sábado, 13 de novembro de 2010

[josé e pilar]

José e Pilar
José e Pilar, 2010
Miguel Gonçalves Mendes


Não há ceticismo que resista ao amor de José Saramago e Pilar del Río. Quando o escritor português morreu, em junho desse ano, lamentei aqui no blog o fato de ter lido tão poucos livros seus (três até o momento, Ensaio sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte e Caim). No entanto, por ter em casa uma quase especialista na literatura "saramaguiana", já folheei a maior parte de suas obras, e sempre me deparei com suas dedicatórias a Pilar. "A Pilar", "A Pilar", "A Pilar", repetitivamente. Esse belíssimo documentário José e Pilartorna palpável, minimamente compreensível, o porquê delas. O porquê de tantas delas.
O filme, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, tem o mérito espantoso de entrar na vida cotidiana do casal de forma discreta, de conseguir acompanhar sua rotina com uma naturalidade que nos faz esquecer mesmo que há ali, presente ao lado de Saramago e sua esposa, uma equipe de filmagem. O olhar do espectador é naturalizado, tamanha a discrição e o cuidado do trabalho do diretor. No entanto, me parece que é mesmo em seus retratados que reside a força maior de José e Pilar. O filme de Gonçalves Mendes é de José e de Pilar. É dos dois, por mais que a rabugice doce de Saramago seja quase irresistível, por mais que a personalidade forte de Pilar del Río seja apaixonante. É ao casal, aos seus pequenos momentos de singeleza, ao seu amor rotineiro - mas nunca banal - inabalável que o filme deve sua capacidade de emocionar tanto, de produzir passagens engraçadas, inusitadas, belas, tristes. Ver um sujeito como Saramago, capaz de criar momentos tão marcantes com suas palavras, chamar sua esposa para, como uma criança orgulhosa de ter feito algo certo, relatar uma frase bonita que disse, dá a dimensão da figura de Pilar na vida do escritor.
Quando José Saramago morreu, vivia um momento na minha vida íntima que acreditava ser mágico. Hoje, quando tudo aquilo já foi dolorosamente destruído, quando luto para deixar para trás o que vivi e senti, assisto um filme como José e Pilar. E, contrariando meu recém-adquirido (à força) ceticismo, volto a acreditar, mesmo que por alguns poucos momentos, que poderia passar o resto da minha vida dedicando meu trabalho (qualquer que seja) a alguém. De fato, não há ceticismo que resista ao amor de José Saramago e Pilar del Río.

3 comentários:

Rafael Carvalho disse...

Que vontade de assistir a esse filme. Descobri há pouco tempo esse projeto e Deus sabe quendo terei oportunidade de ver. Gosto demais da literatura do Saramago.

Kamila disse...

Adoro Saramago e fiquei com muita vontade de assistir a este filme.

Anônimo disse...

O filme tem um "crescendo" tanto em relação ao amor e à intimidade do casal, como no toque com o próprio espectador. Quando começamos a assistir - mais talvez por causa de Saramago - terminamos apaixonados também por Pilar. Achei um filme sensacional, exemplo de uma nova forma de documentário, toda narrada pelos próprios atores sobre os quais o filme trata. Concordo, Wallace...não há ceticismo que resista!