[milk - a voz da igualdade]
Milk, 2008
Gus Van Sant
Confesso ter uma imensa dificulade para compreender, e aceitar, posturas conservadoras. Reconheço carregar preconceitos dentro de mim (como, imagino, aconteça com quase todo mundo), mas tenho uma enorme facilidade em simpatizar com causas das ditas "minorias", especialmente quando estas ganham a geralmente barulhenta e irritante oposição dos setores das sociedades dispostos a defender a "família", a "religião" e a "normalidade". Sou cria das chamadas Ciências Humanas, onde, cada vez mais, busca-se um respeito à alteridade e uma busca por compreensão das posições tomadas pelos diversos grupos sociais e indivíduos (incluindo-se, aqui, grupos conservadores, contrários a pessoas consideradas "diferentes" do padrão estabelecido); mas, quando se trata de posicionamentos desse tipo, sejam eles com relação à política, à organização social, a questões religiosas, ou à sexualidade, não consigo deixar de tomar uma posição, de escolher um lado, e de, alguma forma, encampar uma luta.
Talvez Milk seja sobre isso. Sobre, mesmo reconhecendo o direito das pessoas ter a opinião que quiserem sobre quaisquer assuntos, chega um momento em que posições devem ser tomadas. Gus Van Sant, homossexual assumido, fez um filme soberbo. Em sua irregular, mas ainda brilhante, cinematografia, que vai desde seu surgimento em meio a um cinema independente marginal norte-americano (Drugstore Cowboys, Garotos de Programa), passando por um princípio de "domesticação" por Hollywood, com filmes mais comportados (o belo Gênio Indomável, Encontrando Forrester e a desastrosa refilmagem de Psicose), até chegar ao seu retorno bem-sucedido a um cinema experimental (que trouxe como principais frutos a obra-prima Elefante, e o excelente Paranoid Park), Milk parece ocupar o posto de "ponto aonde o diretor sempre quis chegar". Não é seu melhor filme, mas é a confluência perfeita entre seus ideais, sua luta de vida que impregna seu cinema desde o início, seu estilo alternativo de filmar (especialmente na primeira metade do longa) e seu flerte com Hollywood, na estrutura acadêmica que o filme possui, contando inclusive com uma narração em off do próprio protagonista (e que me parece um pouco desnecessária). E é um filme militante. Um filme que toma posições. É grandiloquente, apaixonado por seu personagem central, e com claras intenções de passar uma mensagem, de se posicionar politicamente. Em se tratando de Harvey Milk e Gus Van Sant, nada mais coerente.
Sean Penn é um assombro em cena. Sua composição é minimalista, e dramaticamente arrasadora; sua presença, hipnótica. O ator demonstra uma fragilidade impressionante, ainda mais surpreendente vindo de um sujeito conhecidamente "durão" como ele, e entrega uma interpretação que consegue a proeza de merecer ser reconhecida como o melhor trabalho de um sujeito dono de desempenhos como os de O Pagamento Final, Os Últimos Passos de um Homem, 21 Gramas e Sobre Meninos e Lobos, por exemplo. O que está longe de ser pouco. Li recentemente um texto bastante interessante do cineasta João Moreira Salles, acerca da escalação de Penn para viver Harvey Milk. Salles reflete, com grande perspicacia, sobre o costume de Hollywood de escalar atores reconhecidamente héteros para interpretar homossexuais no cinema, e o quanto isso representaria uma postura ainda conservadora. Acho o argumento de Salles completamente plausível e pertinente. Mas, diante da interpretação de Sean Penn, qualquer resquício de tradicionalismo e conservadorismo que exista nessa prática do cinema hollywoodiano, acaba merecendo perdão.
Por fim, vale aqui um comentário pessoal, em forma de lamento, levando-se em conta que esse é um espaço de posicionamentos políticos: no ano passado, nas últimas eleições municipais, Juiz de Fora, minha cidade, viveu uma situação inusitada, com a surpreendente arrancada de uma candidata pouco conhecida no cenário político da região, vencendo o primeiro turno, e chegando ao segundo como favorita. Tal candidata acabou sendo vítima de uma preconceituosa campanha "por baixo dos panos", que visou conquistar votos de setores mais conservadores da sociedade (especialmente de determinadas igrejas evangélicas) atacando sua sexualidade. A candidata perdeu as eleições, e o vencedor, declarou em um culto evangélico após o resultado final que aquela havia sido a vitória da Família e de Deus. A luta de Harvey Milk ocorreu na década de 1970, seu assassinato foi em 1978. Infelizmente, ela não é uma luta datada. Os tempos de Harvey Milk, são, no fim das contas, os nossos tempos também.
Talvez Milk seja sobre isso. Sobre, mesmo reconhecendo o direito das pessoas ter a opinião que quiserem sobre quaisquer assuntos, chega um momento em que posições devem ser tomadas. Gus Van Sant, homossexual assumido, fez um filme soberbo. Em sua irregular, mas ainda brilhante, cinematografia, que vai desde seu surgimento em meio a um cinema independente marginal norte-americano (Drugstore Cowboys, Garotos de Programa), passando por um princípio de "domesticação" por Hollywood, com filmes mais comportados (o belo Gênio Indomável, Encontrando Forrester e a desastrosa refilmagem de Psicose), até chegar ao seu retorno bem-sucedido a um cinema experimental (que trouxe como principais frutos a obra-prima Elefante, e o excelente Paranoid Park), Milk parece ocupar o posto de "ponto aonde o diretor sempre quis chegar". Não é seu melhor filme, mas é a confluência perfeita entre seus ideais, sua luta de vida que impregna seu cinema desde o início, seu estilo alternativo de filmar (especialmente na primeira metade do longa) e seu flerte com Hollywood, na estrutura acadêmica que o filme possui, contando inclusive com uma narração em off do próprio protagonista (e que me parece um pouco desnecessária). E é um filme militante. Um filme que toma posições. É grandiloquente, apaixonado por seu personagem central, e com claras intenções de passar uma mensagem, de se posicionar politicamente. Em se tratando de Harvey Milk e Gus Van Sant, nada mais coerente.
Sean Penn é um assombro em cena. Sua composição é minimalista, e dramaticamente arrasadora; sua presença, hipnótica. O ator demonstra uma fragilidade impressionante, ainda mais surpreendente vindo de um sujeito conhecidamente "durão" como ele, e entrega uma interpretação que consegue a proeza de merecer ser reconhecida como o melhor trabalho de um sujeito dono de desempenhos como os de O Pagamento Final, Os Últimos Passos de um Homem, 21 Gramas e Sobre Meninos e Lobos, por exemplo. O que está longe de ser pouco. Li recentemente um texto bastante interessante do cineasta João Moreira Salles, acerca da escalação de Penn para viver Harvey Milk. Salles reflete, com grande perspicacia, sobre o costume de Hollywood de escalar atores reconhecidamente héteros para interpretar homossexuais no cinema, e o quanto isso representaria uma postura ainda conservadora. Acho o argumento de Salles completamente plausível e pertinente. Mas, diante da interpretação de Sean Penn, qualquer resquício de tradicionalismo e conservadorismo que exista nessa prática do cinema hollywoodiano, acaba merecendo perdão.
Por fim, vale aqui um comentário pessoal, em forma de lamento, levando-se em conta que esse é um espaço de posicionamentos políticos: no ano passado, nas últimas eleições municipais, Juiz de Fora, minha cidade, viveu uma situação inusitada, com a surpreendente arrancada de uma candidata pouco conhecida no cenário político da região, vencendo o primeiro turno, e chegando ao segundo como favorita. Tal candidata acabou sendo vítima de uma preconceituosa campanha "por baixo dos panos", que visou conquistar votos de setores mais conservadores da sociedade (especialmente de determinadas igrejas evangélicas) atacando sua sexualidade. A candidata perdeu as eleições, e o vencedor, declarou em um culto evangélico após o resultado final que aquela havia sido a vitória da Família e de Deus. A luta de Harvey Milk ocorreu na década de 1970, seu assassinato foi em 1978. Infelizmente, ela não é uma luta datada. Os tempos de Harvey Milk, são, no fim das contas, os nossos tempos também.
5 comentários:
Acho que a grande parte das pessoas tendem a defender e tomar partido das ditas 'minorias'. O melhor em relação a esse filme é que ele toma partido de uma causa tão cara ao diretor, sem com isso soar pretenciosos ou forçado. Além disso, é um dos melhores filmes do Van Sant feito no mainstream hollywoodiano, com elenco de peso. Sean Penn encarna o personagem com muita paixão, embora não ache que seja um dos melhores momentos dele.
É por aí, mesmo, Rafael. Acho que esse é um filme que só faz total sentido se carregado dessa carga de militância do Van Sant, e do próprio Harvey Milk.
Quanto ao elenco, que não comentei no texto, acho que o único porém é o Diego Luna, bem abaixo dos outros atores ...
E quanto ao Penn, sou fã do ator, e, antes de Milk, acho que considerava sua atuação em Os Últimos Passos de um Homem como a melhor de sua carreira, seguida por Mystic River e 21 Gramas. No entanto, acho que sua encarnação como Harvey Milk é o trabalho mais meticuloso e perfeito de sua cinematografia.
Wallace, que belo texto! Parabéns! Também tenho essa tendência a defender as minorias, neste aspecto eu realmente sou parcial. Quero muito ver este filme, porém o perdi quando estava nos cinemas, então ou eu pego ele na internet ou espero sair em dvd. E acho uma pena o que aconteceu na sua cidade, no segundo turno. É triste constatar que isso é realmente tão comum quanto pensamos... o Brasil, politicamente falando, ainda nos dá muitos desgostos. Abraço!
Ps: faltou um singelo aviso prévio de spoiler, hehe... perdoe minha ignorância mas eu não sabia que o Harvey Milk havia sido assassinado, fui descobrir nas linhas finais do seu texto.
Belo texto, Wally. "Milk" é um belo filme mesmo.
Ops, foi mal, Bruno. Mas não sei se é spoiler, até porque nas primeiras cenas do filme já é anunciada a morte do protagonista. Quando você assistir, verá.
Chico, valeu pelo comentário elogioso!
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