Spotlight – Segredos
Revelados parece feito sob medida para ocupar um lugar no panteão de
grandes filmes sobre jornalismo, responsáveis pela construção de todo um
imaginário mítico em torno da suposta nobreza dessa profissão. Todos os Homens do Presidente,
provavelmente o expoente maior desse cinema, é a inspiração primeira do
diretor-roteirista Tom McCarthy aqui: como na obra-prima de Alan J. Pakula, o
espectador é conduzido pelas minúcias de uma investigação jornalística, pelo
passo a passo, door to door do
trabalho sério e embasado de uma pequena equipe de repórteres na busca por
informações que podem abalar as estruturas de uma importante instância de poder
(no clássico de 1976, o governo dos Estados Unidos, agora, a Igreja Católica).
McCarthy é muito bem-sucedido nesse sentido. O progressivo
aumento da escala da investigação, conjugado ao embate entre o idealismo do
jornalismo feito pelos protagonistas e o poder gigantesco da Igreja Católica em
Boston, tornam o filme envolvente, emocionante, ainda que não tão tenso quanto Todos os Homens do Presidente. É aqui,
aliás, que Spotlight se afasta um
pouco do cinema de Pakula, por apostar menos no thriller político e mais no drama sobre a impressionante penetração
do catolicismo na sociedade bostoniana e as consequentes dificuldades de
ruptura com a hegemonia dessa religião, mesmo diante de graves denúncias
envolvendo o clero. É interessante como alguns dos próprios jornalistas, como
aqueles interpretados por Michael Keaton e Rachel McAdams, têm algum tipo de
relação com a Igreja, o que gera tensões entre obrigações profissionais e
formação cultural, entre a ética de um ofício e a inserção numa comunidade.
Se a opção de McCarthy por esse caminho dá, aos
seus personagens, maior densidade, e, a seu filme, a possibilidade de uma
análise social complexa, ela tira de Spotlight
a chance de criar grandes momentos dramáticos, ápices de tensão próprios do thriller jornalístico, tão bem
realizados não só em Todos os Homens do
Presidente, mas, até com maior intensidade alguns anos depois, no magnífico
O Informante, de Michael Mann. Spotlight é bem discreto nesse aspecto,
mantendo-se quase o tempo inteiro no mesmo tom de observação minuciosa, ainda
que encantada, de uma rotina profissional. Aliás, o encantamento de McCarthy
pelo universo que apresenta na tela parece vir justamente dessa crença na
grandiosidade que habita o pequeno, o rotineiro fazer jornalístico, não
havendo, para o diretor, a necessidade de grandes artifícios cinematográficos
que ressaltem a importância do que está sendo contado. É, sem dúvidas, uma
perspectiva romântica, idealizada da profissão, mas ainda relevante quando mesmo
os maiores órgãos de imprensa (e aí penso no caso específico do Brasil, mas sem
descartar generalizações para realidades de outros países, que não conheço),
tidos como sérios, no afã de cavarem seu próprio Watergate, frequentemente caem
nas práticas mais torpes do jornalismo
marrom – que, aliás, o cinema também tematizou em filmes igualmente icônicos
sobre a profissão, como Cidadão Kane,
A Montanha dos Sete Abutres, Rede de Intrigas e os recentes O Abutre e Chatô – O Rei do Brasil. Não deixa de ser curioso como o jornalismo, no cinema, raramente escapa
desses extremos – e aí um bom exemplo de comedimento, ainda que se trate de uma comédia cheia de exageros na caracterização dos personagens e nas situações vividas por eles, é O Jornal, de Ron Howard, que tem como protagonista o mesmo Michael Keaton de Spotlight.
Spotlight, 2015
Tom McCarthy
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