Desde muito cedo, o cinema
brasileiro refletiu sobre a ditadura instaurada no país em 1964. Geralmente são
dadas a O Desafio (1965), de Paulo Cesar Saraceni, as honras
de ser o primeiro filme a falar do golpe de Estado que derrubou o presidente
João Goulart e levou os militares ao poder, mas muitos vieram depois dele. O
regime autoritário que se seguiu a esse acontecimento e que perdurou por 21 anos é
presença constante em longas de ficção (sérios ou cômicos, comerciais ou
experimentais) e em documentários – talvez seja possível dizer que todos os
anos temos pelo menos 1 filme sobre a ditadura (como tema central ou pano de
fundo) lançado nos cinemas.
O que chama atenção nessa
vasta e múltipla produção é a consolidação de uma visão sobre o período calcada
na memória da resistência da sociedade ao arbítrio. Há um grande número de
filmes sobre a luta armada e muito poucos sobre a participação dos civis no
regime – e não deixa de ser curioso que, como notou a socióloga Caroline Gomes Leme, filmes produzidos na década de 1980 (Pra Frente
Brasil, O Bom Burguês) tenham sido mais corajosos
ao lidar com esse tema do que a filmografia atual sobre a ditadura, que parece
preferir esquecer que importantes setores sociais contribuíram com a implantação
e manutenção de uma ditadura responsável por ceifar inúmeras vidas. Reforça-se, assim, a visão de que todos resistiram aos militares, grandes
vilões da história (há exceções, claro, como o excelente documentário
Cidadão Boilesen).
O ponto é que a
historiografia brasileira sobre a ditadura tem avançado muito nos últimos anos.
Discussões em torno do golpe de 64, da figura de João Goulart, do
colaboracionismo de parte da sociedade com o regime e da construção de uma
memória resistente por essa mesma sociedade têm animado congressos e permeado
livros, dissertações e teses recentes. Elas contribuem, sobretudo, com um
movimento de ruptura com maniqueísmos que pouco revelam sobre um passado que é,
acima de tudo, complexo – sem que, para isso, caia no relativismo conservador
dos crimes cometidos no período. E o cinema, infelizmente, faz pouco proveito
desses avanços. Não estou cobrando que os filmes sobre a ditadura sejam fieis
aos fatos históricos, mas argumentando que os esforços de estudos recentes para
tornar mais complexo esse passado (ainda tão presente) pode render a diretores
e roteiristas personagens e histórias muito mais interessantes que a velha e
batida luta do bem contra o mal.
Um exemplo: em princípios
da década de 1970, ex-participantes da luta armada se apresentaram à imprensa
como arrependidos por seus atos, declarando que, a partir daquele momento,
acreditavam nas boas intenções do regime e nos planos do governo do general
Médici para o Brasil. O que teria motivado tal atitude? Estariam os
ex-militantes da extrema-esquerda verdadeiramente arrependidos de sua atuação
política ou tudo não passava de uma encenação forçada pela ditadura com o
intuito de desmoralizar seus opositores? Ou será que algumas dessas
figuras não teriam simplesmente se utilizado dessa brecha para escapar do
cárcere e iniciar uma nova vida? Tema e personagens sem dúvida complexos e
fascinantes, que trafegam pelas zonas cinzentas de tempos autoritários e que
poderiam render, no campo ficcional ou no documental, alguns grandes filmes.
Ressaltadas
as limitações da produção cinematográfica sobre a ditadura brasileira – e
expresso o desejo de um cinema mais problematizador para o futuro –, listo
abaixo meus 10 filmes favoritos que abordaram os 21 anos do regime em questão.
Porque, sim, alguns grandes filmes já foram feitos sobre o período. Uma
ressalva: optei por deixar de fora a obra-prima Terra em Transe, de Glauber Rocha, grande painel alegórico do
Brasil e do Terceiro Mundo construído a partir da experiência da derrota da
esquerda brasileira em 64; entraram aqui filmes que falam explícita e
diretamente da ditadura. Numa lista mais abrangente, Terra em Transe estaria presente, disputando os
primeiros lugares.
9- Jango
Sílvio Tendler, 1984
8- Hércules 56
Sílvio Da-Rin, 2006
7- Cabra-Cega
Toni Venturi, 2005
Chaim Litewski, 2009
5- O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
Cao Hamburger, 2006
4- Nunca Fomos Tão Felizes
Murilo Salles, 1984
2- Eles Não Usam Black-Tie
Leon Hirszman, 1981
1- Cabra Marcado para Morrer
Eduardo Coutinho, 1984
2 comentários:
Ótimo post, eu, nascido em 1985, tenho muito a aprender com nosso cinema...
Todos temos, Emerson.
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