domingo, 27 de dezembro de 2009

[vício frenético]

Vício Frenético
Bad Lieutenant, 1992
Abel Ferrara


Momento confessionário: nunca fui muito fã de Harvey Keitel. Apesar de ser figura comum nos filmes de Martin Scorsese (a quem eu idolatro), o ator, com raras exceções (Cães de Aluguel entre elas), quase sempre me pareceu uma espécie de sub-Robert De Niro, o tipo do profissional respeitado, competente, mas que nunca entregaria A interpretação, aquele desempenho de deixar todos embasbacados. Keitel nunca teria seu Jake La Motta, ou seu Travis Bickle. Isso porque eu não conhecia esse seu trabalho, de 1992, ao lado do diretor Abel Ferrara - e só vim a conhecê-lo graças à recente "refilmagem" feita por Werner Herzog, com Nicolas Cage.
Vício Frenético é de Keitel, por mais que Ferrara seja um ótimo e ousado cineasta. Chega a ser inacreditável o que ele faz em cena, com um personagem absolutamente repugnante: ele conduz o filme o tempo todo, algo que parece chegar muito próximo a um truque de hipnose. Não há como desgrudar os olhos de Keitel. Um exemplo: quando seu personagem, sem nome, aborda duas moças num carro, e as chantageia de uma forma que beira um estupro, a mera repulsa pelo ato não é suficiente - quer-se entender aquele homem, o que o motiva, como ele chegou a ser esse monstro que, ao mesmo tempo, aparenta estar de alguma maneira em busca de redenção. É um trabalho genial, em cada um de seus mínimos detalhes.
Fiquei com a impressão que Ferrara conseguiu fazer um filme perdido no tempo. Vício Frenético é uma porrada, e estaria muito bem na década de 1970, em meio a Taxi Driver, Apocalypse Now e Touro Indomável (que, apesar de ser de 1980, é outro que acabou na década errada). Nos anos 90, sua falta de pudor, sua violência exacerbada, seu protagonista amoral, elevam ainda mais sua ousadia - talvez o filme seria ousado demais mesmo para os anos 70. Se o diretor pretendia, ao chamar Keitel para o papel principal, aproximar-se do cinema feito em Hollywood naquela década (sendo o ator um ícone do período), seu objetivo foi alcançado. Mas talvez Ferrara não imaginasse que teria seu filme simplesmente "roubado" por seu protagonista. Bem, no fim das contas, agora eu sei que Harvey Keitel tem, já há algum tempo, seu Jake La Motta, seu Travis Bickle. Aliás, paralelo impróprio esse - Keitel está longe de ser um sub-Robert De Niro.

5 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Nunca vi Vício Frenético, até porque, como você confessou, eu não sou tão adepto do Harvey Keitel - só no O Piano, talvez - e sempre achei ele meio canastrão.

Abraço!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Eu vi O PIANO há muito tempo, e me lembro de, na ocasião, não ter gostado muito do filme... quanto às atuações, acho que gostei mais da Holly Hunter e do Sam Neill. Mas definitivamente preciso revê-lo.

Anônimo disse...

Eu nunca vi esse filme antes e acho que nunca assisti a uma obra dirigida pelo Abel Ferrera.

BillyCapra disse...

Vi seu blog inteiro, parabéns.

Rafael Carvalho disse...

Também só passei a conhcer esse filme do Ferrara, diretor por quem eu tenho um interesse iniciante, por causa da refilmagem. E me surpreendi com o filme, embora já gostasse dos trabalhos anteriores do Keitel.

E o personagem dele é mesmo incrível, em toda sua torpidez e desvio de personalidade. Me encanta também a forma como o Ferrara lida com a religião sem julgá-la, mas pondo seu personagem em xeque, tavez porque a relação com a religião seja mais internalizada, mais pessoal e por isso o personagem consegue se enxergar da forma torta que é. A cena dele pedindo perdão à aparição de Cristo é simplesmente genial. Me fez chorar, algo que nunca pensei fazer por um personage assim.