Não venho lidando bem com a passagem do tempo. Apesar de
ainda jovem, sofro com a aproximação dos 30 anos, com a constatação de que a
vida adulta chegou para ficar e de que o deixar de existir um dia pode ser, na
verdade, qualquer dia. Muito por isso, imagens dos anos 90, a década em que
cresci, têm mexido profundamente comigo. Bate saudade de ser criança, de ter
uma vida inteira pela frente. Bate saudade das coisas que me empolgavam há 20 e
poucos anos. Uma delas, parte importante das memórias que carrego dessa época,
é a paixão pelos filmes da franquia Batman,
sobretudo os dois primeiros, dirigidos por Tim Burton.
De Batman (lançado
nos cinemas em 1989, mas que só fui assistir mesmo pelos idos de 1992, na TV Globo),
guardo a longínqua lembrança da imagem de uma revista (não sei se era a capa)
que me impressionara bastante, pois trazia o rosto ferido do herói mascarado.
Batman sangrava e eu, provavelmente com uns 3 anos de idade, me angustiava com
o horror daquela cena. Quando o filme finalmente foi exibido na TV, torci pelo homem-morcego,
apesar de fascinado pelo Coringa de Jack Nicholson, e não entendi porque Bruce
Wayne e Vicki Vale não ficavam juntos no final. Empolgado para a continuação
que estreava nos cinemas, dei vexame na entrada do finado Cine Excelsior, em
Juiz de Fora, ao me recusar a entrar na sala com medo do Pinguim interpretado
por Danny DeVito em Batman – O Retorno,
cujas imagens eram reproduzidas incessantemente numa pequena televisão ao lado
da bilheteria. Também o segundo filme foi assistido apenas em casa,
provavelmente num VHS dublado alugado numa locadora vizinha. Acho que foi nessa
mesma locadora, aliás, que consegui um exemplar do belo pôster do filme, que
preguei na parede do meu quarto (não durou muito, creio). Lembro também de uma
matéria sobre Batman – O Retorno exibida
no semanário Fantástico, também na Globo,
que trazia a cena em que Mulher-Gato destrói uma loja de departamentos com seu
chicote, sob os olhares de dois atônitos policiais.
Fragmentos de imagens que remetem a um tempo com o qual
lido, hoje, nostalgicamente. Reconhecendo isso, temia que Batman e Batman – O Retorno,
revisitados, se revelassem como tolices, sobretudo diante de encarnações mais
sérias do herói no cinema, como a recente trilogia dirigida por Christopher
Nolan. Engano meu, felizmente. Ainda impressiona como Burton, que em 1989 tinha
apenas 30 anos de idade e As Aventuras de
Pee-Wee e Beetlejuice no
currículo, consegue criar um universo de forte identidade visual, expressivo,
expressionista. Sua Gotham City remete a Metrópolis,
de Fritz Lang, e, em O Retorno, o
diretor escancara essa influência do cinema alemão dos anos 20 ao dar a um de
seus personagens, que é na verdade o grande vilão da história, o nome de Max
Schreck (protagonista do Nosferatu de
Murnau). Nesse segundo filme, aliás, Burton parece ter maior controle sobre os
elementos que compõem o universo esboçado em Batman, inclusive sobre algumas características estéticas que seriam
definidoras de sua carreira: na estilização gótica do visual, que vai além da
emulação dos filmes de gângster da década de 30 presente no primeiro filme, na
música cheia de coros melancólicos e aterradores e no tema da rejeição do
diferente, há ecos de Edward
Mãos-de-Tesoura em Batman – O Retorno
– não à toa, ambas as obras se tornariam referências do que pode ser chamado de
estilo burtoniano. O diretor também se permite alguns voos mais arriscados,
como ao optar por uma versão grotesca e repugnante do vilão Pinguim, nas muitas
insinuações sexuais e na crítica ao mundo da política. O filme tem alguns
pequenos problemas de roteiro, sobretudo envolvendo a cronologia de certos eventos, mas a trama é complexa e os personagens densos, sem nunca apelarem
para um realismo que não caberia na Gotham ao mesmo tempo farsesca e trágica de
Burton.
Já Batman é mais
simples em sua concepção e realização, mas continua um grande filme de ação,
envolvente e empolgante, e com Jack Nicholson alucinado em cena, devorando tudo
ao seu redor. Tim Burton é muito competente na tarefa de estabelecer seu
protagonista como um ícone, mito grandioso que vaga pela noite de uma cidade
extremamente violenta, assombrando criminosos. Não interessa ao diretor, como
interessaria a Nolan em Batman Begins,
explicar os mecanismos da criação do mito (Nolan adora explicar tudo, afinal):
a figura do homem-morcego é, por si só, mítica, e a câmera de Burton, com seus
contra-plongées expressivos e ângulos
inclinados, tem papel central para que acreditemos nisso. No entanto, é
interessante como, ao mesmo tempo, o filme consegue estabelecer Bruce Wayne
como um personagem trágico: a morte dos pais na infância parece ter gerado um
homem apático, estranho, um tanto alheio ao mundo que o cerca. Michael Keaton, mullet à parte, surge perfeito no papel,
discreto, evitando exageros e contribuindo, com seu físico a princípio nada
condizente com uma figura heroica como o Batman, para a construção desse
protagonista atípico.
Batman e Batman
– O Retorno sobreviveram, portanto, ao teste do tempo, suas qualidades
extrapolam qualquer memória afetiva. São grandes filmes, talvez até maiores que
os da celebrada trilogia de Christopher Nolan. Tim Burton, antes de virar uma
caricatura de si próprio, já foi um ótimo diretor. Está aí mais um motivo para
sentir saudades dos anos 90.
Batman, 1989
Tim Burton
Batman Returns, 1992
Tim Burton
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