segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Festival do Rio 2013: dias 3 e 4



Meu primeiro contato com o cinema do francês Jean-Claude Brisseau não foi lá dos mais positivos. Em A Garota de Lugar Nenhum, seu mais recente trabalho, o diretor tem o mérito de, ao filmar em seu próprio apartamento, construir uma narrativa carregada de intimidade e carinho, que conta a inusitada relação entre um velho professor (interpretado pelo próprio Brisseau) e uma jovem e misteriosa mulher. Mas se vez ou outra Brisseau cria grandes momentos (a conversa com o amigo sobre a chegada da velhice e a perda do interesse sexual e principalmente uma aterradora sequência saída diretamente do cinema de horror), ele acaba derrapando na construção meio tosca de algumas cenas e na inserção atabalhoada de elementos sobrenaturais na trama, que acabam desembocando numa constrangedora sessão espírita que em nada deve ao recente cinema religioso produzido no Brasil. É estranho ver um cineasta experiente como Brisseau filmar tão mal uma história que parece tão sua, tão sob o seu domínio.

The Immigrant - inexplicavelmente chamado de O Imigrante no Festival do Rio, quando sua história é na verdade protagonizada por uma mulher - é mais um filme classudo de James Gray. Tributário do melhor cinema americano dos anos 70 (especialmente de Coppola e Cimino), Gray novamente constrói uma obra complexa e amarga, na qual personagens cheios de nuances são forçados a escolhas extremas. Como bem apontou o crítico Filipe Furtado em texto na revista Cinética, The Immigrant é uma espécie de releitura feminina de Amantes (2009), obra-prima anterior do diretor. Mas aqui a condição de gênero e o ambiente histórico hostil exercem papel importante, restringindo as opções de Ewa (Marion Cotillard, em seu melhor desempenho desde Piaf) e forçando-a a uma dúbia submissão ao judeu Bruno (Joaquin Phoenix), homem trágico por sua incapacidade de demonstrar o amor que sente. Se Cotillard traz a tragédia nos olhos desde o primeiro momento que surge em cena, cabe a Phoenix mais uma vez interpretar o personagem mais triste de um filme de Gray. Afinal, a dignidade que ainda resiste em Ewa já se perdeu há muito tempo em Bruno - ao menos não a ponto de lhe garantir qualquer possibilidade de redenção. O belíssimo plano final de The Immigrant, que deveria garantir a Gray todos os prêmios de direção possíveis no mundo, deixa isso bem claro.

O que James Gray tem de talentoso, Lee Daniels tem de medíocre. Após assistir ao desastroso O Mordomo da Casa Branca, seu trabalho mais recente, nessa mesma edição do Festival, encarei Obsessão, filme imediatamente anterior do diretor que até gerou algum burburinho Cannes no ano passado, mas depois foi devidamente esquecido. Digo isso porque o filme é uma porcaria. Reúne em quase duas horas de uma confusa narrativa todo o mau gosto de Daniels, com sua espetacularização da miséria, pseudo consciência social, personagens caricatos e exagerados (por que, Nicole Kidman, por que?!) e uma câmera inquieta e supostamente moderna que parece ter como único propósito irritar o espectador. O horror, o horror. Salva-se apenas Matthew McCounaghey, que no momento iluminado pelo qual passa sua carreira consegue tornar interessante um personagem que, mal desenvolvido pelo roteiro, merecia o protagonismo de fato dessa história. Em tempo: Daniels esteve na sessão em que assisti ao filme, para responder a eventuais questionamentos no final. No entanto, a maior parte dos presentes deixou a sala apressada assim que os créditos começaram a subir na tela, o que provavelmente explica as respostas preguiçosas e mal educadas que o diretor deu às poucas (e estúpidas) perguntas que apareceram. Falta de educação por falta de educação, a maior delas foi de Daniels, ao realizar esse pavoroso Obsessão.


A Garota de Lugar Nenhum 
La Fille de Nulle Part, 2012
Jean-Claude Brisseau

The Immigrant 
The Immigrant, 2013
James Gray

Obsessão 
The Paperboy, 2012
Lee Daniels

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