A maquiagem usada por Johnny Depp para se caracterizar como
James “Whitey” Bulger em Aliança do
Crime remete a muitos dos trabalhos de sua carreira pós-Piratas do Caribe, marcada, quase toda, por
uma presença over do ator em cena,
frequentemente repetindo os trejeitos criados para viver Jack Sparrow. Mas remete
também à sua predileção, anterior a 2003, por personagens considerados
estranhos. Em quase toda a parceria com Tim Burton, por exemplo, Depp
interpretou figuras desse tipo: o Edward de Edward
Mãos-de-Tesoura, o Willy Wonka de A
Fantástica Fábrica de Chocolate, o Sweeney Todd do filme homônimo, o Chapeleiro
Louco de Alice no País das Maravilhas,
o Barnabas Collins de Sombras da Noite.
No caso do Bulger encarnado pelo ator, a pele excessivamente pálida, os dentes
amarelados e a artificialidade das lentes de contato azuis utilizadas fazem
dele algo próximo de uma figura monstruosa, que, fisicamente, caberia bem numa
fantasia mequetrefe de Burton.
Apenas fisicamente, no entanto. Isso porque, felizmente, a
direção de Aliança do Crime é de
Scott Cooper, que, apesar de não ser propriamente um grande realizador, adora um
clima sóbrio, distante de exageros. A apatia emocional do cinema de Cooper, que
prejudicou Coração Louco e Tudo por Justiça, faz bem a seu novo
filme, tanto por controlar Depp em cena, contrapondo à presença visualmente
chamativa de Bulger uma atmosfera de frieza e distanciamento (refletida na composição
discreta do ator, que faz um personagem também frio, raramente dado a rompantes
emocionais à lá Tony Montana), quanto por evitar transformar Aliança do Crime em mais um exemplar de
um cinema de gângster violento mas bem-humorado, no estilo de Os Bons Companheiros. Nem todo filme do
gênero pode (e nem precisa) tentar ser a obra-prima de Martin Scorsese, e, por
mais que numa cena específica Cooper faça referência a um clássico momento de Os Bons Companheiros, o tom
absolutamente sério, por vezes até sisudo, adotado pelo diretor mantém Aliança do Crime longe desse importante
(mas excessivamente copiado) marco do cinema dos últimos 25 anos.
Por falar em Scorsese, um ponto interessante de Aliança do Crime é que ele desenvolve
uma informação presente em Os Infiltrados,
mas perdida em meio ao ritmo frenético da narrativa do oscarizado filme de 2006:
a referência à atuação do mafioso Frank Costello (interpretado por Jack
Nicholson e inspirado na figura real de Bulger) como informante do FBI. Essa é,
na verdade, a questão central do roteiro de Mark Mallouk e Jez Butterworth,
preocupado, sobretudo, em discutir os efeitos nefastos da proteção dada a Bulger
por um órgão governamental. Nesse sentido, talvez o grande personagem de Aliança do Crime seja o agente John
Connolly, cujo fascínio por Bulger e pela vida que a amizade com o criminoso
lhe proporciona, presente na expressão corporal autoconfiante e no olhar frágil
de Joel Edgerton, chega a comover. Apesar de ser um grande filho da puta,
Connolly representa também a fraqueza humana, o desejo por poder que, por
vezes, só uma aliança com um demônio como Bulger pode proporcionar. A fusão
entre pacto fáustico e lealdade das ruas que alicerça a relação entre os personagens torna Aliança do Crime um
filme um tanto interessante, diferente do que nos acostumamos a ver no gênero
recentemente. É um respiro bem-vindo, portanto, não só na desgastada carreira
de Depp.
Black Mass, 2015
Scott Cooper
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