quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Interestelar



Todos os problemas do cinema de Christopher Nolan estão presentes em seu novo filme, o ambicioso Interestelar. Diálogos excessivamente expositivos, metáforas de quinta categoria que são marteladas na cabeça do espectador ao longo da narrativa (exemplo: a referência ao personagem bíblico Lázaro, explicada num primeiro momento pelo cientista vivido por Michael Caine, ao, de certa forma, se concretizar posteriormente, tem que ser verbalizada novamente por um personagem, como se o espectador não fosse capaz de se lembrar de algo dito há cerca de uma hora), ação ininterrupta... Nolan se acomodou no êxito – comercial e, em boa medida, crítico – desse seu cinema de tramas supostamente complexas (pero no mucho, já que mastigadas para o público por meio de explicações didáticas) iniciado com O Grande Truque e que tem como exemplos máximos A Origem e esse Interestelar.

Mas não, não sou um Nolan hater. Mesmo reconhecendo esses problemas, gosto de seus filmes. Na maioria das vezes, gosto muito. É que as qualidades de Nolan costumam se sobressair mesmo em seus trabalhos mais problemáticos. Sua ambição, que o leva a realizar filmes originais, de trama intrincada e geralmente muito longos (e sem apelar para artimanhas da indústria atual, como o uso puramente comercial do 3D), não deixa de ser admirável. Também merece elogios sua capacidade de materializar, de forma crível e palatável, conceitos complicados, de difícil explicação, inseridos em universos alternativos estranhos ao nosso mundo – que, logo, necessitam ser apresentados de forma a gerar alguma empatia no espectador, superando o estranhamento inicial. São exemplos, nesse sentido, o mergulho nos sonhos em A Origem, a mistura de truques, ciência e magia de O Grande Truque e as viagens espaciais de Interestelar: geralmente compramos essas loucuras de Nolan, mesmo sem a certeza da compreensão plena da história narrada, muito pela competência do diretor em nos manter com os olhos grudados na tela, sedentos por novas peças fundamentais para a montagem de algum quebra-cabeça.

Mas, sobretudo, o diretor britânico sabe criar grandes momentos. E Interestelar está cheio deles: a emocionante despedida de Cooper (Matthew McConaughey) de seus filhos, por exemplo, sabiamente emendada com o lançamento da missão Endurance – elipsando todo um possível treinamento pelo qual os personagens passaram e cuja apresentação seria de fato desnecessária para o filme, o que por si só já demonstra certo avanço no cinema de Nolan, também conhecido por mostrar o que não precisa ser mostrado (como esquecer o estúpido último plano de Bruce Wayne em O Cavaleiro das Trevas Ressurge?) –, cria uma bonita associação entre a saída de casa do protagonista e a partida rumo à escuridão do espaço; a travessia do “buraco de minhoca”, a passagem pelo planeta aquático e a fuga do planeta do Dr. Mann, que culmina na acoplagem em movimento entre duas naves, também impressionam pela construção da tensão e criatividade visual de Nolan. Há ainda o clímax no buraco negro, que, criticado por muitos, representa, a meu ver, um interessante flerte do diretor com o absurdo, rompendo em alguma medida com a lógica excessivamente racional de seus filmes. Só não entendo o porquê da boba descoberta da identidade do “fantasma” pela personagem de Jessica Chastain, algo inclusive desnecessário para os rumos tomados pela trama a partir dali.  

Ainda que assentado nas características mais marcantes do cinema de seu diretor, Interestelar talvez seja o passo mais arriscado da carreira de Christopher Nolan. Sobretudo porque o diálogo aqui se dá, inevitavelmente, com grandes clássicos da ficção-científica, principalmente, claro, 2001:Uma Odisseia no Espaço. Reconhecidas as diferenças abismais entre as obras de Kubrick e Nolan – enquanto o primeiro era um cineasta das imagens, mestre na conjugação perfeita delas com a música, o segundo, com seu profundo apego a diálogos expositivos, se mostra descrente na capacidade das imagens de constituir narrativas por si só –, me parece incontornável o fato de que o cultuado diretor britânico conseguiu, como o gênio novaiorquino em 1968, dar conta de construir uma experiência magnífica, grandiosa e quase transcendental ao visitar o espaço.


Interestelar 
Interstellar, 2014
Christopher Nolan

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