Num momento em que o Brasil finge
discutir a questão da criminalidade juvenil, a partir da polêmica em torno da
redução da maioridade penal, que mobiliza extremos em torno de argumentos nem
sempre inteligentes (os que são contra, repetem o jargão da “educação como
solução”, em certa medida não reconhecendo que o problema que se coloca vai
além de uma visão utópica de sociedade; aqueles a favor, se agarram ao estúpido
“tá com pena, leva pra casa!”, que revela a incapacidade dessas pessoas de
lançar um olhar mais problematizador para o mundo), é muito bom ver um filme
como De Cabeça Erguida.
Ao acompanhar a trajetória
conturbada de seu protagonista, Malony (o intenso Rod Paradot), a diretora
Emmanuelle Bercot deixa claro acreditar na capacidade de recuperação de jovens
criminosos a partir de um esforço constante de reeducação promovido pelo
Estado. Bercot não busca soar imparcial, portanto. Ela se posiciona. No
entanto, em nenhum momento a diretora deixa de tratar o tema com a seriedade e
complexidade necessárias. Ela não amansa a figura de Malony, para torná-la mais
palatável e ganhar a simpatia do espectador: o personagem é difícil, violento,
agressivo, às vezes beira o insuportável; muitos de seus atos são reprováveis,
ainda que de fato pudessem gerar consequências mais graves (o acidente de carro
que provoca não deixa nenhuma vítima fatal, a agressão a uma mulher grávida não
faz com que ela perca o bebê). Mas, como a juíza interpretada por Catherine
Deneuve com a nobreza que lhe é característica, Bercot e seu filme persistem
acreditando na possibilidade de recuperação do jovem, mesmo que fraquejando em
muitos momentos e esboçando desistir dele.
Pois não há caminhos
fáceis para solucionar problemas complexos, parece dizer De Cabeça Erguida. Nesse
sentido, o filme faz lembrar o também francês Entre
os Muros da Escola, de Laurent Cantet, que falava, com igual misto de
dureza e delicadeza, das relações tensas entre alunos e professores no espaço
escolar contemporâneo, outra questão que aflige a muitos e para a qual vez ou
outra surgem panaceias estúpidas (e geralmente conservadoras). Na estética
sóbria e na representação visceral e apaixonada, mas nunca simplista, das
vulnerabilidades da juventude, ambos os filmes remetem ao cinema dos irmãos
belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (especialmente A Criança e O
Garoto da Bicicleta). Mas há uma postura política em De Cabeça Erguida e Entre
os Muros da Escola, de crença quase inabalável no poder das instituições
republicanas, que talvez seja particularmente francesa. É como se Bercot e
Cantet dissessem, com seus filmes, que, apesar dos muitos problemas, é papel do
agente público nunca desistir de um vulnerável em apuros. Se for preciso, vale
até “levar pra casa”.
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