terça-feira, 8 de abril de 2014

Noé



O maior mérito de Noé é abraçar a natureza fantasiosa de sua história. Darren Aronofsky filma a Bíblia sem medo de parecer O Senhor dos Anéis e o resultado é, na maior parte da narrativa, consideravelmente bom. Até a chegada do dilúvio, Noé empolga como aventura cheia de mitos, magias, criaturas fantásticas e uma grande sequência de batalha. O filme naufraga (não resisti!) quando resolve se levar muito a sério. Quando o fanatismo do protagonista insere na trama um conflito injustificável – afinal, aquela família deixou milhões morrerem guiada justamente pelas crenças de Noé, mas resolve simplesmente descartá-las quando exigem que se corte na própria carne? Quanto egoísmo! E o peso do genocídio divino sobre a consciência do personagem de Russell Crowe (bem em cena, por sinal, ao contrário do restante de sua família) se resolve com uma rápida passagem dele pelo alcoolismo... Enfim, nessa sua segunda parte, Noé se torna um filme aborrecido, previsível e sisudo demais, exatamente o contrário do que era até ali (não à toa, a melhor coisa do longa são os gigantescos Guardiões). Um filme que se quer verossímil dentro da inverossimilhança.

O que me faz pensar em até que ponto o mundo não seria melhor se encarássemos nossos mitos fundadores simplesmente como o que são, mitos, e não como verdades absolutas e grandiosas que devem ser impostas aos que não acreditam nelas. Noé, com uma narrativa que passa da absoluta fantasia para a pretensão de seriedade, é uma pequena mostra de como essas histórias, que começamos a ouvir ainda na infância, podem ser fascinantes, tensas, envolventes e empolgantes (e também violentas e complexas)... Quando encaradas como histórias (ou “estórias”). Mas é também uma mostra de como são tolos os que veem nelas História.


Noé 
Noah, 2014
Darren Aronofsky

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