A princípio, Carol
parece um retorno de Todd Haynes ao cinema de Douglas Sirk, pouco mais de uma
década depois do belo Longe do Paraíso.
Como em seu filme de 2002 com Julianne Moore, e como em muitos exemplares do
cinema do diretor alemão radicado em Hollywood, tem-se aqui como cenário os
subúrbios de uma grande cidade norte-americana (no caso, Nova York) nos anos
50. Década de prosperidade econômica e pujança do famigerado american way of life, tão perfeitamente
encarnado pelas famílias de classe média que interessam a Sirk e Haynes. Os
dois diretores partem dessa placidez aparentemente absoluta para encontrar o
que há de sufocado nesse mundo. Não num sentido cínico, à lá Lars von Trier,
mas por compreenderem que uma sociedade só se sustenta como supostamente
perfeita quando suprime desejos de alguns, talvez muitos, de seus indivíduos.
Mas Carol se
afasta de Sirk quando Haynes, ao invés de se filiar ao melodrama mais
escancarado e carregado de cores de filmes como Tudo que o Céu Permite (1955)
e Imitação da Vida (1959), opta
por um visual mais realista e uma exposição mais sutil dos dramas de suas
protagonistas, duas mulheres (uma delas em processo de divórcio do marido) que
se conhecem, se desejam e se amam – a consumação desse amor encontra
barreiras tanto no conservadorismo de seu tempo, na standardização da vida na América dos anos 50, quanto nas
responsabilidades familiares que se impõem (ou são impostas) a uma delas. A
temática do amor homossexual impossível de se realizar remete a O Segredo de Brokeback Mountain (2005),
mas o devastador filme de Ang Lee, muito pelo universo bronco de seus
personagens, buscava mergulhar numa lógica da força bruta que não existe em Carol. Ao invés da fisicalidade
presente no amor de Jack Twist e Ennis Del Mar, Haynes aposta em pequenos gestos:
um toque carinhoso no ombro aqui, um olhar prolongado que precede um
discretíssimo “eu te amo” ali, que, numa sociedade formatada como a que vivem
Carol (Cate Blanchett) e Therese (Rooney Mara), representam verdadeiras
explosões de afeto.
Aparece então como principal diálogo cinematográfico de Carol – na estrutura narrativa, na
delicadeza do desenvolvimento de uma relação amorosa clandestina cuja
realização plena se choca com obrigações familiares impostas a um dos
personagens e mesmo na citação ao tal toque carinhoso no ombro que marca um
momento de dolorosa despedida, repetido no início e no fim de cada filme – a
obra-prima Desencanto (1945), de
David Lean. Trata-se de um pequeno e delicadíssimo filme de amor, pouco
lembrado numa carreira marcada por obras grandiosas como A Ponte do Rio Kwai (1957), Lawrence
da Arábia (1962), Dr. Jivago
(1965) e A Filha de Ryan (1972) –
esses dois últimos, por sinal, também histórias de amor um tanto tristes, como Desencanto e Carol. Saindo de Sirk e chegando em Lean, o cinema de Todd Haynes
continua se erguendo sobre os ombros de gigantes.
Carol, 2015
Todd Haynes
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