Desde o início da chamada "guerra contra o terror", o cinema, especialmente o norte-americano, apropriou-se desse polêmico conflito como temática. E, em praticamente 100% dos casos, adota-se em tais filmes uma estética realista, uma violência crua e uma linguagem próxima à linguagem documental (e os exemplos nesse sentido são abundantes, desde os recentes O Reino, de Peter Berg, e Rede de Mentiras, de Ridley Scott, até os filmes de Michael Winterbottom, que chegam a quase se assumir enquanto documentários - caso de O Preço da Coragem e Caminho para Guantánamo). Curiosamente, no entanto, essa linguagem, que parece claramente a mais apropriada para tratar de um tema como esse, não conseguiu até agora gerar uma grande obra cinematográfica sequer.
Nesse sentido, esse The Hurt Locker (que recebe no Brasil o preguiçoso título de Guerra ao Terror) é um marco. Não que a estética suja-realista-documental seja abandonada; pelo contrário, ela é até radicalizada na narrativa do longa de Kathryn Bigelow: a diretora acompanha a rotina de uma equipe anti-bombas do exército norte-americano no Iraque, deixando de lado qualquer pretensão de possuir uma trama linearmente construída, focando-se exclusivamente na dinâmica entre o trio de protagonistas (vividos por Anthony Mackie, Brian Geraghty e pelo estupendo Jeremy Renner), permitindo que seus dramas, personalidades contrastantes e, principalmente, a insuportável tensão que permeia seu trabalho, sejam a força motriz do filme. Não há uma história propriamente dita em The Hurt Locker, apenas aqueles três sujeitos sobrevivendo dia após dia (e Bigelow filma cada uma das missões do trio com um talento surpreendente e impressionante, fazendo com que cada sequência dessas supere a anterior em tensão).
O que torna o filme inovador, e, consequentemente, absurdamente poderoso, é a forma como a diretora utiliza-se dessa linguagem já batida (e também de sua experiência em filmes de ação) para fazer poesia. É isso mesmo. Bigelow parte de imagens extremamente brutais, construídas a partir de uma estética também brutal, dura, seca, para criar momentos de profunda beleza e melancolia, que sintetizam, como nenhum filme havia conseguido até agora, o turbilhão de emoções, dramas e pavores pelo qual passam os soldados que lutam na tal "guerra contra o terror", em ambientes onde qualquer um pode ser um inimigo em potencial. Os exemplos são muitos, como a impressionante sequência no deserto, na qual Ralph Fiennes faz sua breve aparição (aliás, não deixa de ser interessante como Bigelow não tem o menor pudor de livrar-se rapidamente dos nomes mais famosos de seu elenco, deixando que as verdadeiras estrelas deste brilhem) mas talvez a cena mais admirável e impactante de The Hurt Locker seja um pequeno momento envolvendo o personagem de Renner, um uniforme militar e um chuveiro. Só assistindo para compreender a força dessa e das inúmeras outras imagens criadas por Bigelow para essa inesperada obra-prima, que se coloca para a Guerra do Iraque, talvez num exagero empolgado meu, como Apocalypse Now se colocara para a Guerra do Vietnã.
P.S.: surpreendentemente, The Hurt Locker saiu há poucos dias em DVD no Brasil, com o já citado título de Guerra ao Terror. Digo surpreendentemente porque o filme sequer foi lançado nos cinemas norte-americanos, e vem sendo cotado seriamente, ao menos por enquanto, para o próximo Oscar. Caso a Academia faça justiça e esse filme receba um punhado de indicações, a distribuidora brasileira responsável por ele perceberá a falha que cometeu.
8 comentários:
wow... não sabia da existência desse filme e me pareceu excelente pelo seu review.
vou conferir!
ah sim, esqueci de comentar... detalhe pra presença da KATE do lost aqui... :P
É verdade, a Evangeline Lilly faz uma mínima participação no final do filme ...
Olha, eu vi ele mês passado e gostei considerávelmente. Mas não vi muito que o diferenciasse do superior "Soldado Anônimo". Portanto, o que ele ganhou comigo em carga dramática, roteiro inteligente e direção tensa, ele perdeu em urgência. De qualquer forma, não merecia o tratamento direto para DVD. Só não aposto na ida dele ao Oscar.
3 estrelas.
Ciao!
Hum... interessante esse seu review, fiquei curioso. Gosto de filmes que vão nessa linha, se encontrá-lo na locadora irei alugar.
E poxa, esperei a semana toda pra ver o filme do Wolverine e comentar aqui no teu blog, mas a semana foi muito complicada (pra se ter uma idéia, terça-feira foi decretado estado de calamidade aqui em Salvador, por conta das chuvas) e até agora não consegui assistir... mas acho que nesse fds eu consigo ir ao cinema. Mesmo com tanta gente falando mal, é o tipo de filme que eu tenho que ver com meus próprios olhos, hehehe.
Abraço!
Cinevita, concordo que o filme tem proximidades com Soldado Anônimo, filme subestimado do Sam Mendes, que também gosto bastante. Mas acho que há diferenças visíveis também, na abordagem, na proposta e no clima da narrativa. E, nesse sentido, acho The Hurt Locker superior, apesar de, como já disse, também gostar bastante de Soldado Anônimo.
Bruno, eu lhe aconselharia a não ver Wolverine, a economizar dinheiro nesses tempos de crise ... rsrs. Enfim, mas se vc insite, assista com seus próprios olhos e comprove, e depois me diga o que achou.
É eu me interessei em pegar para ver mas me desanimei, entretanto agora eu me pilhei pra assistir :D
Ahh e quanto a Wolverine,... Bom, eu comento no post do filme!
Esse filme não me é estranho, pensei até que era o do De Palma. Se não me engano, concorreu em Veneza ano passado. Interesasnte proposta.
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