quarta-feira, 7 de outubro de 2015

O Outro Lado


Frequentemente classificado como documentário, O Outro Lado é um caso excelente de filme que borra as fronteiras entre realidade e ficção do que é mostrado na tela de cinema. O diretor Roberto Minervini se propõe a acompanhar o cotidiano de uma comunidade pobre na Louisiana, Estados Unidos, mas seu método parece trafegar entre a observação e a encenação. Onde termina uma e começa a outra, não sabemos. A impressão é de que, na maior parte do tempo, como no bósnio Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro Velho (2013), de Danis Tanovic, os personagens estão encenando para a câmera cenas de seu próprio cotidiano, algumas delas bastante íntimas. O que não torna tais momentos menos “reais” – será que o ato de encenar enfraqueceria a veracidade do registro? Penso que os avanços já ocorridos nas discussões sobre o que define o documentário (como não lembrar do cinema de Eduardo Coutinho?) deixam claro que não.

Pode-se questionar, a partir daí, se O Outro Lado extrapola certos limites da ética em seu procedimento. Seria correto pedir a figuras degradadas que encenem (logo, vivam) sua própria degradação para a câmera? A resposta para isso não é fácil, mas, de qualquer maneira, está aí a fonte de grande parte do incômodo gerado pelo filme de Minervini. Ou seja, o diretor italiano alcança os efeitos pretendidos, mas por métodos talvez questionáveis.

Não me parece questionável, no entanto, o que Minervini faz na última parte do filme, ao registrar (aqui ele parece de fato estar apenas acompanhando um grupo de homens em seus afazeres e não pedindo que eles encenem para a câmera; mas, novamente, há muita diferença?) a presença de um grupo paramilitar naquela mesma região da Louisiana. O comportamento paranoico e odioso dos sujeitos, que vomitam preconceito e agressividade sobretudo contra Barack Obama, é tão non-sense que poderia gerar algumas risadas do lado de cá, tão acostumados que estamos em pintar os americanos de cima como meio loucos. O problema é que convivemos com fenômeno semelhante no Brasil de hoje. Diante da imagem de uma mulher com uma máscara de Obama simulando sexo oral num homem, ou desses paramilitares explodindo um carro que representaria o presidente norte-americano, é difícil não lembrar de casos recentes parecidos com esses ocorridos no Brasil (como o do adesivo com Dilma Rousseff de pernas abertas, colado no local em que é depositada a gasolina nos carros, os bonecos de Dilma e Lula enforcados, o lançamento de panfletos com os dizeres “Petista bom é petista morto” no velório de um ex-presidente do Partido dos Trabalhadores e outras coisas mais).

Minervini, num exercício bastante corajoso de reconhecimento do outro, foi da Itália ao interior dos Estados Unidos para investigar o lado feio e degradado (O Outro Lado remete a Indomável Sonhadora, de Ben Zeitlin, tanto na forte carga distópica que ambos carregam, por vezes não parecendo estarem falando de uma realidade presente, mas sim de um futuro desolador, quanto na capacidade de encontrar manifestações intensas de carinho em ambientes profundamente hostis) da maior potência mundial. Mas acabou realizando um filme que faz muito sentido para um público que, provavelmente, ele não mirava: o brasileiro de 2015.

O Outro Lado 

The Other Side, 2015
Roberto Minervini

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