O Abutre
começa com o plano de um outdoor em branco. O estranhamento surgido daí se
relaciona à centralidade que as imagens têm no mundo contemporâneo, tema caro
ao filme de estreia de Dan Gilroy: numa época em que experiências só ganham
sentido se registradas por uma câmera, é coerente que exista grande demanda por
imagens de acontecimentos extremos – a morte, enquanto experiência definitiva
da vida, também tem que ser apreendida imageticamente e consumida.
Entra aí Lou Bloom,
distorção macabra do empreendedorismo capitalista que Jake Gyllenhaal
interpreta como uma espécie de Anjo da Morte: magro, pálido, olhos fundos e,
nas palavras do próprio a uma policial que o interroga, sinal de mau agouro.
Bloom parece uma mistura dos personagens de Robert Blake em Estrada
Perdida, em seu aspecto demoníaco, e Javier Bardem em Onde
os Fracos Não Têm Vez. Se ele não é propriamente um assassino (ao
menos a princípio) como Anton Chigurh, sua passagem pela vida de outras pessoas
não traz nada além de desgraças – a não ser para outros abutres como a chefe da
estação local de TV interpretada por Rene Russo, que, por outro lado, também é
manipulada pelo sujeito e corre o risco de ser eliminada caso se coloque em seu
caminho.
Gilroy acompanha seu protagonista num misto de repulsa – por seus atos –
e fascinação – tanto pelo que ele representa enquanto fruto da sociedade de
consumo, filho pródigo da lógica individualista e antropofágica do capitalismo,
quanto pela composição esplendorosa de Gyllenhaal, que faz de Bloom uma figura
magnética, saída diretamente de algum universo estranho criado por David
Cronenberg. O mergulho de Gilroy e Gyllenhaal no cotidiano perturbador desse
personagem torna O Abutre um filme estranho e incômodo, de
difícil digestão. Um dos melhores do ano.
Nightcrawler, 2014
Dan Gilroy
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