Se o cinema noir
é conhecido pelo pessimismo, expresso em personagens dúbios que trafegam por
universos degradados com poucas possibilidades de redenção, A Morte
num Beijo (1955), de Robert Aldrich, eleva essa característica do
gênero a um novo patamar. Produzido em meio à Guerra Fria, o filme faz uso da
paranoia típica do período para transformar a desesperança do noir
em ameaça apocalíptica, a falta de perspectiva de seus personagens em certeza
de danação.
O desarranjo do mundo, o
caos incapaz de ser consertado é anunciado já nos créditos iniciais de A
Morte num Beijo, que surgem na tela em ordem invertida, ao som de uma
melancólica canção de Nat King Cole. Aliás, toda a magistral sequência de
abertura do filme faz um mergulho profundo no desespero que marcará o restante
da narrativa: a fuga alucinada da misteriosa Christina (cuja presença em cena
evoca a possibilidade da loucura como elemento importante na trama, já que a
mulher acabou de escapar de um sanatório); sua busca por socorro que, no fim
das contas, a própria considera inútil, já que seus perseguidores são por
demais poderosos (a certeza da captura expressa em uma fala sua ao protagonista
Mike Hammer reforça essa inevitabilidade do mal que atravessa A Morte
num Beijo); a tortura e a morte brutais, únicos caminhos possíveis
nesse mundo.
Daí em diante, é ladeira
abaixo. A estratégia do noir de lançar seus personagens em
mundos sobre os quais não conseguem exercer nenhum controle é radicalizada por
Aldrich: se no também magnífico Anjo do Mal (1953), de
Samuel Fuller, o batedor de carteiras conseguia derrotar um inimigo muito mais
poderoso fazendo uso do que aprendeu nas ruas, em A Morte num Beijo
a esperteza de Hammer até produz resultados na investigação que conduz, mas é
muito pouco para garantir qualquer tipo de segurança ao personagem e à sua
amada. Resta correr, fugir como Christina fugiu, enquanto o mundo vem abaixo –
e sob o risco de serem alcançados por essa destruição.
É difícil resistir impassível à força avassaladora de A Morte
num Beijo. Não à toa, o filme parece ter sido uma importante
inspiração para David Lynch realizar uma de suas obras-primas, o ainda mais
desesperado e alucinante Estrada Perdida (1997).* E não é
para qualquer um habitar os pesadelos perturbadores de Lynch.
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