segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Lobo de Wall Street



Esqueçam Gordon Gekko. Perto de Jordan Belfort, protagonista desse genial O Lobo de Wall Street, o oscarizado personagem de Michael Douglas que nos ensinou que a ganância é boa parece um anjo de candura. Belfort, interpretado por um enlouquecido Leonardo DiCaprio (no provável melhor desempenho de sua carreira), é mais uma daquelas figuras ao mesmo tempo execráveis e cativantes da filmografia de Martin Scorsese. No entanto – ao contrário de Jake LaMotta, Tommy DeVito, Bill The Butcher, Frank Costello, Johnny Boy e tantos outros –, ele é um criminoso de colarinho branco, um ascendente corretor de Wall Street que destrói as vidas de trabalhadores com falsas promessas de riqueza fácil através da especulação financeira. Ou seja, os crimes de Belfort não são cometidos através da violência costumeira nos filmes de Scorsese – o que não os torna menos reprováveis, mas permite ao diretor abordá-los com mais leveza e bom-humor.  

Assim, a condenação dos atos do protagonista de O Lobo de Wall Street – e de seus comparsas, dentre eles o inacreditável personagem de Jonah Hill – se dá através do escracho, caminho até agora pouco explorado na longa e produtiva filmografia de Scorsese. É claro que o humor esteve presente em outras de suas obras, geralmente provocando risos nervosos ao apresentar personagens que oscilavam com grande facilidade entre o cômico e o brutal (sendo o Tommy de Os Bons Companheiros o melhor, mas não único, exemplo nesse sentido), mas nada que se compare ao que ele fez em O Lobo de Wall Street. Belfort e seus colegas são a representação exacerbada do capitalismo selvagem norte-americano, verdadeiros lobos, sujeitos inescrupulosos dispostos a devorar qualquer um que se coloque em seu caminho rumo à riqueza ilimitada. São hedonistas no pior sentido da palavra e agem como crianças malcriadas que não sabem ouvir um "não" de seus pais. Personagens apresentados por Scorsese como dignos, apenas, do riso da plateia. Ou melhor, das gargalhadas, já que o diretor cria algumas das cenas mais engraçadas dos últimos anos, sendo a melhor delas aquela em que DiCaprio e Hill sofrem com os efeitos de uma potente droga, numa demonstração exagerada de sua degeneração moral. É como se o cineasta deixasse claro que até os gângsteres ultraviolentos de algumas de suas obras anteriores merecessem mais respeito que essas figuras. Dá para discordar?

É no equilíbrio entre a novidade e a repetição que se sustenta O Lobo de Wall Street. Se encanta a capacidade de Scorsese de, aos 71 anos de idade, realizar um filme ousado e debochado como esse – um filme que, acima de tudo, transparece a liberdade de um artista na plenitude de seu talento –, é especialmente prazeroso para seus fãs ver o diretor retornar, após algum tempo, a estruturas narrativas presentes em algumas de suas mais adoradas obras. É delicioso reencontrar, por exemplo, a narração em off que quebra a quarta parede, dialoga diretamente com o espectador e intervém na narrativa (difícil não lembrar do uso desse recurso nos magníficos Os Bons Companheiros e Cassino); como é também delicioso poder acompanhar novamente uma trajetória de ascensão e queda tão scorseseana (que, nos últimos anos, apareceu de maneira mais explícita somente em O Aviador, ainda que com a peculiaridade de não se tratar da vida de um criminoso, como costumeiramente ocorre nos filmes do diretor que adotam essa estrutura dramática). Enquanto o novo Marty causa espanto pela capacidade de se reinventar a essa altura de sua carreira, apostando num tom cômico até então inédito em sua filmografia, o velho Marty pisca, aqui e ali, para aqueles que amam seu cinema.


O Lobo de Wall Street 
The Wolf of Wall Street, 2013
Martin Scorsese

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