As Montanhas Se Separam é um filme sobre a inevitabilidade das separações. Num primeiro nível está o recorrente interesse do cinema de Jia Zhangke pelo processo de modernização da China como promotor de um determinado tipo de separação, entre os chineses e suas raízes culturais. Esse é, aliás, talvez o único aspecto em que As Montanhas Se Separam cai em algumas pequenas obviedades, ao tornar por demais didática a ocidentalização de seus personagens como elemento de afastamento das tradições – Zhangke chega a nomear um desses personagens de Dollar e, no último segmento da narrativa, toda uma nova geração de chineses é apresentada como falante apenas da língua inglesa, tendo de recorrer a aulas sobre a cultura da China para restabelecer algum tipo de vínculo com seu país de origem.
Felizmente, o diretor
consegue extrapolar essa realidade específica e alcançar o tema da separação
como constante da vida humana. Separação daqueles que amamos e, no limite, de
nossa própria existência. Nesse sentido, é interessante acompanhar como o filme
começa, em 1999, com três personagens que estão sempre juntos. A dança
perfeitamente coreografada da cena inicial, ao som de “Go West” (na voz dos Pet
Shop Boys), é emblemática da harmonia em que o trio aparenta viver. E termina,
em 2025, com um desses personagens dançando, sozinho, a mesma música. Entre as
duas cenas, Zhangke filma o fim de uma forte amizade, um divórcio, a perda de
um ente querido, as dificuldades de comunicação entre pais e filhos e algumas
tentativas frustradas de reaproximação, de reencontro com o passado. Do
coletivo à performance solo: movimento inexorável contra o qual pouco se pode
fazer além de buscar retardar a passagem do tempo, prolongando os momentos com
quem se ama.
Talvez a cena de As Montanhas Se Separam que melhor
sintetize isso seja aquela em que a personagem Tao (Tao Zhao), após breve
temporada com o filho de 7 anos, tem que enviá-lo de volta ao pai, seu
ex-marido e detentor da guarda. Ao invés de optar por um voo direto para
Shanghai, ela faz a viagem com o garoto num antigo trem que sai de sua cidade
natal, Fenyang, e, diante do questionamento dele sobre o porquê dessa escolha
por um transporte tão lento, Tao se refere justamente à breve possibilidade de
estender o tempo, para que os dois possam ficar um pouco mais juntos. Do
comentário de Zhangke sobre o apego a uma modernidade mais arcaica, diante da
velocidade avassaladora da contemporaneidade tecnológica chinesa, passa-se à
revelação de um anseio que é parte da condição humana: reter a passagem do
tempo, que traz consigo as inevitáveis separações – por brigas, por
distanciamento de interesses e afinidades, por morte. Nesse breve e delicado
momento, Zhangke faz caber praticamente todo o seu belíssimo filme.
Shan he gu ren/ Mountains May Depart, 2015
Jia Zhangke
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