domingo, 23 de fevereiro de 2014

12 Anos de Escravidão



Muito se discute sobre as possibilidades de representação ficcional de atos de violência extrema contra seres humanos, como aqueles que resultaram no chamado Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial. Até que ponto seria obsceno escalar atores para encenar assassinatos e torturas que de fato ocorreram, muitas vezes submetendo o passado às necessidades dramáticas da história narrada em filme? O que mostrar e o que não mostrar, quando se encena tamanha brutalidade? Na época de seu lançamento, A Lista de Schindler (1993) foi violentamente criticado nesse sentido, especialmente por "brincar" com o horror na sequência da câmara de gás de Auschwitz – mas, ainda assim, o filme de Steven Spielberg se firmou como a maior referência cinematográfica para o grande público quando se fala em Holocausto.

Quatro anos depois, Spielberg realizou Amistad, com o qual tentou repetir o feito de consolidar um olhar público sobre um tema histórico árduo – dessa vez, a escravidão no sul dos Estados Unidos. Fracassou, em muito por exagerar no apelo melodramático típico de boa parte de seu cinema. Como conjunto de ações igualmente violentas contra a vida humana, a escravidão moderna, Holocausto negro, também seria refém dessas questões que envolvem a representação artística do assassinato de judeus pelos nazistas. Como filmar esse assunto? Seria ético ter atores encenando o sofrimento dos escravos? Seria a reconstituição memorialística através de linguagem documental a única forma possível de acesso da arte a tal passado (seguindo o caminho do magnífico Shoah, de Claude Lanzmann)?

Se a resposta para essa última pergunta for positiva, 12 Anos de Escravidão, novo e premiado filme do cineasta britânico Steve McQueen, talvez mereça tanta reprovação quanto o melodrama exagerado de Amistad ou a manipulação emocional da sequência da câmara de gás de A Lista de Schindler. McQueen opta pela dureza das imagens, por mostrar as consequências da violência da escravidão nos corpos dos cativos (algo bem próprio de seu cinema, aliás). As agressões físicas sofridas pelos personagens de Chiwetel Ejiofor e Lupita Nyong’o, por exemplo, são filmadas em detalhes, o que poderia gerar acusações de um certo sadismo do diretor. No entanto, se considerarmos possível a representação artística dos horrores da escravidão, como fazer diferente de McQueen? O caminho seria olhar para outro lado, posicionar a violência fora de quadro em respeito à dor (irrepresentável) experimentada pelos homens e mulheres reais que caíram em cativeiro? Pode ser. Mas, no mesmo ano em que a triste história do jovem Oscar Grant chegou aos cinemas (no excelente Fruitvale Station), talvez seja necessário mostrar, sem atenuantes, essa violência que perdura no tempo e que muitas vezes queremos esquecer que existe. E ironia das ironias: 12 Anos de Escravidão, o mais importante e impactante filme já produzido sobre a escravidão negra nos Estados Unidos, é dirigido por um inglês. Talvez venha daí esse olhar de profundo horror e indignação que reverbera em suas imagens. Steve McQueen, como o Dr. King Schultz de Django Livre, é um estrangeiro ainda não muito habituado à América.


12 Anos de Escravidão 
12 Years a Slave, 2013
Steve McQueen

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