Cão
Branco é um filme fortíssimo sobre racismo. Mas é também uma defesa
apaixonada do cinema narrativo clássico, feita pelo grande Samuel Fuller.
Enquanto critica o espetáculo vazio de Star Wars e o fetiche
pelo documentário como porta voz da verdade do mundo, Fuller esbanja talento e
domínio da linguagem cinematográfica. A sequência que mais chama atenção nesse
sentido é aquela em que o cão assassino do título vaga pelas ruas de Los
Angeles até encontrar uma nova vítima. Aqui, o diretor aposta todas suas fichas
na capacidade do cinema de comunicar pela imagem – e o resultado é
impressionante.
Primeiro vem o quase
encontro entre o cão assassino e a criança negra. Fuller constrói a tensão
exclusivamente pela movimentação dos atores em cena, tornando o tempo elemento
fundamental: ele parece se expandir enquanto o menino se coloca num ponto que,
dentro de alguns segundos, estará no campo de visão do animal. Mas o diretor
quebra a expectativa do crime ao introduzir o elemento externo da mãe que, sem
saber do risco iminente, retira o filho de cena, aliviando/frustrando o
espectador, angustiado/ansioso diante da fatalidade aparentemente inevitável.
Não há música e os sons diegéticos são muito discretos. Pura
mise-en-scène.
Os sons diegéticos surgem
com força logo em seguida, na construção do encontro entre o cão e sua próxima
vítima: os passos elegantes de um homem negro opõem-se à respiração ofegante do animal.
O duelo, anunciado pelos enquadramentos e montagem tirados do western, se
transforma num massacre, com o sujeito sendo destroçado após buscar refúgio
numa igreja. A música de Ennio Morricone também entra em cena, como um lamento,
que se estende para a terceira parte da sequência. Nela, Fuller dá outra lição
de direção ao extrair força dramática do que está fora do quadro. A câmera
permanece no rosto do treinador de animais responsável por reeducar o cão
assassino, que acaba de encontrar o cadáver na igreja. O impacto provocado pelo
que só o personagem vê se estende a nós justamente por sermos privados do
olhar. Coisa de quem sabe o que faz.
Qual melhor maneira de defender o cinema narrativo clássico senão realizando uma obra-prima como Cão
Branco?
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