Animais
Noturnos, segunda experiência do famoso estilista Tom Ford
na direção, é um filme muito problemático. A começar pelo desequilíbrio entre
as duas tramas que compõem sua narrativa: enquanto a primeira, diegeticamente
real, se caracteriza por uma frieza que a torna quase desinteressante, a
segunda, história dentro da história, lida pela personagem de Amy Adams, é
vibrante, intensa, envolvente. Mesmo assim, essa última talvez não tenha a
força necessária para causar tamanho impacto na protagonista/leitora – os
comentários que ela faz sobre a qualidade do livro em questão (intitulado
justamente “Animais Noturnos” e de autoria de seu ex-marido) podem, nesse
sentido, soar exagerados. É verdade, por outro lado, que o que vemos na tela é
a concretização imagética de um texto escrito e seria, a princípio, plausível
que a tal qualidade seja primordialmente estética, de construção textual, e não
tanto do que acontece na história narrada. Mas é verdade também que as reações
de Susan (Adams) parecem advir quase totalmente desse último elemento.
Há também momentos
isolados do filme que carregam, em si, mais alguns problemas. A cena de
abertura, por exemplo, é muito impressionante, mas não parece ter qualquer
conexão com o que vem depois. E, lá pelo meio da narrativa, há um momento que
beira o constrangimento, quando Ford tenta comentar uma suposta falta de
profundidade do mundo da protagonista por meio de uma participação tola de Jena
Malone.
Ainda assim, Animais Noturnos me conquistou. Primeiramente,
por escapar da vontade incontrolável de ser esteticamente lindo, presente no
filme anterior de Ford, Direito de Amar
(2009). Há aqui uma aura de thriller
vagabundo, ressaltada por certa falta de identidade visual e pela trilha sonora
insinuante, que remete a pérolas como Vestida
para Matar (1980), Dublê de Corpo
(1984), ambos de Brian De Palma, e Instinto
Selvagem (1992), de Paul Verhoeven. Mas, sobretudo, pela maneira como tenta
articular suas duas histórias – novamente, sem grande sofisticação, apelando
para obviedades dignas de contos baratos
– para discutir a relação entre os personagens de Adams e Jake Gyllenhaal.
Nesse ponto, se revelando um filme sobre os lugares sociais e posturas
esperadas de um homem, Animais Noturnos
ganha potência dramática, sobretudo ao buscar se aproximar de Sam Peckinpah e
seu ainda hoje absurdo Sob o Domínio do
Medo (1971).
Como o enervante
clássico de Peckinpah, Animais Noturnos
toca no tema da fraqueza masculina, colocando seus personagens em situações
extremas, nas quais têm de lutar contra essa característica para sobreviver e
defender os seus. Ambos os protagonistas são homens tidos por excessivamente
civilizados, vivendo em terras marcadas pela valorização da rusticidade. O que
Ford – assim como o livro fictício escrito por Edward (Gyllenhaal) dentro do
filme e o livro real de Austin Wright no qual o diretor se inspirou –
argumentam é que o comportamento animal esperado do homem em lugares como o
Texas de Animais Noturnos ou a
cidadezinha escocesa de Sob o Domínio do
Medo também é norma em ambientes supostamente menos brutos, mais
sofisticados, como a alta sociedade de Los Angeles em que Susan vive.
Ford, aqui, se
distancia belamente de seu objeto de inspiração, rejeitando a violência radical
da solução de Peckinpah e abraçando a defesa da arte como vingança possível,
ainda que sem enxergá-la sob qualquer perspectiva transcendental, redentora.
Nesse sentido, Animais Noturnos é
bastante amargo, mesmo cruel, com seus personagens: não há redenção possível,
apenas dor, que, no final, com a vingança concluída, é ao menos distribuída de
maneira um pouco mais equânime entre eles.
Nocturnal Animals, 2016
Tom Ford
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