Apesar de dirigido por Clint Eastwood, Jersey Boys tem cara de filme de Martin Scorsese. É verdade que a
fotografia cheia de sombras de Tom Stern, tão característica do cinema de
Eastwood, está presente, sobretudo na primeira parte do filme, como uma
assinatura que nos lembra quem está no comando. Mas os múltiplos narradores, as
constantes quebras da quarta parede, os personagens marginais envolvidos com a
máfia que formam uma pequena família, regida pela lealdade forjada nas ruas... Muito parece saído do melhor Scorsese. De Os
Bons Companheiros, mais especificamente. Até Joe Pesci deu um jeito de
participar. Há em Jersey Boys o
vigor do estilo scorseseano, que injeta uma bem-vinda juventude no olhar
de Eastwood, após a direção pesada que o velho mestre imprimiu a J. Edgar (um grande filme, mas de
apreciação não tão fácil).
No centro de Jersey
Boys está a relação entre Frankie Valli (John Lloyd Young) e Tommy DeVito
(o excelente Vincent Piazza), nascida no cotidiano dos pequenos delitos nas
ruas de New Jersey e responsável pelo sucesso e declínio do grupo musical The
Four Seasons, do qual Valli era a principal estrela. Mais do que acompanhar a
trajetória dos músicos, interessa a Eastwood destacar a influência de suas
origens nas escolhas que fizeram posteriormente – e nisso, mais uma vez, o
filme remete a Scorsese, ao cuidado com que o diretor ítalo-americano costuma investigar
a ética de grupo que move alguns de seus personagens (em Os Bons Companheiros, novamente, e Caminhos Perigosos, por exemplo). Nesse sentido, o mais importante
em Jersey Boys é seu início. Talvez justamente
por isso esse seja o momento em que a fotografia de Stern aparece de forma mais
marcante. Também por isso a sequência-chave da narrativa, à qual Eastwood
dedica um tempo considerável, é aquela da reunião dos personagens na casa do
mafioso vivido por Christopher Walken, símbolo maior do meio de onde vêm. Ali,
passado e futuro são sintetizados nas escolhas do grupo, sobretudo de Valli.
Ali se concretiza a fala de um dos membros da banda, que, pouco antes, confrontando-nos
através da câmera de Eastwood, nos lembrara de que, por acreditarmos que Valli
abandonaria DeVito devido à irresponsabilidade deste último, certamente não
somos de Jersey.
Curiosamente, nada disso diminui a leveza de Jersey Boys. Trata-se de um filme
prazeroso de ser assistido, de narrativa fluida, que em nada se assemelha às
aborrecidas e burocráticas cinebiografias musicais que tomaram Hollywood nos
últimos anos. Personagens ricos e complexos como Ray Charles e Johnny Cash
certamente mereciam ter suas vidas contadas no cinema por alguém como Clint
Eastwood... Ou por Martin Scorsese, claro, já que até o humor de Jersey Boys remete aos risos (ainda que, aqui, bem menos nervosos, é verdade) que Os Bons
Companheiros, Caminhos Perigosos e
Cassino costumam arrancar do público.
Jersey Boys, 2014
Clint Eastwood
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