terça-feira, 22 de agosto de 2017

A Torre Negra


 

Mesmo sem ler uma linha da saga literária A Torre Negra, de Stephen King, é possível, diante de sua primeira adaptação cinematográfica, reconhecer o potencial que carrega. Há claramente, por exemplo, um universo e uma mitologia bem delineados por King, alicerçados numa interessante mistura de referências à fantasia, à ficção-científica e ao western. No entanto, o filme dirigido por Nikolaj Arcel (do ótimo O Amante da Rainha) segue o caminho da construção de uma narrativa apressada, na qual são oferecidas poucas chances de conhecer realmente os personagens e o mundo pelo qual eles transitam. O Pistoleiro (Idris Elba), seu antagonista Homem de Preto (Matthew McCounaghey), o garoto Jake (Tom Taylor) e sua família surgem como clichês ambulantes (o herói silencioso e arredio, mas de bom coração; o adolescente deslocado que carrega um grande poder ainda não descoberto; a mãe dedicada e sofrida; o padrasto babaca e egoísta), disparando uma sucessão de diálogos expositivos e/ou ruins (sobretudo os dois primeiros sujeitos, que têm a função de apresentar ao espectador as regras da tal Mid-Land). Ao menos McCounaghey convence no papel de um vilão sem nenhuma nuance, absolutamente cruel, ainda que a ele também sejam dadas poucas chances para realmente se destacar em cena.

É essa pressa o maior pecado de A Torre Negra. Tudo no filme parece mal explicado, lançado de qualquer maneira na narrativa: a tribo que de repente existe em meio a um lugar que aparentava ser totalmente desolado, as diferentes criaturas que trabalham para o Homem de Preto, os tais monstros que esse último pretende libertar etc. Mesmo uma breve referência à vinculação entre as armas do pistoleiro e a espada Excalibur soa como algo meticulosamente pensado pelo autor dos livros que acaba perdido numa história mal contada. Pelo que consta, King mirou em O Senhor dos Anéis quando se dedicou a criar A Torre Negra. O filme de Arcel, por sua vez, ao optar por ser uma aventura rasteira, esquecível, inofensiva e nada preocupada com qualquer desenvolvimento mais complexo de sua mitologia, lembra mais Percy Jackson e o Ladrão de Raios (2010), aventura de fantasia infanto-juvenil baseada em outro best-seller literário.

É uma pena que mais um diretor estrangeiro aparentemente talentoso, ao migrar para Hollywood após ter um filme seu indicado ao Oscar, desapareça num projeto grandioso como esse, no qual não lhe é dado espaço para imprimir olhar próprio. Ele se junta assim, por exemplo, aos alemães Florian Henckel von Donnersmarck (de A Vida dos Outros, que nos Estados Unidos fez O Turista), Oliver Hirschbiegel (de A Queda, contratado para dirigir Invasores, enésima e insossa versão de Invasion of the Body Snatchers) e ao brasileiro Walter Salles (que após Central do Brasil e Diários de Motocicleta estreou em Hollywood com o bom, mas bastante impessoal, Água Negra, remake do horror japonês homônimo).


A Torre Negra 
The Dark Tower, 2017
Nikolaj Arcel

domingo, 20 de agosto de 2017

2ª MOCINA


Ao longo da última semana, participei, como membro do júri de filmes de ficção, da 2ª Mostra de Cinema e Audiovisual (MOCINA) da Universidade Federal de Juiz de Fora. Naturalmente, a maioria das produções nasceu como trabalhos de conclusão de disciplinas cursadas pelos realizadores, alunos de cinema ou de áreas afins, mas chamaram atenção também a presença na mostra de alguns filmes feitos por impulso, como respostas imediatas a anseios do cotidiano. São os casos de Um Filme-Postal, de Thaiz Araujo Freitas, que, como anunciado no título, é uma carta em forma fílmica de sua diretora a um antigo amor, o sganzerliano O Vampiro da Ocupação, de Bruna Schelb Corrêa, feito no contexto de uma ocupação por estudantes da reitoria da UFJF, e Sábado Fun, que a dupla Marize Moreno e Noah Mancini filmou para preencher um dia de tédio pós-término das aulas.

Mas aqueles que considero os melhores curtas vistos nessa edição da MOCINA são, todos, filmes mais previamente pensados, que mobilizaram referências explícitas e articuladas a outras obras artísticas (literárias, pictóricas ou cinematográficas). Cito um em cada umas das categorias que compunham a mostra (documentário, ficção e experimental). Na primeira, merece destaque Pele de Monstro, de Barbara Maria, que exibe para diferentes grupos de jovens dois clássicos de horror, A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero, e Mortos que Matam (1964), de Ubaldo Ragona e Sidney Salkow, propondo, a partir deles, reflexões sobre racismo. Em tempos de pós-horror, é uma poderosa lembrança de que a força política desse gênero não nasceu agora.

Na segunda categoria, ficção, vale citar A Casa do Enforcado, de João Pedro Oct, que impressiona pelo esmero visual e pela capacidade de criar uma atmosfera opressiva, associada à loucura (mas também à criação artística), remetendo a Bergman (especialmente a Através de um Espelho, de 1961). O impactante plano final, no entanto – que, juntamente com o título, revela estar num quadro de Cézanne a principal referência de Oct –, faz lembrar o encerramento de Solaris (1972), de Andrei Tarkóvski. Não é fácil trabalhar a partir de referências tão grandiosas (no debate pós-exibição, o diretor ainda citou Hitchcock), mas A Casa do Enforcado consegue amalgamá-las e usá-las com competência, resultando numa experiência perturbadora e hipnotizante.

Por fim, na categoria experimental, destaco Azul Supapo da Cor da Minha Janela, de Thaís H. Pacheco, Stella Reis, Helena Frade e Lucas Pinto Mendonça. Inspirado em um conto de Guimarães Rosa, o filme, que acompanha um homem de mente perturbada em inusitadas relações com seu chapéu, é fugidio, escorregadio, de difícil acesso. Mas acerta em cheio na criação de uma atmosfera lúgubre – me lembrou um pouco, ao menos na escolha do espaço em que transcorre a narrativa e na relação estabelecida com ele, o ótimo Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois (2015), de Petrus Cariry – e no estranhamento que nasce daí.

Em tempo: Pele de Monstro e Azul Supapo da Cor da Minha Janela foram exibidos fora de competição. A Casa do Enforcado foi eleito, pelo júri, o melhor filme de ficção da 2ª MOCINA. 

domingo, 6 de agosto de 2017

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas


 

Com Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, Luc Besson retorna à ficção-científica, gênero no qual fez, há exatos vinte anos, o ótimo O Quinto Elemento e com o qual flertou no recente Lucy. Mas, diferentemente desses dois filmes, marcados por admiráveis rompantes de criatividade – Lucy, sobretudo, é totalmente contaminado por uma lógica do absurdo que é levada a extremos bem interessantes –, Valerian peca por simplesmente condensar em sua narrativa elementos de célebres sci-fis, emulando-as sem conseguir repetir sua qualidade: o casal de protagonistas (Dane DeHaan e Cara Delevingne) seguem uma dinâmica à lá Han Solo e Leia na trilogia original Star Wars, com o primeiro se comportando como uma espécie de cafajeste arrogante e de bom coração empenhado em conquistar a segunda, que, por sua vez, o rechaça repetidamente (quando, na verdade, quer ceder a seus encantos); já os alienígenas ameaçados de extinção, centro do mistério em torno do qual a narrativa se move, se assemelham bastante, na aparência física (apesar de não serem azuis), no estilo de vida e nos riscos que correm, aos Na’vi de Avatar.

O problema nem é mirar nesses grandes filmes do gênero, mas achar que fazer isso é o suficiente para tornar Valerian bom. Os protagonistas são pobremente desenvolvidos e repetidores de uma série de diálogos tolos (as constantes tiradas entre eles são absolutamente irritantes) – e Delevingne, que no ano passado roubou a cena, no pior sentido imaginável, em Esquadrão Suicida, aqui novamente se revela totalmente privada de carisma. Já o segmento mais experiente do elenco pouco pode fazer: Ethan Hawke e Rutger Hauer têm papeis mínimos e nada memoráveis, que funcionam mesmo como cameos; Clive Owen interpreta um personagem de motivações não muito claras, que, quando reveladas, o são de forma bastante apressada, recaindo num belicismo maniqueísta e previsível. Aliás, o epílogo de Valerian se dá na base da velha e inverossímil estratégia da pausa na narrativa para que todas as ações do vilão sejam didaticamente explicadas, inclusive com a utilização de flashbacks deselegantes que revisitam cenas anteriormente mostradas, revelando sua presença nelas como agente do mal.

Por fim, o que há de bom no filme de Besson: o prólogo. Bem antes de insinuar qualquer apresentação de seus protagonistas insuportáveis, o diretor se dedica a comentar a evolução da exploração do espaço pelos humanos por meio de uma montagem que, ao som de “Space Oddity”, traz diferentes encontros promovidos na Estação Espacial Internacional: inicialmente, entre povos da Terra, mas, conforme o tempo avança, incluindo também alienígenas. Fica claro, com esse início, o salto que Valerian propõe entre a realidade e a fantasia, dado de forma bem-humorada e verossímil. Se continuasse adepto dessa simplicidade criativa, o filme provavelmente seria bem melhor. Na verdade, a sequência seguinte, da destruição do planeta Mül, é também bem construída. E o mesmo vale para aquela que acompanha pela primeira vez uma missão da dupla Valerian e Laureline, num mercado localizado em outra dimensão (mas que parece situado em Tattooine). Daí em diante, no entanto, Valerian desce a ladeira.


Valerian e a Cidade dos Mil Planetas 
Valerian and the City of a Thousand Planets, 2017
Luc Besson