Não é muito difícil desgostar de Gran Torino. É um filme bastante convencional, que se estrutura em um sem número de clichês e que ainda tem como protagonista um Clint Eastwood beirando o caricatural, chegando, nos primeiros momentos da narrativa, a causar uma sensação de ridículo, com seus rosnados e grunhidos que parecem um grande exagero na composição de um velho homem amargurado e preconceituoso.
No entanto, não é preciso conhecer a fundo os filmes do diretor para saber de sua imensa capacidade de nos pegar de surpresa. Ao menos desde Os Imperdoáveis (com algumas exceções aí no meio, obviamente), Eastwood vem surpreendendo com sua inesperada sensibilidade, delicadeza e ousadia ao transformar temas espinhosos em experiências dramáticas poderosas (algo que se acentuou nos recentes Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro e Cartas de Iwo Jima). E com Gran Torino a história se repete. Eastwood consegue, novamente, pegar uma história absurdamente simples, que parece não dar em nada, e tirar dali uma obra relevante, impactante e comovente (especialmente em seu belo epílogo). A começar por seu protagonista. Se, como dito acima, Walt Kowalski surge nos primeiros momentos como um personagem exagerado, quase caricatural, ao mesmo tempo que demasiadamente próximo de outras figuras vividas por Eastwood em outros de seus filmes, aos poucos ele vai se transformando numa figura profundamente humana, um homem vil e repulsivo sim, capaz de incorporar o que há de mais reacionário e conservador na sociedade norte-americana, mas ao mesmo tempo detentor de uma estranha nobreza, fundamental para o desenrolar dos acontecimentos de Gran Torino.
No entanto, se Kowalski é o protagonista indiscutível, o que verdadeiramente move a narrativa do filme é sua relação com o jovem hmung interpretado pelo ótimo Bee Vang. Não há aqui um processo de transformação da personalidade mal-humorada e preconceituosa de Kowalski (na verdade, as transformações se dão muito mais no lado de Thao, vivido por Vang), mas apenas a descoberta, por parte de um homem xenófobo e avesso ao diferente, da possibilidade de convívio, respeito e admiração entre pessoas de culturas e sociedades que são quase extremamente opostas. Nesse sentido, Gran Torino se torna um belo e poderoso libelo à alteridade. Ao mesmo tempo, Eastwood desconstrói uma das figuras mais enraizadas não só no cinema hollywoodiano, mas na própria cultura norte-americana: a do homem durão, que não leva desaforo para casa e que se vinga brutalmente daqueles que de alguma forma o ofenderam. E isso para um ator que deu vida a um dos maiores ícones cinematográficos a encarnar essa persona, o policial Harry Calahan, da série Dirty Harry - e não deixa de ser curioso que, antes da revelação de maiores detalhes de sua trama, Gran Torino tenha sido confundido com um novo filme do personagem. Desconstruir a si próprio não é para qualquer um. É nessas horas que se conhece a ousadia de um cineasta, até onde ele é capaz de ir em suas reflexões. Felizmente, Clint Eastwood parece não ter limites.
Gran Torino, 2008
Clint Eastwood
4 comentários:
Excelente. Genial. E eu que não sou fã de Clint achei um dos melhores filmes do ano passado. Excelente.
Gostei bastante, ainda que não seja um dos meus preferidos do diretor. Esperava um pouco mais...
Dificilmente o Clint me decepciona.
Até mesmo os irregulares "A Troca" e "A Conquista do Paraíso" me fizeram passar por bons momentos no cinema.
Adoro as trilhas sonoras.
Adoro a direção desacerelada.
E ele sabe, como poquíssimos diretores, arrancar interpretações na medida.
Ainda não assisti "Gran Torino", mas tenho certeza que algo bom me espera.
Não sei se posso dizer que desgostei do filme, mas não me empolgou muito, não. O final é realmente excelente, mas todo o miolo do filme me pareceu frágil, caricatural e mal escrito. Muito longe dos melhores dele dessa década como Menina de Ouro e Sobre Meninos e Lobos.
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