Ao longo da última semana,
participei, como membro do júri de filmes de ficção, da 2ª Mostra de Cinema e
Audiovisual (MOCINA) da Universidade Federal de Juiz de Fora. Naturalmente, a
maioria das produções nasceu como trabalhos de conclusão de disciplinas
cursadas pelos realizadores, alunos de cinema ou de áreas afins, mas chamaram
atenção também a presença na mostra de alguns filmes feitos por impulso, como respostas
imediatas a anseios do cotidiano. São os casos de Um Filme-Postal, de Thaiz Araujo Freitas, que, como anunciado no
título, é uma carta em forma fílmica de sua diretora a um antigo amor, o
sganzerliano O Vampiro da Ocupação,
de Bruna Schelb Corrêa, feito no contexto de uma ocupação por estudantes da
reitoria da UFJF, e Sábado Fun, que a
dupla Marize Moreno e Noah Mancini filmou para preencher um dia de tédio
pós-término das aulas.
Mas aqueles que considero os
melhores curtas vistos nessa edição da MOCINA são, todos, filmes mais
previamente pensados, que mobilizaram referências explícitas e articuladas a
outras obras artísticas (literárias, pictóricas ou cinematográficas). Cito um
em cada umas das categorias que compunham a mostra (documentário, ficção e
experimental). Na primeira, merece destaque Pele
de Monstro, de Barbara Maria, que exibe para diferentes grupos de jovens
dois clássicos de horror, A Noite dos
Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero, e Mortos que Matam (1964), de Ubaldo Ragona e Sidney Salkow,
propondo, a partir deles, reflexões sobre racismo. Em tempos de pós-horror, é uma poderosa lembrança de
que a força política desse gênero não nasceu agora.
Na segunda categoria, ficção,
vale citar A Casa do Enforcado, de
João Pedro Oct, que impressiona pelo esmero visual e pela capacidade de criar
uma atmosfera opressiva, associada à loucura (mas também à criação artística), remetendo
a Bergman (especialmente a Através de um
Espelho, de 1961). O impactante plano final, no entanto – que, juntamente
com o título, revela estar num quadro de Cézanne a principal referência de Oct –,
faz lembrar o encerramento de Solaris
(1972), de Andrei Tarkóvski. Não é fácil trabalhar a partir de referências tão
grandiosas (no debate pós-exibição, o diretor ainda citou Hitchcock), mas A Casa do Enforcado consegue
amalgamá-las e usá-las com competência, resultando numa experiência perturbadora
e hipnotizante.
Por fim, na categoria
experimental, destaco Azul Supapo da Cor
da Minha Janela, de Thaís H. Pacheco, Stella Reis, Helena Frade e Lucas
Pinto Mendonça. Inspirado em um conto de Guimarães Rosa, o filme, que acompanha
um homem de mente perturbada em inusitadas relações com seu chapéu, é fugidio,
escorregadio, de difícil acesso. Mas acerta em cheio na criação de uma
atmosfera lúgubre – me lembrou um pouco, ao menos na escolha do espaço em que
transcorre a narrativa e na relação estabelecida com ele, o ótimo Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois
(2015), de Petrus Cariry – e no estranhamento que nasce daí.
Em tempo: Pele de Monstro e Azul Supapo
da Cor da Minha Janela foram exibidos fora de competição. A Casa do Enforcado foi eleito, pelo
júri, o melhor filme de ficção da 2ª MOCINA.
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