segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

[nosso lar]

Nosso Lar
Nosso Lar, 2010
Wagner de Assis


Quando ainda frequentava as searas espíritas, juro que tentei por umas duas vezes (até por pressão familiar) iniciar a leitura de Nosso Lar, livro publicado por Chico Xavier na década de 1930 que se tornou um clássico naquele meio, mas simplesmente não consegui por um motivo muito simples: enquanto literatura, a obra é uma bela de uma porcaria. Narrativa truncada, onde quase nada acontece, personagens unidimensionais, lições de moral por todos os cantos, e, o pior de tudo, uma empostação exagerada que beira o ridículo em todos os diálogos travados entre os mortos e entre os vivos. Sequer cheguei nas partes meio ficção-científica que incomodam a tantos, logo, nem critico o livro por isso - até porque aí é muito mais uma questão de crença do que de crítica literária.
Confesso que tremi diante da notícia da adaptação de Nosso Lar para o cinema, mais um passo negativo na cinematografia nacional atual, cada vez mais dominada pelas comédias padrão Globo, de um lado, e por filmes de cunho religioso/doutrinário de outro. Me irrito profundamente com essa "onda espírita" que invadiu o cinema brasileiro, não pela religião em si, mas pelo caráter confessional, doutrinário mesmo, que tais filmes possuem. O mesmo vale para os longas do Padre Marcelo Rossi, por exemplo. O problema está longe de ser a tematização de questões religiosas ou espirituais, como Clint Eastwood, aliás, acaba de demonstrar com seu belo Além da Vida, mas sim a opção por um cinema didático que tem o simples objetivo de conquistar mais fiéis para uma determinada crença. Fico pensando se o próximo passo será um filme sobre a vida de Silas Malafaia...
Mas, enfim, o que importa é que, justamente como imaginara, Nosso Lar é um filme muito ruim. Segue todos os defeitos do original: é artificial, didático, empostado, maniqueísta, doutrinário... e ainda trata todos os que não acreditam no espiritismo ou na vida após a morte com um desdém impressionante. O elenco, que conta com nomes de peso como Othon Bastos (que um dia fez Deus e o Diabo na Terra do Sol, lembrem-se disso), Rosanne Mulholland e Fernando Alves Pinto (que saudade de Terra Estrangeira!), parece totalmente deslocado, não levando muito a sério os diálogos inverossímeis que são obrigados a pronunciar - à exceção do protagonista, Renato Prieto, proveninente do teatro espírita, e que demonstra verdadeira paixão pelo projeto, conseguindo mesmo dar alguma qualidade à sua composição de André Luiz. Nosso Lar acaba se beneficiando da trilha do sempre ótimo Philip Glass e dos bons efeitos especiais e, lá pela metade, a narrativa até passa por uma breve melhora. Mas, no fim, o que predomina é mesmo a vontade de espalhar a doutrina espírita para o maior número possível de pessoas. Me senti nos tempos em que assistia palestras no grupo de jovens do centro que minha família frequenta. E, sinceramente, não preciso mais disso, passei dessa fase.

4 comentários:

H. disse...

"é artificial, didático, empostado, maniqueísta, doutrinário..."

esse é o meu preconceito com qualquer filme deste naipe

Rafael Carvalho disse...

Tudo no filme soa falso, artificial. Mas o pior é a arrogância de um filme que defende a doutrina como se houvesse uma comprovação de fato de que tudo aquilo realmente existe e todo o resto merece o limbo. Nesse sentido, é reprovável. Sem falar que, cinematograficamente, o filme é pífio.

Alessandra Belo disse...

Li mil (exageeeeeero) criticas ao filme pela internet e realmente uma ampla maioria detonou o filme de forma até entusiasmada, o que me chocou.Não acho mesmo que o Espiritismo tente convenver ninguém. O filme é artifical porque as pessoas não querem nem saber de fluido universal, magnetismo, planos superiores, evolução espiritual, daí a suposta artificialidade que alguns colocam nomes: "poder verde", "zumbis", "naves da Xuxa". Uma maioria ainda pede uma comprovação cientifica, dados reais, concretos para que se concorde com o que está ali. Caso contrário, o filme é simplesmente podre. Didático,porque está mais que provado pelas críticas (praticamente só há críticas negativas ao filme por toda blogosfera) que para introduzir um assunto como esse e obter um minimo de entendimento é necessário a didática. E mesmo assim, foi complicado. Doutrinário? Doutrina espírita está presente nos livros de Allan Kardec para quem quiser comprar. Esse livro é uma história que contém partes com reflexões que visam o entendimento dos que aqui na Terra, vivem sua jornada. Auto-ajuda ou não, qualquer livro que conte sua história contém lá suas reflexões. De Doce Veneno do Escorpião de Bruna Surfistina, Harry Potter, Paulo Coelho's books à Kafka, Kant, Nietzsche, há paradas para qualquer tipo de reflexão que pode soar como auto-ajuda dependendo da trajetória daquele que lê. O filme leva as pessoas a comprarem o livro, mais por curiosidade, do que por qualquer outra coisa. Aliás, foi o que mais as levou ao cinema...Maniqueísta? Nosso Lar mostra espiritos ainda em evolução, imperfeitos, exemplificados pela história de André Luiz, na busca por um aperfeiçoamento muito além do Bem e do Mal e que não entendemos e nem vamos até morrermos de novo. Enfim, respeito e não tenho capacidade para críticas cinematográficas, não mesmo... Mas vejo o quanto o Espiritismo é ainda visto como uma Religião. Dessa forma, um filme como esse ainda não terá sua chance de emplacar. A verdade é que ninguém tá muito a fim de acreditar naquela "baboseira" toda. O filme é simples, direto.Até minha crítica talvez seja justamente essa, porque resumiu demais o livro. De qualquer forma, foi um bom começo...

Wallace Andrioli Guedes disse...

Olá Alessandra.
Só agora vi seu comentário, com o excesso de atualizações do blog, o post sobre NOSSO LAR foi ficando para trás, e nunca mais voltei a ele.
Enfim, gostaria só de esclarecer alguns pontos: em primeiro lugar, apesar de conhecer o Espiritismo razoavelmente, por ter sido criado no meio e por ter frequentado centros espíritas durante boa parte da minha vida, minha rejeição ao filme em questão está muito mais ligada a sua (falta de) qualidade cinematográfica. Apesar de não professar nenhuma fé, sou verdadeiramente fã de alguns filmes que são carregados de religiosidade - de cabeça, agora, me lembro de dois: VÍCIO FRENÉTICO (1992), de Abel Ferrara, e FIM DE CASO (1999), de Neil Jordan, mas deve haver mais. Quando digo que NOSSO LAR é doutrinário, me refiro à necessidade de diminuir aqueles que não acreditam nos princípios espíritas, algo que fica expresso em diversas falas dos personagens. Sei que essas falas também estão no livro, mas isso não redime, de forma alguma, esse problema da adaptação cinematográfica. Para mim, lugar de pregação religiosa (seja qual for a religião), é o templo, a igreja, o centro, a mesquita, a sinagoga... enfim, não o cinema. Agora, volto a dizer, filmes carregados de religiosidade não me incomodam simplesmente por essa característica. Mas quando um filme se preocupa mais com uma mensagem que atende a uma determinada fé do que com o bom desenvolvimento de sua trama e/ou personagens, para mim há algo de muito errado aí. E, me desculpe, mas os personagens de NOSSO LAR não têm nada de complexos - são completamente rasos.
Abraço.
Wallace.