Os personagens criados
por Terrence Malick geralmente estão vagando, existencialmente perdidos,
buscando uma liberdade idealizada e toda a plenitude da vida que, esperam,
advirá dela. Os criminosos de Terra de
Ninguém (1973), primeiro longa do diretor, iniciavam sua jornada justamente
rompendo laços que os prendiam à ordem familiar estabelecida e, em seguida,
mergulhavam na construção de um mundo próprio, marginal; os personagens de Jim
Caviezel na obra-prima Além da Linha
Vermelha (1998) e de Colin Farrell em O
Novo Mundo (2005), experimentando contextos de brutalidade, buscam essa
liberdade no contato com a natureza e com o “selvagem”; Rick (Christian Bale),
o escritor protagonista de Cavaleiro de
Copas (2015), empreende tal busca nos repetidos relacionamentos amorosos
com mulheres de diferentes idades, na Los Angeles contemporânea.
Esse é também o caso
das quatro figuras centrais de De Canção
em Canção, que, aliás, foi filmado junto a Cavaleiro de Copas, repetindo inclusive alguns de seus atores
(Natalie Portman e Cate Blanchett, por exemplo), e funciona quase como um
prolongamento dele. Cook (Michael Fassbender), produtor musical bon vivant da mesma estirpe do Rick do filme anterior de Malick, Faye
(Rooney Mara) e BV (Ryan Gosling), aspirantes a músicos inexperientes e
sonhadores, e a amarga garçonete Rhonda (Portman) se relacionam entre si,
tentando encontrar satisfação e felicidade uns nos outros enquanto almejam,
talvez paradoxalmente, uma liberdade nunca totalmente possível: Faye e BV são
constantemente tragados pelo poder de Cook, também exercido sobre Rhonda em
determinado momento, sendo que ela ainda se encontra presa, através de um certo
senso de retribuição por sacrifícios passados, à mãe fragilizada mentalmente
(Holly Hunter).
Os protagonistas de De Canção em Canção caminham pelas ruas
da capital do Texas durante quase toda a narrativa e é interessante observar
como a liberdade de locomoção da câmera de Malick por esse espaço urbano
dialoga com o tema de seu filme e com o empreendimento de seus personagens. Esse
constante caminhar dos atores e da câmera em cena (acompanhado de narração em off constituída de muitas vozes),
componente importante da estética malickiana recente, que por vezes enfada
parcelas consideráveis do público e gera comentários sobre o diretor “estar
sempre fazendo o mesmo filme”, se revela, na verdade, bastante coerente com os
temas debatidos nesses filmes – e as acusações de repetição não deixam de ser
tolas, já que só surgem pelo fato de Malick possuir um estilo muito marcado,
distante de qualquer invisibilidade classicista.
De Canção em Canção, no entanto, tropeça
no excesso de personagens, subaproveitando alguns dos que atravessam as vidas
dos quatro principais e que carregavam considerável potencial dramático – as mulheres
instáveis e machucadas vividas por Blanchett e Hunter são bons exemplos disso. Trata-se
de um risco frequentemente corrido pelo cinema de Malick, com seus elencos
inflados e roteiros frouxos, não raro reconfigurados na montagem. Nesse
sentido, o focado e enxuto Cavaleiro de
Copas, filme irmão desse aqui, segue como realização bem mais interessante
do diretor no campo do acompanhamento das angústias de figuras do show business, que, tendo aparentemente
tudo, de repente se encontram diante de vazios existenciais abismais.
Song to Song, 2017
Terrence Malick
Nenhum comentário:
Postar um comentário