoa que já tenha experimentado um dia colocar-se em frente a uma turma em uma sala de aula, não se identificar com aquela história, com aquelas dramas, e com as inúmeras questões que parecem simplesmente insolucionáveis. Não há redenção, não há lições de moral – e uma cena maravilhosa deixa isso bem claro, quando uma personagem, praticamente uma figurante durante toda a narrativa, se aproxima do professor vivido pelo excepcional François Bégaudeau para se abrir, constatar dolorosamente que não aprendeu nada naquele ano letivo – não há Robin Williams ou Sidney Poitier. Há somente a dura e contundente realidade escolar, absurdamente semelhante em sociedades das mais diversas. Um filme urgente e, em sua urgência, magnífico.

domingo, 8 de março de 2009

[watchmen - o filme]

Watchmen - O Filme
Watchmen, 2009
Zack Snyder


Primeiramente, é preciso dizer que o simples fato de se poder assistir a uma adaptação de Watchmen nos cinemas já é uma ocasião para se comemorar. Afinal, estamos falando de um dos “partos” mais difíceis que o cinema já viu, com inúmeros diretores estando próximos de transformar a graphic novel de Alan Moore e David Gibbons em filme, e infindáveis versões do roteiro sendo escritas e reescritas. E Zack Snyder conseguiu. Palmas para ele.

No entanto, felizmente, Watchmen – O Filme não merece ser festejado somente por ter visto a luz do dia. Porque o resultado final alcançado por Snyder é excelente. Adaptar uma obra como a de Moore e Gibbons não é uma tarefa das mais fáceis: além do grande número de personagens, e as tramas envolvendo cada um, a graphic novel ainda é entrecortada por outras narrativas, tanto própria ao gênero, como uma revista em quadrinhos que é lida por um personagem, tanto por outros tipos de linguagens literárias, como trechos de um livro, relatórios médicos, entrevistas, e até um artigo científico. Nesse sentido, é primoroso o trabalho dos roteiristas David Hayter e Alex Tse, que transformam esse amontoado de referências e narrativas em uma trama coerente e coesa, e envolvente. É bem verdade que, em determinados momentos, o ritmo da narrativa de Watchmen é prejudicado por essas dificuldades, já que a HQ foi criada originalmente como uma série, em 12 partes, o que acaba tornando o filme episódico vez ou outra (não pude deixar de pensar que, talvez se tal obra fosse adaptada como uma série televisiva ao invés de ser lançada no cinema, o resultado seria uma obra-prima), no entanto, Snyder e seus roteiristas conseguem manter a trama intrigante e interessante, tanto para quem conhece a obra original quanto para os “não-iniciados”. Há sacadas muito boas, como a brilhante seqüência dos créditos iniciais, a inserção dos flashbacks se dá nos momentos exatos e o uso das músicas é um primor. E o trio Snyder-Hayter-Tse ainda acerta em cheio ao promover uma mudança importante no epílogo da trama, tornando-a mais verossímil e mesmo mais complexa (ainda mais se considerarmos que, provavelmente, caso o final original fosse filmado, o resultado soaria por demais bizarro, beirando o ridículo).
Além disso, Snyder tem dois grandes trunfos nas mãos: em primeiro lugar, o fato de o material original ser muito bom e interessante, com alguns personagens absolutamente fascinantes, o que torna muito difícil que qualquer um, mesmo com muito esforço, consiga estragá-lo; em seguida, seu ótimo elenco, especialmente o trio Billy Crudup, Jackie Earle Haley e Jeffrey Dean Morgan. É verdade que os três interpretam personagens por si só demasiadamente interessantes, mas é impressionante como todos estão no tom exato, e Dr. Manhattan, Rorschach e o Comediante se tornam, também em filme, figuras difíceis de se esquecer. Talvez o único porém no elenco fique por conta do fraco Matthew Goode, incapaz de transmitir a importância que seu personagem assume com o desenrolar da história.
Alternando na medida certa entre grandiosidade e intimismo, Watchmen – O Filme consegue, apesar de seus deslizes, e mesmo não conseguindo repetir o nível de politização da graphic novel, manter a essência da obra original, ao mesmo tempo que é um filme arrojado, que sobrevive independentemente de sua fonte. Melhor do que isso, ainda mais num caso como esse, me parece muito difícil de se conseguir.

terça-feira, 3 de março de 2009

[foi apenas um sonho]

Foi Apenas um Sonho
Revolutionary Road, 2008
Sam Mendes


Desde sua consagração precoce com a obra-prima Beleza Americana, há quase dez anos, Sam Mendes não entregava algo tão poderoso e marcante como é esse Foi Apenas um Sonho. Aliás, fica difícil compreender a esnobada quase total que a Academia deu no filme, indicando-o apenas em 3 categorias (figurino, direção de arte e ator coadjuvante, para Michael Shannon): parece mesmo que o Oscar 2009 assumiu um lado up, evitando visões pessimistas como a apresentada aqui por Mendes.

O maior trunfo de Foi Apenas um Sonho é, sem dúvidas, seu elenco, mais especificamente, seu casal de protagonistas. Não há nenhum traço nos desempenhos de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet que nos lembre que estamos diante do mesmo casal que estrelou Titanic. Sai de cena o amor romântico que enfrenta qualquer obstáculo e entra a dura realidade do casamento. E põe dura nisso. Os personagens de DiCaprio e Winslet travam dolorosas e cruéis discussões, que lembram bastante dois grandes filmes de Mike Nichols, Quem Tem Medo de Virginia Woolf? e Closer - Perto Demais, onde relacionamentos amorosos também são tratados de forma parecida. E o casal de atores está simplesmente perfeito em cena. DiCaprio tem um personagem mais contundente, que domina a cena do início ao fim, e que tem pelo menos um momento impressionante, quando discute à mesa com o personagem do ótimo Michael Shannon, enquanto Winslet começa numa caracterização que parece bastante convencional, mas vai crescendo absurdamente ao longo do filme. Em mais um equívoco do Oscar 2009, era por Foi Apenas um Sonho que a atriz deveria ter sido premiada, e não pelo frustrante O Leitor (ainda que Winslet esteja muito bem também no filme de Stephen Daldry), enquanto DiCaprio merecia receber aqui sua quarta indicação ao prêmio.
Contando com uma narrativa que incomoda profundamente o espectador, tanto pela natureza de sua história quanto pela forma como Mendes consegue torná-la claustrofóbica e angustiante a seu próprio modo, Foi Apenas um Sonho ameaça descambar para o melodrama quando entra em sua reta final, devido ao fato de algumas escolhas de Mendes parecerem, a princípio, forçadas, com a saga do casal Wheeler assumindo um lado trágico que parecia ser anunciado durante todo o filme (mas que, quando se concretiza, dá a impressão inicial de que há ali algo fora do lugar). No entanto, não demora muito para perceber-se que essas escolhas são totalmente coerentes com a proposta do longa, especialmente diante de sua excepcional cena final. Uma pequena pérola, a ser descoberta e devidamente reconhecida, e que se coloca, ao lado de O Lutador, como o maior injustiçado do estranho Oscar 2009. Filmaço.

domingo, 1 de março de 2009

[oscar 2010: primeiras apostas]

Passada uma semana da 81 cerimônia do Oscar, cerimônia essa que se revelou bastante previsível nas premiações, mas inovadora no formato (e que, infelizmente, eu não assisti), resolvi fazer algo diferente. Ao invés de comentar a entrega dos prêmios, as injustiças, os discursos e a vitória absoluta de Quem Quer Ser um Milionário?, resolvi me adiantar um pouco e lançar uma lista de alguns filmes que têm cara de indicados ao Oscar 2010. Por enquanto não vou especificar categorias, somente listar os filmes que me parecem mais fortes. No decorrer do ano vou especificando mais essa lista.
E só para constar: nas minhas previsões do Oscar 2009 aqui no blog, acertei 17 vencedores, de 21 categorias. Ou seja, fui muito bem. Preciso começar a participar de bolões do Oscar ...


Nine, de Rob Marshall
The Lovely Bones, de Peter Jackson
Taking Woodstock, de Ang Lee
Shutter Island, de Martin Scorsese

The Human Factor, de Clint Eastwood
Green Zone, de Paul Greengrass
Chéri, de Stephen Frears
Amelia, de Mira Nair

The Tree of Life, de Terrence Malick
The Informant, de Steven Soderbergh
The Road, de John Hillcoat
An Education, de Lone Scherfig

Los Abrazos Rotos, de Pedro Almodóvar
Love Ranch, de Taylor Hackford
Coco avant Chanel, de Anne Fontaine
Public Enemies, de Michael Mann

Watchmen, de Zack Snyder
Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino
The Soloist, de Joe Wright
Push: Based on the Novel by Sapphire, de Lee Daniels