sábado, 15 de novembro de 2014

Democracia em Preto e Branco


O maior mérito de Democracia em Preto e Branco é dar destaque ao importante movimento Democracia Corinthiana (ainda que essa importância pareça um pouco exagerada em alguns momentos, como na última fala do ex-jogador Casagrande no filme), exemplo fascinante de como futebol e política podem se misturar de forma transformadora – ao contrário do que pensam os pseudo-politizados de plantão, que adoram chamar de alienante nosso esporte mais popular.

Outro êxito do documentário está na recuperação do clima político da primeira metade dos anos 80, época regida por uma espécie de utopia cívica decorrente da desagregação do regime autoritário, que gerou grande expectativa pelo retorno das eleições diretas para presidente da República. Mas é justamente ao abordar essa ampla mobilização da sociedade brasileira em torno da bandeira das "Diretas Já" que o filme de Pedro Asbeg escorrega, caindo numa armadilha comum quando se fala dos anos da ditadura militar: a marcação de uma dicotomia absoluta entre Estado autoritário e sociedade civil.

O problema está no apagamento das relações existentes entre sociedade e ditadura, criando a aparência de que os brasileiros passaram 15 anos sufocados, desejando visceralmente se manifestar contra o regime, mas sendo impedidos pela presença de um aparato repressor implacável. Nessa construção de memória, a sociedade surge vitimizada e, logo, inocentada de suas responsabilidades na implantação e manutenção da ditadura militar. E aí a luta pela anistia e o movimento das "Diretas Já" surgem como continuidade natural desse desejo por liberdade que vinha sendo gestado há um bom tempo, perdendo-se de vista qualquer traço de complexidade histórica. A compreensão das diferentes conjunturas atravessadas pelo regime, as diferenças entre os governos, por exemplo, de Médici e Geisel, não entram em cena: são todos "milicos de plantão".

Esse equívoco não é exclusividade de Democracia em Preto e Branco, já que é difícil pensar em algum filme produzido sobre o período que consiga escapar dessa visão homogênea e pouco problematizada da ditadura. Nesse aspecto, o filme de Pedro Asbeg comete o erro que muitos cometeram anteriormente. É mais do mesmo. Mas ao menos é um mais do mesmo delicioso de ser assistido, de narrativa fluida e ótima trilha sonora (até porque o rock nacional da década de 1980 também é tema do documentário). E que ainda tem como personagem central o saudoso e sempre lúcido Sócrates.  

Democracia em Preto e Branco 
Pedro Asbeg, 2014


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