Paul
Thomas Anderson é um apaixonado pelo cinema americano dos anos 70. Pelos filmes
de Robert Altman acima de todos, claro, mas não apenas. Scorsese esteve
presente em Boogie Nights, por
exemplo, com aqueles planos-sequência deslumbrantes, a trajetória vertiginosa de ascensão e
queda do protagonista e sua cena final tirada de Touro Indomável. Já Vício
Inerente, novo filme de Anderson, parece uma espécie de Chinatown chapado de maconha. Como a obra-prima de Roman Polanski, Vício Inerente é um neo-noir protagonizado por um detetive
de moral duvidosa, mas extremamente competente e bem intencionado, que se
envolve numa trama maior do que o seu braço pode alcançar; como em Chinatown, há um retrato assustador do
poder em seu uso abusivo e impune de recursos naturais na ensolarada Califórnia.
Mas o
universo habitado por Doc Sportello (Joaquin Phoenix, fabuloso) passa longe da
elegância dos anos 30 recriada por Polanski. Anderson mergulha, de mãos dadas
com Thomas Pynchon (autor do livro em que o filme se baseia), num submundo
setentista composto por hippies,
neonazistas, Panteras Negras, agentes do governo infiltrados em organizações
radicais e mais algumas figuras que flertam com a bizarrice, como o dentista
drogado interpretado por Martin Short e o truculento policial “Big Foot”
Bjornsen (Josh Brolin, em grande atuação). O clima construído pelo diretor é
algo próximo de uma bad trip,
deixando pouco espaço para a alegria libertária geralmente associada ao
universo hippie. Vício Inerente é um filme sombrio e seus personagens paranoicos
vivem numa espécie de ressaca dos anos 60, período da contracultura e de suas
muitas revoluções comportamentais, mas encerrado tragicamente com os
assassinatos cometidos pela Família Manson.
Ressurge
aí, mais uma vez, o cinema de Robert Altman como principal referência para
Anderson. Mais especificamente, é com Um
Perigoso Adeus (1973) que Vício
Inerente guarda consideráveis semelhanças. A adaptação de Altman para um
livro de Raymond Chandler também é marcada por esse clima de paranoia
decorrente do uso de drogas, ainda que seu protagonista, o detetive Philip
Marlowe, não seja exatamente um adepto do estilo de vida hippie como Sportello. Mas a vibe
é a mesma: Vício Inerente e Um Perigoso Adeus se passam numa espécie
de day after aos revolucionários anos
60, no qual resquícios da revolução comportamental se misturam à loucura (não à
toa, as investigações conduzidas pelos dois detetives levam a homens poderosos
sendo internados em algum tipo de sanatório) e ao crime. Além disso, a inteligência
displicente de Marlowe, que não o priva de determinação para resolver seus
casos, mas que parece sempre potencializar os riscos que corre, também está
presente, talvez em maior grau, no quase sempre entorpecido Sportello.
Mais que um filme de época, que emula a atmosfera do
período em que sua história se passa, Vício
Inerente parece ter sido feito na própria década de 70, por reencontrar a energia do vibrante cinema americano daqueles anos. Paul Thomas Anderson tem imensa
responsabilidade nisso, claro, mas que ele provavelmente não se incomodaria em dividir com Roman Polanski, Martin Scorsese (que mais uma vez parece emprestar a Anderson o plano final de um filme seu, nesse caso o também profundamente paranoico Taxi Driver) e, principalmente, Robert Altman.
Inherent Vice, 2014
Paul Thomas Anderson
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