Poucos discordariam que Clint Eastwood é um dos
grandes diretores americanos dos últimos 50 anos. Vencedor de 4 Oscar,
selecionado algumas vezes para Cannes (onde é reconhecido como um importante
autor), profissional respeitado que já comandou um punhado de grandes atores,
como Sean Penn, Morgan Freeman, Meryl Streep, William Holden, Gene Hackman,
Leonardo DiCaprio, Tommy Lee Jones, Ed Harris, Kevin Bacon, Tim Robbins, Hilary
Swank, Kevin Spacey, Matt Damon, Richard Harris, Forest Whitaker... No entanto,
olhando sua carreira retrospectivamente, não deixa de ser surpreendente que ele
tenha chegado nesse ponto.
O sucesso de Eastwood começou na TV, com o popular
seriado Rawhide (1959-1965); depois vieram os westerns spaghetti,
produções baratas de um diretor italiano então desconhecido (um tal Sergio
Leone) que, extremamente bem-sucedidas financeiramente, não foram imediatamente
abraçadas pela crítica; em seguida, o cinema de ação, do qual virou astro
sobretudo com a franquia Dirty Harry (1971-1988). Talvez não fosse de se
imaginar que daí nasceria um auteur. Mas ao decidir fundar sua própria
companhia ainda no final da década de 1960 (a Malpaso) e começar a dirigir
filmes em 1971, com o ótimo Perversa Paixão, Eastwood deixou claro que
não estava acomodado na posição de astro que conquistara. Ele queria fazer o
seu cinema. Cinema que, construído ao longo dos últimos 40 anos, ainda que
inevitavelmente tenha trafegado pelos gêneros nos quais Clint, o ator, se
consagrara (há em sua filmografia como diretor quatro westerns e um bom
número de filmes de ação), jamais ficou parado num mesmo lugar.
Nesse sentido, seu maior feito como diretor foi a
desconstrução do próprio mito, naqueles que provavelmente são os alicerces
inabaláveis de sua filmografia: Os Imperdoáveis, ocaso sombrio do western,
e Gran Torino, suspiro derradeiro do herói de ação individualista,
machão e xenófobo, símbolo de uma Velha América que não mais se sustenta de pé
(e tão bem sintetizada no Harry Calahan que Clint viveu em 5 filmes). Mas
também houve surpresa com a delicadeza de As Pontes de Madison e Menina
de Ouro, bem como com a opção de um velho diretor republicano por contar a
história da tomada de Iwo Jima na Segunda Guerra também pelo ponto de vista
japonês, no belo Cartas de Iwo Jima. Esses são filmes que, ao lado de Sobre
Meninos e Lobos, formam uma espécie de cânone do cinema de Eastwood, marcos
de uma fase, iniciada na década de 1990, de reconhecimento de sua obra. Filmes
que permitem que Eastwood seja visto hoje como mais do que um velho astro do western
e da ação, mesmo que essa imagem estereotipada perdure de alguma maneira no
senso comum, como ficou claro nos debates travados recentemente sobre Sniper Americano.
Todas as tolices ditas sobre
o último filme do diretor, aliás, talvez apontem para o quanto seu cinema ainda
precisa ser realmente descoberto. Quantos dos que se surpreenderam, por
exemplo, com a delicadeza demonstrada por Eastwood em As Pontes de Madison já haviam assistido ao igualmente delicado Interlúdio de Amor (1973), apenas sua
terceira experiência na direção de longas? Quantos conhecem as obras-primas
esquecidas Coração de Caçador e Honkytonk Man, os subestimados Um Mundo Perfeito e Jersey Boys, ou as tantas preciosidades do western (O Estranho sem Nome, Josey Wales, O Cavaleiro Solitário) e do cinema de ação e/ou policial (Escalado para Morrer, Rota Suicida, Impacto Fulminante) que ele realizou? É preciso ir além do cânone,
portanto, ainda que se trate de um baita cânone!
Realizar esse movimento de
descoberta é tomar contato com um cinema rico, cheio de nuances, e, novamente,
com um potencial aparentemente inesgotável para surpreender pela novidade.
Basta lembrar que, no último ano, Eastwood, aos 84, lançou um musical (seu
primeiro) cheio de energia e um drama de guerra que, além de mobilizar e
polarizar a opinião pública, alcançou resultados de bilheteria dignos de um blockbuster. O diretor não estava
brincando ao soltar um “I’m just a kid!” no Oscar 2005, que consagrou seu Menina de Ouro. No dia em que esse eterno
jovem completa oito décadas e meia de vida, fica a quase certeza (quem dera
pudéssemos ter alguma certeza absoluta nesse sentido) de que ele ainda estará
conosco por um bom tempo. Sempre inquieto, nunca acomodado, realizando filmes
que provavelmente tornarão ainda mais hercúleo o esforço daqueles que, como eu,
tentam escolher os melhores de uma brilhante carreira.
3- Sobre Meninos e Lobos (2003)
1- Os Imperdoáveis (1992)
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