Maior produção da
história do cinema chinês, A Grande Muralha mantém a tônica de
boa parte da carreira de Zhang Yimou nesse século, constituída por grandes
filmes de época que, ao menos em dois casos, Herói (2002) e O Clã das
Adagas Voadoras (2004), colocaram um pé na fantasia ao se aproximarem do
tradicional gênero wuxia. Mas aqui
Yimou passa longe de repetir a magia presente nesses belos filmes: A
Grande Muralha é visualmente impressionante e razoavelmente bem
sucedido no intento de construir uma imagem grandiosa e positiva da China, mas
desastroso no desenvolvimento de uma narrativa que consiga escapar minimamente
de uma série de clichês do cinema épico, tão carente de vida desde,
provavelmente, o fim da trilogia O Senhor
dos Anéis, em 2003.
Como Flores do Oriente (2011), um dos
trabalhos mais recentes do diretor, A Grande Muralha é protagonizado por
um grande astro de Hollywood (Christian Bale no primeiro, Matt Damon agora),
colocado para contracenar com atores chineses populares e construir uma ponte
entre Ocidente e Oriente, entre os cinemas comerciais dos Estados Unidos e da
China. Mas, narrativamente, o filme lembra mesmo O Último Samurai (2003), de Edward Zwick, que traz Tom Cruise como
um ex-militar alcóolatra e traumatizado pelas barbaridades cometidas contra os
índios norte-americanos, contratado pelo imperador japonês para contribuir com
o processo de modernização das Forças Armadas do país, em fins do século XIX.
Uma vez mergulhado em valores culturais do Japão, após ser capturado por samurais
que se apegam à tradição e recusam os intentos de seu atual governante, o
personagem de Cruise consegue se reconstruir como homem honrado e justo.
O caminho percorrido
por William (Damon) em A Grande Muralha não é muito
diferente. O sujeito é, na prática, um saqueador em busca de pólvora (o mítico
“pó preto”, ainda desconhecido na Europa), que cavalga por terras desconhecidas
acompanhado de outros homens semelhantes, sobretudo seu amigo Tovar (Pedro
Pascal). Desapegados de qualquer senso de coletividade, William e Tovar chegam
por acaso até a muralha da China, guardada por um imenso exército que se
prepara para uma batalha contra alguma ameaça aparentemente devastadora – e, ao
se empenhar em tal batalha, o protagonista toma contato com a cultura chinesa,
com valores como honra e patriotismo, se transformando nesse processo. O
problema é que o roteiro de A Grande Muralha, escrito por Carlo
Bernard, Doug Miro e Tony Gilroy (a partir de uma história criada por outros
três autores, dentre os quais está... Edward Zwick!), não se esforça para
construir com a calma necessária um arco dramático verossímil para William,
apostando, ao invés disso, em diálogos excessivamente expositivos que por vezes
beiram o ridículo – O Último Samurai,
ainda que conservador na forma e recheado de lugares-comuns, ao menos dava
tempo ao seu protagonista para absorver as mudanças propostas no texto,
tornando-as lógicas dentro da narrativa.
A partir da chegada da
dupla de viajantes à muralha, o filme de Yimou revela seu lado fantástico,
introduzindo monstros que precisam ser barrados a qualquer custo em seu caminho
até a capital do império. Daí em diante, A Grande Muralha parece querer ser
uma espécie de versão estendida da sequência da batalha do Abismo de Helm de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres
(2002) ou do cerco a Minas Tirith de O
Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), com criaturas monstruosas compondo
um exército aparentemente indestrutível, enfrentado por heroicos resistentes.
Mas vale lembrar que, quando as referidas sequências surgiram na narrativa da
trilogia O Senhor dos Anéis, já havia
todo um background de desenvolvimento
dos personagens, que tornava o risco corrido por eles diante das hordas de orcs comandadas por Saruman (em As Duas Torres) e Sauron (em O Retorno do Rei) bastante aflitivo. O
interesse despertado pelos personagens de A Grande Muralha, sejam os
protagonistas ocidentais, sejam os militares chineses devotados a sua pátria, é,
pelo contrário, nulo.
Resta a sensação de que
Yimou dirigiu seu novo filme como se ainda estivesse na abertura dos Jogos
Olímpicos de Beijing, espetáculo visual colorido, grandioso e patriótico – mas
não necessariamente preocupado em contar uma história de forma cuidadosa e com
personagens complexos – comandado por ele em 2008.
Zhang Yimou
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