segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Animais Noturnos



Animais Noturnos, segunda experiência do famoso estilista Tom Ford na direção, é um filme muito problemático. A começar pelo desequilíbrio entre as duas tramas que compõem sua narrativa: enquanto a primeira, diegeticamente real, se caracteriza por uma frieza que a torna quase desinteressante, a segunda, história dentro da história, lida pela personagem de Amy Adams, é vibrante, intensa, envolvente. Mesmo assim, essa última talvez não tenha a força necessária para causar tamanho impacto na protagonista/leitora – os comentários que ela faz sobre a qualidade do livro em questão (intitulado justamente “Animais Noturnos” e de autoria de seu ex-marido) podem, nesse sentido, soar exagerados. É verdade, por outro lado, que o que vemos na tela é a concretização imagética de um texto escrito e seria, a princípio, plausível que a tal qualidade seja primordialmente estética, de construção textual, e não tanto do que acontece na história narrada. Mas é verdade também que as reações de Susan (Adams) parecem advir quase totalmente desse último elemento.

Há também momentos isolados do filme que carregam, em si, mais alguns problemas. A cena de abertura, por exemplo, é muito impressionante, mas não parece ter qualquer conexão com o que vem depois. E, lá pelo meio da narrativa, há um momento que beira o constrangimento, quando Ford tenta comentar uma suposta falta de profundidade do mundo da protagonista por meio de uma participação tola de Jena Malone.

Ainda assim, Animais Noturnos me conquistou. Primeiramente, por escapar da vontade incontrolável de ser esteticamente lindo, presente no filme anterior de Ford, Direito de Amar (2009). Há aqui uma aura de thriller vagabundo, ressaltada por certa falta de identidade visual e pela trilha sonora insinuante, que remete a pérolas como Vestida para Matar (1980), Dublê de Corpo (1984), ambos de Brian De Palma, e Instinto Selvagem (1992), de Paul Verhoeven. Mas, sobretudo, pela maneira como tenta articular suas duas histórias – novamente, sem grande sofisticação, apelando para obviedades dignas de contos baratos – para discutir a relação entre os personagens de Adams e Jake Gyllenhaal. Nesse ponto, se revelando um filme sobre os lugares sociais e posturas esperadas de um homem, Animais Noturnos ganha potência dramática, sobretudo ao buscar se aproximar de Sam Peckinpah e seu ainda hoje absurdo Sob o Domínio do Medo (1971).

Como o enervante clássico de Peckinpah, Animais Noturnos toca no tema da fraqueza masculina, colocando seus personagens em situações extremas, nas quais têm de lutar contra essa característica para sobreviver e defender os seus. Ambos os protagonistas são homens tidos por excessivamente civilizados, vivendo em terras marcadas pela valorização da rusticidade. O que Ford – assim como o livro fictício escrito por Edward (Gyllenhaal) dentro do filme e o livro real de Austin Wright no qual o diretor se inspirou – argumentam é que o comportamento animal esperado do homem em lugares como o Texas de Animais Noturnos ou a cidadezinha escocesa de Sob o Domínio do Medo também é norma em ambientes supostamente menos brutos, mais sofisticados, como a alta sociedade de Los Angeles em que Susan vive.

Ford, aqui, se distancia belamente de seu objeto de inspiração, rejeitando a violência radical da solução de Peckinpah e abraçando a defesa da arte como vingança possível, ainda que sem enxergá-la sob qualquer perspectiva transcendental, redentora. Nesse sentido, Animais Noturnos é bastante amargo, mesmo cruel, com seus personagens: não há redenção possível, apenas dor, que, no final, com a vingança concluída, é ao menos distribuída de maneira um pouco mais equânime entre eles.


Animais Noturnos 
Nocturnal Animals, 2016
Tom Ford

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