sábado, 31 de outubro de 2009

[primero plano 2009 - festival de cinema de juiz de fora]

Adoro o Primeiro Plano - Festival de Cinema de Juiz de Fora, e todo ano acompanho, na medida do possível, as mostras que o compõem - consequentemente, vi o festival crescer nesses últimos anos, ganhando porte internacional, e exibindo cada vez mais filmes de grande qualidade. Infelizmente, nesse ano não consegui participar efetivamente do evento, assistindo a apenas 1 longa e 7 curtas, e, em muito, isso deveu-se a uma seleção de filmes (especialmente longas) notadamente inferior às dos anos anteriores (mas motivos pessoais acabaram também por atrapalhar meus planos em relação a alguns trabalhos). Ainda assim, fica aqui o registro do que consegui assistir:


No Meu Lugar
No Meu Lugar, 2009
Eduardo Valente


Em muitos momentos de sua narrativa, esse No Meu Lugar (estreia em longa-metragens de Eduardo Valente, premiado em Cannes em 2002 com o curta Um Sol Alaranjado) parece referenciar-se – para o bem e para o mal – no cinema da (ex) dupla Alejandro González Iñarritu e Guillermo Arriaga. Não falo só do olhar fragmentado sobre a trajetórias de seus personagens, mas também do clima melancólico, pessimista ao extremo, que adota na construção destas trajetórias, e no uso da trilha sonora, com escassos, mas marcantes (e tristes), acordes. A utilização dessa atmosfera, aliás, acaba funcionando bem, sendo um dos êxitos de No Meu Lugar: a falta de perspectivas de seus personagens, especialmente da dupla de protagonistas, vividos pelos ótimos Márcio Vito e Raphael Sil, incomoda, angustia, e, ao mesmo tempo, contribui para o envolvimento do espectador com aquela história - parece que, no fundo, temos alguma esperança de redenção para aqueles dois, ainda que saibamos (ou melhor, desconfiemos) o destino de ao menos um deles. A condução de algumas pequenas belas cenas também merece aplausos: o duro diálogo entre o personagem de Vito e sua filha, na praia; o menino desenhando na parede, sobre as marcas da tragédia ocorrida na casa onde agora mora; a delicada conversa entre o personagem de Sil e seu amigo traficante; e aquela que entendo como a mais bela de todas, a primeira sequência de No Meu Lugar, com o policial vivido por Vito acompanhando com o olhar o trajeto que faz o carro da polícia onde se encontra – encanta a riqueza e tristeza daquele olhar, que revela muito sobre o cotidiano daquele homem, ainda que seu dia-a-dia como policial não seja explorado pelo filme.
Valente, entretanto, comete alguns deslizes. Desenvolve mau seus coadjuvantes (fica evidente a má direção de alguns atores, em contraste com a qualidade do trabalho de Vito e Sil), e entrega um filme desequilibrado, irregular. Chama a atenção particularmente como um dos núcleos da narrativa do longa, aquele centrado no casal vivido por Dedina Bernadelli e Cesar Augusto e seus filhos, se revela desinteressante em comparação com os outros dois, parecendo mesmo deslocado, parte de outro filme. Valente ainda investe demasiadamente na tentativa de construção de um "mistério", escondendo até o final o resultado daquele quebra-cabeças. O problema é que não é necessário grande esforço para perceber logo os caminhos que serão tomados pelos personagens de No Meu Lugar – e a obviedade da cena final acaba sendo, nesse sentido, um tanto frustrante. O diretor aproxima-se então, perigosamente a meu ver, do cinema de Arriaga pós-briga com Iñarritu, ou seja, de filmes medíocres como O Búfalo da Noite e principalmente o recente The Burning Plain (estreia do roteirista/escritor mexicano na direção de longas). Ser colocado ao lado desse Arriaga não é lá muito bom. Nesse caso, vale a velha máxima: antes só do que mal acompanhado.


Curtas:

A Vermelha Luz do Bandido
A Vermelha Luz do Bandido, 2009
Pedro Jorge

Elétrico Jardim da Escuridão
Elétrico Jardim da Escuridão, 2009
Mariana Campos

Minha Tia, Meu Primo
Minha Tia, Meu Primo, 2008
Douglas Soares

Sobe, Sofia
Sobe, Sofia, 2009
André Mielnik

Ana Beatriz
Ana Beatriz, 2008
Clarissa Cardoso

Sobre um dia qualquer
Sobre um dia qualquer, 2008
Leonardo Remor

Quarto de Espera
Quarto de Espera, 2009
Bruno Carboni e Davi Pretto

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

[o caçador]

O Caçador
Chugyeogja / The Chaser, 2008
Hong-jin Na


Hong-jin Na não é um Bong Joon-Ho, e esse O Caçador, logo, não é uma obra-prima como, só para permanecer no mesmo gênero, Memórias de um Assassino. Ainda assim, é admirável o que o diretor consegue realizar em seu filme de estreia: o que começa como um policial tradicional, que poderia ter sido produzido em qualquer país por qualquer cineasta (mas chegando mesmo a indicar uma aproximação desastrada com os pressupostos formulaicos do gênero reproduzidos à exaustão pelo cinema norte-americano), logo ganha ares de imensa originalidade, com um toque de frescor que, ao que parece, poucas cinematografias contemporâneas conseguem dar na intensidade em que conseguem os filmes sul-coreanos. O Caçador não precisou de mais de meia hora para conquistar-me completamente. Com seu protagonista amoral, típico anti-herói, mas pelo qual somos irresistivelmente impelidos a torcer, e com um antagonista fascinante em sua simplicidade e crueldade, o filme trafega muito bem por um lado mais tradicional do gênero policial (o velho jogo de gato e rato entre "mocinho" - no caso de Jung-ho as aspas fazem-se muito necessárias - e bandido), ao mesmo tempo que Hong-jin aposta em uma estrutura anti-climática, que rompe com esses mesmos pressupostos tradicionais - e é aqui que mora, talvez, o grande mérito do filme, ao, logo no início, quebrar qualquer expectativa formulaica em torno da estruturação do embate entre os dois personagens principais. E, se O Caçador não chega a ser uma obra-prima, ao menos Hong-jin pode se orgulhar de ter criado uma das sequências mais angustiantes do ano: aquela que marca o reencontro fortuito entre o vilão e uma de suas vítimas - uma cena violenta e profundamente triste, mas que revela a disposição do diretor em não fazer concessões a lugares-comuns que aplaquem o desejo por justiça de quem assiste seu filme.

sábado, 24 de outubro de 2009

[novas cotações]

Com o fim do ano se aproximando, acaba sendo inevitável a montagem das listas de melhores de 2009. Em consequência disso, acabei iniciando um processo de revisão das cotações dadas por mim a alguns lançamentos dessa temporada, o que coincidiu com uma vontade antiga de ser um pouco mais rigoroso nessas avaliações. Nesse sentido, listo aqui alguns filmes que tiveram suas cotações revistas por mim - o que não afeta, necessiaramente, o que disse a respeito deles em seus respectivos textos, até porque, ressalto, pretendo agora ser um pouco mais rigoroso ao classificar uma obra em estrelas.


À Deriva


Che 2 - A Guerrilha


Dúvida


Há Tanto Tempo que te Amo


Harry Potter e o Enigma do Príncipe


O Leitor


Quem Quer Ser um Milionário?


Watchmen - O Filme

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

[distrito 9]

Distrito 9
District 9, 2009
Neill Blomkamp



A ideia é genial: aliens chegam à Terra, são inseridos em nossa sociedade, mas acabam, com o passar do tempo, confinados em uma grande favela, sofrendo com problemas como preconceito, miséria, fome e violência. Os trailers de Distrito 9 também eram geniais, mostrando tratar-se aqui de uma ficção-científica com forte cunho social, chegando até a esconder em alguns momentos o verdadeiro tema do filme. 
O resultado final não foi a obra-prima que, ao menos eu, imaginava que seria. Mas verdade seja dita: Distrito 9 é um filme cheio de acertos. A forma como o diretor Neill Blomkamp se utiliza da linguagem documental (tanto nas cenas de "câmera na mão" quanto nos depoimentos), num diálogo com o gênero mockumentary, mas nunca se prendendo totalmente a ele como fazem outras obras, beira o brilhantismo. Ao mesmo tempo que serve como introdução à história contada, funciona como exacerbador de tensão nas sequências de ação - e também no olhar sobre a miséria em que vivem aqueles aliens. Aliás, é também admirável como Blomkamp retrata estes, especialmente em suas relações com os humanos. Os "visitantes" são mostrados como seres complexos, dotados de uma certa "humanidade" (na falta de um termo melhor) mas sempre ameaçadores, o que acaba entrando em choque com a verdadeira violência proveniente dos terráqueos. Assim, se num primeiro momento sentimos medo dos aliens, ao os vermos sendo tratados com brutalidade absurda pelos homens, logo esse sentimento começa a mudar. E Christopher, o alienígena que ganha maior desenvolvimento, é uma figura não menos que encantadora em sua simplicidade. Talvez ele seja o verdadeiro "herói" de Distrito 9. Digo isso porque aquele personagem que teoricamente assumiria esse posto, vivido pelo excepcional Sharlto Copley, é alguém que dificilmente poderia ser definido como tal. Wikus van der Merwe é um sujeito egoísta, preconceituoso e movido por um único desejo: salvar a si próprio. Ou seja, é um humano (e não deixa de ser curioso como, no filme de Blomkamp, chamar alguém assim acaba sendo quase um insulto). Também é curioso que, justamente num dos grandes acertos de Distrito 9 (essa crítica ao comportamento preconceituoso e sectário do homem), resida uma de suas fraquezas: a caracterização exageradamente vilanesca de alguns personagens, que acaba banalizando um pouco o conflito ali apresentado, pintando em preto e branco relações que vinham sendo mostradas com muito mais nuances. Me refiro principalmente ao líder do batalhão de operações especiais da MNU, que surge em cena como um sádico brutal e inescrupuloso, que sorri e faz discursos triunfantes e cruéis antes de dar fim à vida de alguém. Essa necessidade de ter um vilão bem definido atrapalha Distrito 9 - parece-me o tipo de concessão que um filme como esse acaba tendo de fazer ao adentrar no gênero ação. 
Aliás, por mais empolgante e envolvente que seja (e o é, e muito), a verdade é que o trabalho de Blomkamp funciona muito melhor como comentário social - ou seja, quando se debruça sobre as relações entre homens e aliens - do que quando se torna um filme de ação na concepção mais tradicional do termo. Confesso que esperava, de alguma forma, uma ficção-científica mais intimista. Distrito 9 é, pelo contrário, uma obra grandiosa. E é também, mesmo com seus pequenos problemas, um grande filme.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

[alguns filmes - setembro]

Appaloosa - Uma Cidade sem Lei
Appaloosa, 2008
Ed Harris

Rocco e seus Irmãos
Rocco e i suoi Fratelli, 1960
Luchino Visconti

Um Dia Muito Especial
Una Giornata Particolare, 1977
Ettore Scola

O Menino do Pijama Listrado
The Boy in the Striped Pyjamas, 2008
Mark Herman
Budapeste
Budapeste, 2009
Walter Carvalho
A Classe Operária vai ao Paraíso
La Classe Operaia va in Paradiso, 1971
Elio Petri

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

[festival do rio 2009: balanço final]

Ir ao Festival do Rio era um projeto antigo meu, mas que nunca conseguia concretizar. Nesse ano, graças ao fato de estar estudando em Niterói, pude estrear no Festival, ainda que tenha ficado longe de assistir a tudo o que queria. No entanto, apesar de totalizar apenas 17 filmes assistidos, e da traumatizante confusão em que me envolvi na sessão de um dos melhores dessa lista, o italiano Vincere, acho que o balanço final dessa minha primeira participação no Festival do Rio não deixa de ser positivo. Vi algumas coisas muito boas (incluindo aí o filme que mais aguardava na seleção deste ano, A Fita Branca), e outras nem tanto. Mas valeu a pena.
Termino então minha "cobertura" sobre o evento com um top 5 do Festival:



5- Vincere (Vincere)

4- Che 2 - A Guerrilha (Che: Part Two)


3- Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds)

2- A Fita Branca (Das weisse Band)

1- Mother (Madeo)

[festival do rio 2009: boletim 9]

Distante Nós Vamos
Away We Go, 2009
Sam Mendes


As expectativas de prêmios que se costuma depositar em cada novo filme de Sam Mendes, desde que o diretor venceu o Oscar em sua estreia no cinema, com Beleza Americana, parece ter atrapalhado o êxito de seu cinema (ainda que seus três últimos filmes sejam bastante subestimados, principalmente o último, e espetacular, Foi Apenas um Sonho). Nesse sentido, esse Distante Nós Vamos, guinada de Mendes para um típico cinema indie norte-americano, poderia ser uma espécie de frescor em sua carreira, um filme com clima mais light, sem nenhuma pressão por seriedade e prêmios. Como gosto de todos os filmes que Mendes fez até aqui, não deixo de desconfiar dessa sua passagem a um cinema geralmente alicerçado em uma série de lugares-comuns, que, ao menos na maior parte do tempo, trás muito pouco de novo. No entanto, é admirável como o diretor, mesmo mudando de estilo radicalmente, mesmo trabalhando, inevitavelmente, com os clichês indies, continua fazendo um cinema maduro, adulto. Distante Nós Vamos talvez seja, na qualificada carreira de Mendes, seu filme "menos bom". Mas é absurdamente adorável, tem uma dupla de protagonistas encantadores (John Krasinski e Maya Rudolph são carismáticos ao extremo), e é de uma sinceridade emocionante. Sinceridade, aliás, talvez seja a principal contribuição de Sam Mendes a esse "gênero", algo que tem faltado em boa parte de seus exemplares.


Chuva
Lluvia, 2008
Paula Hernández


Esse argentino Chuva é o tipo do filme pelo qual não se dá nada, mas que acaba conquistando quem o assiste por sua simplicidade, honestidade e delicadeza. Não tem absolutamente nada demais no trabalho de Paula Hernández, e a ideia de colocar dois estranhos descobrindo-se mutuamente em meio a uma situação-limite (no caso, um temporal que dura alguns dias em Buenos Aires) não é lá grande novidade. A calma com que a diretora desenvolve sua dupla de protagonistas, entretanto, revelando bem aos poucos cada pequeno detalhe de suas histórias de vida (acabamos descobrindo suas personalidades junto com eles próprios), faz com que Chuva torne-se não só uma experiência agradável e envolvente, mas quase íntima - pelo compartilhamento de sentimentos com aquele casal (que, aliás, tem em Valeria Betuccelli e Ernesto Alterio uma dupla de intérpretes de alta qualidade, sendo o trabalho de Alterio o mais delicado e comovente dos dois, especialmente em sua relação com a figura de seu pai). Só me parece uma pena, já que citei o personagem do pai do protagonista, que este, que talvez seja o mais melancólico e interessante personagem do filme, seja justamente aquele que não aparece - por mais que seja compreensível essa escolha de Hernández por restringir seu foco ao casal Alma / Roberto. Enfim, talvez seja essa ausência que torne sua "presença" tão forte, e eu esteja considerando como um problema o que na verdade é uma êxito da diretora. E talvez esse tipo de dúvida já seja o suficiente para fazer a experiência de assistir a Chuva algo válido.


Séraphine
Séraphine, 2009
Martin Provost


Séraphine Louis (ou Séraphine de Senlis) é uma figura fascinante em seu misto de loucura, devoção religiosa exacerbada e genialidade para a pintura. Yolande Moreau, a atriz que lhe dá vida nessa cinebiografia, capta essas nuanças da personagem com perfeição, entregando uma interpretação forte, impactante. Séraphine, o filme, no entanto, é o oposto disso. É uma biografia de época absurdamente tradicional, um filme quadrado mesmo, que filma a vida da pintora, da pobreza à loucura, passando pelo sucesso, de forma absolutamente linear e preguiçosa. Não há o menor esforço do diretor Martin Provost em transformar seu trabalho em algo ousado, que fuja do óbvio: se é preciso explicitar a chegada da guerra, mostra-se alguns soldados correndo pelas ruas; se o contexto histórico agora é o da crise de 1929, ouve-se uma notícia didática sobre a crise no rádio, e assim por diante. Provost até tem o mérito de criar algumas belas imagens (a cena final, por exemplo), mas é só. Quem consegue salvar-se nesse amontoado de mediocridade é mesmo Moreau, hipnotizante em cena - já seu co-protagonista, Ulrich Tukur, ganha um personagem extremamente burocrático, tendo pouquíssimas chances de sair do convencional (talvez seu único momento de destaque no filme seja sua reação emocionada, e emocionante, ao visitar a protagonista no manicômio, já próximo ao final de Séraphine). Não deixa de ser lamentável que Séraphine tenha vencido tantos prêmios no último César. Difícil entender o porquê.