É conhecido o gosto de Roman Polanski por narrativas
que se passam em espaços fechados e/ou com poucos personagens. De seu primeiro
filme, A Faca na Água (1962), com
três atores num barco durante quase todo o tempo, passando pela magnífica
“trilogia do apartamento” – Repulsa ao
Sexo (1965), O Bebê de Rosemary
(1968) e O Inquilino (1976) –, até
trabalhos mais recentes, Polanski frequentemente retorna a esse esquema que
domina tão bem.
Em A Pele de
Vênus, o diretor franco-polonês está próximo de seu filme imediatamente
anterior, Deus da Carnificina (2011),
na utilização buñueliana de um ambiente fechado, que não permite que seus
personagens saiam para as ruas (só a câmera de Polanski o faz, no início e no
final de cada um dos filmes), e na inspiração em peças teatrais contemporâneas
(sendo que, em A Pele de Vênus, o
teatro é também tema, com toda sua trama se desenrolando sobre um palco). No
entanto, aqui também está presente outro elemento caro a Polanski: a condição
feminina nas relações de poder estabelecidas com os homens. O comportamento
assumido pela personagem de Emanuelle Seigner ao longo de A Pele de Vênus, invertendo a dominação exercida inicialmente pelo
diretor Thomas (Mathieu Amalric) e subjugando-o completamente à sua vontade, funciona
como uma emblemática vingança contra os homens em geral, historicamente
empoderados em seu trato com o sexo feminino. No diálogo com a obra de
Polanski, é como se Vanda (Seigner) vingasse Rosemary, manipulada em seu
impulso maternal pelo marido, que vendeu seu corpo ao demônio; vingasse a Carol
de Repulsa ao Sexo, com seu medo
constante (tão feminino) de ser violada; e a Krystyna de A Faca na Água, frequentemente menosprezada por seu parceiro. Daí a
importância do diálogo de Polanski com a tragédia grega As Bacantes, de Eurípedes, citada rapidamente no meio de A Pele de Vênus e retomada de forma
impactante no epílogo.
É verdade que tanto Carol quanto Krystyna já haviam
reagido de alguma forma contra seus opressores (por meio do assassinato no
primeiro caso e da traição no segundo), mas a força simbólica dos atos de Vanda
é ainda maior. Ao manipular, subjugar, humilhar e, ao final, sacrificar (ainda
que não literalmente) seu inimigo masculino, a personagem se aproxima da
protagonista de A Morte e a Donzela
(1994), que, aliás, é provavelmente o filme de Polanski mais parecido com A Pele de Vênus, ainda que nele os atos
da protagonista sejam motivados mais por questões pessoais do que pelo
“justiçamento de gênero” promovido por Vanda.
É verdade também que Roman Polanski tem em sua
biografia um célebre caso de estupro de uma menor, que talvez permita a leitura
de A Pele de Vênus como um filme misógino:
Vanda e as mulheres seriam vilãs cruéis a humilhar e destruir homens até
decentes como o Thomas vivido por Amalric – interpretação que poderia se
estender para a loucura assassina de Carol em Repulsa ao Sexo, para a vingança irracional da protagonista de A Morte e a Donzela, para o adultério e
a manipulação da Krystyna de A Faca na
Água. Mas não penso ser esse o caso, uma vez que nesses filmes de Polanski
as ações de suas personagens femininas, da mais prosaica traição a brutais
assassinatos, não vêm do nada, mas como reações a ameaças externas, sempre
masculinas. Assim, o sujeito responsável pelo ato mais abjeto que se pode
cometer contra uma mulher vem produzindo, desde os anos 60, uma obra de
visceral empatia com o feminino – mesmo em seu noir, Chinatown, Polanski
fugiu da ideia da femme fatale
manipuladora e inescrupulosa, contando com uma protagonista feminina vítima de
terrível abuso masculino. São as complexidades do humano.
La Vénus a la Fourrure, 2013
Roman Polanski
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