O maior mérito
de Democracia em Preto e
Branco é dar destaque ao
importante movimento Democracia
Corinthiana (ainda que essa
importância pareça um pouco exagerada em alguns momentos, como na última fala
do ex-jogador Casagrande no filme), exemplo fascinante de como futebol e
política podem se misturar de forma transformadora – ao contrário do que pensam
os pseudo-politizados de plantão, que adoram chamar de alienante nosso esporte
mais popular.
Outro êxito do documentário está na recuperação do
clima político da primeira metade dos anos 80, época regida por uma espécie de
utopia cívica decorrente da desagregação do regime autoritário, que gerou
grande expectativa pelo retorno das eleições diretas para presidente da
República. Mas é justamente ao abordar essa ampla mobilização da sociedade
brasileira em torno da bandeira das "Diretas Já" que o filme de Pedro
Asbeg escorrega, caindo numa armadilha comum quando se fala dos anos da
ditadura militar: a marcação de uma dicotomia absoluta entre Estado autoritário
e sociedade civil.
O problema está no apagamento das relações
existentes entre sociedade e ditadura, criando a aparência de que os
brasileiros passaram 15 anos sufocados, desejando visceralmente se manifestar
contra o regime, mas sendo impedidos pela presença de um aparato repressor
implacável. Nessa construção de memória, a sociedade surge vitimizada e, logo,
inocentada de suas responsabilidades na implantação e manutenção da ditadura
militar. E aí a luta pela anistia e o movimento das "Diretas Já"
surgem como continuidade natural desse desejo por liberdade que vinha sendo
gestado há um bom tempo, perdendo-se de vista qualquer traço de complexidade
histórica. A compreensão das diferentes conjunturas atravessadas pelo regime,
as diferenças entre os governos, por exemplo, de Médici e Geisel, não entram em
cena: são todos "milicos de plantão".
Esse equívoco não é
exclusividade de Democracia em
Preto e Branco, já que é difícil pensar em algum filme produzido sobre o
período que consiga escapar dessa visão homogênea e pouco problematizada da
ditadura. Nesse aspecto, o filme de Pedro Asbeg comete o erro que muitos
cometeram anteriormente. É mais do mesmo. Mas ao menos é um mais do mesmo
delicioso de ser assistido, de narrativa fluida e ótima trilha sonora (até
porque o rock nacional da década de 1980 também é tema do documentário). E que
ainda tem como personagem central o saudoso e sempre lúcido Sócrates.
Nenhum comentário:
Postar um comentário