segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O Abutre


O Abutre começa com o plano de um outdoor em branco. O estranhamento surgido daí se relaciona à centralidade que as imagens têm no mundo contemporâneo, tema caro ao filme de estreia de Dan Gilroy: numa época em que experiências só ganham sentido se registradas por uma câmera, é coerente que exista grande demanda por imagens de acontecimentos extremos – a morte, enquanto experiência definitiva da vida, também tem que ser apreendida imageticamente e consumida.

Entra aí Lou Bloom, distorção macabra do empreendedorismo capitalista que Jake Gyllenhaal interpreta como uma espécie de Anjo da Morte: magro, pálido, olhos fundos e, nas palavras do próprio a uma policial que o interroga, sinal de mau agouro. Bloom parece uma mistura dos personagens de Robert Blake em Estrada Perdida, em seu aspecto demoníaco, e Javier Bardem em Onde os Fracos Não Têm Vez. Se ele não é propriamente um assassino (ao menos a princípio) como Anton Chigurh, sua passagem pela vida de outras pessoas não traz nada além de desgraças – a não ser para outros abutres como a chefe da estação local de TV interpretada por Rene Russo, que, por outro lado, também é manipulada pelo sujeito e corre o risco de ser eliminada caso se coloque em seu caminho.

Gilroy acompanha seu protagonista num misto de repulsa – por seus atos – e fascinação – tanto pelo que ele representa enquanto fruto da sociedade de consumo, filho pródigo da lógica individualista e antropofágica do capitalismo, quanto pela composição esplendorosa de Gyllenhaal, que faz de Bloom uma figura magnética, saída diretamente de algum universo estranho criado por David Cronenberg. O mergulho de Gilroy e Gyllenhaal no cotidiano perturbador desse personagem torna O Abutre um filme estranho e incômodo, de difícil digestão. Um dos melhores do ano.


O Abutre 
Nightcrawler, 2014
Dan Gilroy

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