Como a obra poética de
seu protagonista Paterson (Adam Driver), Paterson,
o filme, é cinema que busca arrancar poesia do cotidiano, acompanhando a rotina
repetitiva de um motorista de ônibus dedicado às artes – com direito a divisão
em capítulos referentes a cada dia da semana na vida do sujeito. Esse último
elemento talvez soe como uma saída óbvia para Jim Jarmusch, mas é fato que ele
se mostra aqui bastante confortável no lidar com esse personagem, homem comum,
meio melancólico, como tantos outros de sua filmografia. Paterson é quase como uma volta para casa do diretor, após a saída
da zona de conforto representada pelo excelente Amantes Eternos (2013) – pero
no mucho, já que todas as questões e o estilo do cinema de Jarmusch estavam
presentes no seu “filme de vampiros”.
Trata-se de uma
narrativa muito certeira, que consegue realizar tudo que precisa realizar. A
fusão entre as poesias cotidianas do personagem Paterson e do filme Paterson é promovida por Jarmusch com a
organicidade e a calma que lhe são características, sem qualquer necessidade de
gritar para o espectador o que está sendo feito. É a metalinguagem do processo
criativo alicerçada na absoluta discrição, talvez o extremo oposto da obra de
um Charlie Kaufman, por exemplo – pensando aqui principalmente em Adaptação (2002). Além disso, o diretor
é bastante efetivo na construção de uma relação empática entre sua câmera e as
figuras que ela registra por mais tempo, especialmente, além do protagonista, a
esposa dele (Golshifteh Farahani), que, mergulhada no tédio da vida doméstica,
se entrega a atividades diversas e aparentemente randômicas. Essa personagem
poderia muito facilmente funcionar como uma espécie de alívio cômico, sendo
ridicularizada, mas em nenhum momento o filme ri dela. Sua confusão é tratada
por Jarmusch com a mesma compreensão daquela experimentada por Paterson e é
lançado ao casal um olhar bastante carinhoso.
Por fim, o diretor
consegue acertar também em suas escolhas visuais, com a sobreposição de imagens
do presente, lembranças e do texto escrito pelo protagonista se revelando de
imensa beleza. É uma maneira simples, mas muito eficaz, encontrada por Jarmusch
para concretizar na tela a criação do sujeito. O clima dessas cenas, aliás,
por vezes remete, curiosamente, à atmosfera meio lúgubre, meio idílica, de Twin Peaks, a icônica série televisiva
de David Lynch e Mark Frost, febre no início dos anos 90. Mas é claro que, em Paterson, não há qualquer flerte com o
surrealismo onírico recorrente na obra de Lynch. Desse diretor, talvez o filme
que mais se aproxime do de Jarmusch seja o belo História Real (1999), também muito interessado em arrancar poesia
das atitudes cotidianas de seus personagens.
Jim Jarmusch, 2016
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