quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

[top 10 década 2000 - indicados ao oscar de melhor filme estrangeiro]

Depois de um texto sobre a total ausência do cinema brasileiro dentre os indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro nesta década que acabou de terminar, nada melhor que uma lista com os 10 melhores filmes que conseguiram chegar lá, que foram lembrados pela Academia nessa tão disputada categoria. Vale uma ressalva: estou considerando aqui também os filmes presentes no Oscar 2010, já que são, na realidade, obras lançadas no ano passado.


10- Mar Adentro
Mar Adentro, 2004


9- Terra de Ninguém
No Man's Land, 2001


8- Amores Brutos
Amores Perros, 2000


7- O Tigre e o Dragão
Wo Hu Zang Lan / Crouching Tiger, Hidden Dragon, 2000


6- O Filho da Noiva
El Hijo de la Novia, 2001


5- As Invasões Bárbaras
Les Invasions Barbares, 2003


4- O Labirinto do Fauno
El Laberinto del Fauno, 2006


3- Entre os Muros da Escola
Entre les Murs, 2008


2- A Vida dos Outros
Das Leben der Anderen, 2006


1- A Fita Branca
Das Weisse Band, 2009

domingo, 21 de fevereiro de 2010

[salve geral, o oscar e o brasil na década 2000]


Há no Brasil um certo hábito de torcer pelos filmes nacionais no Oscar quase como numa Copa do Mundo. Não sei de onde veio este hábito, e acho que ele tem aspectos bons e ruins. Se, por um lado, valorizamos demais uma premiação essencialmente comercial, que nem semre premia filmes realmente bons, por outro, ao menos essa torcida gera um certo interesse pelo cinema brasileiro, e, por que não, pelos indicados em geral de cada ano.

O que me interessa aqui, no entanto, é outra discussão. Até meados da década de 1990, somente um filme totalmente brasileiro havia sido indicado a melhor filme estrangeiro, o maravilhoso O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, em 1963 - vale lembrar que, em 1960, Orfeu Negro, filmado no Brasil, com elenco brasileiro e falado em português, e baseado em uma história de Vinícius de Moraes, levou a estatueta nessa categoria, mas o filme concorria pela França, por ser uma produção daquele país, dirigida pelo francês Marcel Camus.

A partir da chamada Retomada, no entanto, isso mudou. Três filmes brasileiros foram indicados como melhor estrangeiro na década de 1990 (O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro? e Central do Brasil). E ficamos mal-acostumados. No entanto, os anos 2000 chegaram e terminaram, e nenhum dos nossos filmes foi lembrado na categoria nesta década que termina - até o fenômeno Cidade de Deus, indicado a melhor diretor, roteiro adaptado, fotografia e montagem em 2004, foi esnobado entre os estrangeiros, em 2003. O que aconteceu?

A meu ver, o grande problema é que se criou um suposto conhecimento do funcionamento secreto do Oscar, do tipo de filme que os membros da Academia querem ver e premiar. E, a partir dessa premissa, se escolhe o representante do país em cada ano. No entanto, essa estratégia se revelou um tiro n'água. Deixou-se de lado obras extremamente criativas, dramaticamente poderosas, para indicar filmes "quadrados", que geralmente tratam de assuntos "importantes", mas de forma pouco originais. Como explicar, por exemplo, a escolha por um filme medíocre como Última Parada 174? Ou pela bomba Olga? Ou, finalmente, por Salve Geral, nosso último indicado?

A verdade é que, justiça seja feita, o trabalho mais recente de Sergio Rezende é uma agradável surpresa. O diretor consegue trafegar bem entre o olhar particularizado sobre o drama da personagem de Andréa Beltrão (ótima em cena) e o amplo painel sobre o poder do PCC nas prisões paulistas. Rezende imprime um bom ritmo ao filme, conduz a tensão da narrativa com competência inimaginável para um diretor geralmente muito ruim, e acaba criando um misto de thriller criminal e drama familiar que empolga e comove na medida certa. Tem clichês? Tem overacting? Não haveria como não ter, vindo desse diretor, mas numa quantidade bem menor do que se poderia imaginar. Outro acerto de Salve Geral está na opção feita por Rezende de montar seu elenco a partir de nomes desconhecidos do grande público, atores e atrizes de teatro experientes, mas pouco vistos no cinema e na TV. Nesse sentido, há pelo menos dois desempenhos de grande qualidade: a vilanesca Denise Weinberg e o assustador Eucir de Souza.

Porém, Salve Geral definitivamente não é o melhor filme brasileiro de 2009. E me parece que sua escolha deveu-se, novamente, a essa tentativa de agradar a Academia, de nomear uma obra que, supostamente, atendesse ao gosto dos votantes do Oscar. E acabou se revelando, mais uma vez, uma escolha estúpida. Me pergunto se não valeria a pena ter arriscado um pouco, indicando um filme ousado como Se Nada Mais Der Certo. Ou, em 2008, já que o maravilhoso (e virtualmente indicado) Linha de Passe estava fora da disputa, por que não apostar no elogiado e premiado internacionalmente Estômago, ao invés do fraquíssimo filme de Bruno Barreto? E que tal o crime de esquecer da obra-prima Lavoura Arcaica em 2001? Infelizmente, ousadia e coragem são adjetivos que não parecem combinar com a comissão responsável pela nomeação do representante brasileiro no Oscar. Perspectivas para o futuro? Num ano de cinebiografias como Lula, o Filho do Brasil e Chico Xavier - O Filme, elas são as mais tenebrosas possíveis.



Indicados do Brasil ao Oscar na década 2000:


2009: Salve Geral


2008: Última Parada 174


2007: O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias


2006: Cinema, Aspirinas e Urubus


2005: 2 Filhos de Francisco


2004: Olga


2003: Carandiru


2002: Cidade de Deus


2001: Abril Despedaçado


2000: Eu, Tu, Eles

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

[o lobisomem]

O Lobisomem
The Wolfman, 2010
Joe Johnston


O grande acerto deste O Lobisomem está em sua estruturação como um filme de horror à moda antiga, ao invés de apostar em um clima de aventura, como fizeram outras obras recentes que também tentaram recuperar personagens clássicos do gênero - como a trilogia A Múmia e o péssimo Van Helsing. Assim, os diálogos do filme de Joe Johnston são com os filmes de monstros das décadas de 1930 e 1940, e também com uma obra mais recente que conseguiu com êxito recuperar a aura clássica deste tipo de cinema: o belíssimo Drácula de Bram Stoker, que Francis Ford Coppola lançou em 1992.
Assim, O Lobisomem esbanja charme, aposta em efeitos especiais mais tradicionais e num competente trabalho de maquiagem, deixando o CGI em segundo plano, e carrega no clima sombrio e na violência. E tudo funciona muito bem: o visual da criatura é convincente, realista, longe do fake de outros lobisomens do cinema recente; a escuridão do filme acentua a tragédia da história e o elenco traz Benicio Del Toro e Anthony Hopkins inspirados. Só que, vale lembrar, Johnston não é Coppola, e sua história não tem metade da força do longa de 1992. A relação entre os personagens de Del Toro e Emily Blunt, por exemplo, não possui nenhuma profundidade, soando forçada, como que criada somente para atender à necessidade da existência de uma subtrama de amor no roteiro - o que, no contraste com o Drácula de Coppola, que tinha o amor como sua força motriz, só serve para empalidecer O Lobisomem. Entrou em cartaz nos cinemas brasileiros, no mesmo fim de semana do filme de Joe Johnston, o premiado A Fita Branca, do austríaco Michael Haneke, uma obra completamente diferente desta aqui, mas que, inesperadamente, me permitiu algumas digressões sobre um suposto "filme ideal" com o personagem lobisomem: um drama em preto e branco, denso e trágico, e que mergulhasse fundo na psique de seus personagens. E, por que não (?), dirigido por Haneke. Será que seria sonhar um pouco demais?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

[curtinhas: no cinema]

O Mensageiro

The Messenger, 2009
Oren Moverman


O Mensageiro possui uma trama forte, dramaticamente impactante (trata da morte de milhares de soldados norte-americanos na guerra do Iraque e dos efeitos produzidos por estas baixas nas vidas de suas famílias e principalmente daqueles responsáveis por levar a elas a notícia de suas perdas). No entanto, este é basicamente um filme de elenco. Ou seja, é completamente ancorado na força de seus atores, especialmente seus três nomes principais: Ben Forster, melhor a cada dia, encarnando com a dureza necessária um personagem amargo e solitário; Samantha Morton, que consegue passar com grande delicadeza a imagem de "mulher comum maltratada pela vida" da figura que encarna; e Woody Harrelson, o verdadeiro dono do filme, comovente como o sujeito durão mas engraçado, e que esconde uma gigantesca tristeza. É esse trio que carrega a narrativa de O Mensageiro adiante, até porque o filme tem um fiapo de história: basicamente acompanhamos o dia-a-dia da dupla Forster / Harrelson notificando as famílias sobre a morte de algum parente no Iraque, até iniciar-se o envolvimento do primeiro com a personagem de Morton. Ainda assim, a história não sofre grandes mudanças, e logo voltamos à velha rotina. O que poderia ser um defeito acaba sendo, entretanto, o grande êxito do trabalho do diretor Oren Moverman. Ele consegue a proeza de tornar cada cena em que os dois militares visitam os parentes dos mortos mais dura e comovente que a anterior, o que reforça o aspecto emocionalmente exaustivo daquela tarefa. E aqui, novamente, há de se destacar os atores. Forster e Harrelson fazem o contraponto perfeito, com a frieza e seriedade exigida pelo momento, à dor e emoção dos familiares - e não deixa de ser maravilhoso ver o grande Steve Buscemi, ainda que num pequeno papel, emocionando em duas breves aparições. Um filme triste sobre pessoas tristes.

Julie & Julia
Julie & Julia, 2009
Nora Ephron


Julie & Julia é o típico "filme nada". É insosso, vazio, e sem razão para existir. Tem uma história boba que, sem grandes conflitos, acaba tendo de apelar para cenas clichê de crise nos relacionamentos das protagonistas - especialmente no caso da personagem de Amy Adams. As duas atrizes principais, aliás, deixam a desejar. Adams nos faz esquecer da jovem talentosa de filmes como Retratos de Família e Dúvida, entregando uma típica figura central de comédias românticas, dramaticamente rasa e enfadonha. Meryl Streep, por sua vez, compõe uma personagem com sua competência habitual. O problema é que não tem nada demais nessa composição. Sua Julia Child é exagerada, caricata e irritante. Falta humanidade e sinceridade ao trabalho de Streep - o que torna mais essa indicação ao Oscar de melhor atriz altamente questionável, e me faz pensar se indicá-la quase todos os anos ao prêmio máximo do cinema já não se tornou simplesmente um hábito. Curiosamente, o único que consegue se destacar no elenco é o tão pouco comentado Stanley Tucci. Sinceridade e humanidade sobram em seu trabalho, discreto, mas marcante. Ele consegue passar mais com um olhar do que Streep com seus gritos e outros exageros. Mesmo quando o roteiro insere artificialmente uma discussão sobre o macarthismo, numa clara tentativa de dar a Julie & Julia uma aura de "importância", Tucci se sai bem, e consegue transformar o constrangimento passado por seu personagem em algo real. Ou seja, o ator é mesmo exceção, num filme em que nada mais funciona. Cinema e culinária juntos? Ainda prefiro o excepcional Ratatouille.

Aconteceu em Woodstock
Taking Woodstock, 2009
Ang Lee


Não dá para entender o porquê de tantas reclamações e críticas a esse novo trabalho de Ang Lee. Quer dizer, até dá: se comparado com seus dois últimos filmes, os densos e complexos Brokeback Mountain e Desejo e Perigo, Aconteceu em Woodstock pode mesmo ser uma pequena decepção, com seu clima alegre, descontraído e colorido. Mas há de se buscar compreender a proposta do filme. Lee parece tentar incorporar o espírito do Festival de Woodstock. E, de certa forma, consegue. Entrega uma obra profundamente apaixonada por aquele universo, tão aberta a novidades e à alteridade quanto aqueles jovens eram. Um protagonista homossexual, um segurança travesti, hippies... não há espaço para nenhum tipo de preconceito em Aconteceu em Woodstock. Por isso, no fim das contas, o que realmente interessa a Ang Lee, mais do que Woodstock em si, são as pessoas. Os homens e mulheres, jovens e velhos, heterossexuais e homossexuais, que construíram e viveram aquele sonho. Nesse sentido, é importante que seu protagonista, vivido pelo ótimo Demetri Martin, não consiga assistir aos shows ocorridos em terras vizinhas às suas. O que importa não é mostrar Joan Baez ou Janis Joplin cantando, mas sim o efeito que a convivência com milhares de seres humanos tem sobre cada um dos presentes (indo aí do personagem de Martin a seus pais, passando pelo policial que lhe dá carona em sua moto) - e, no único momento em que conseguimos visualizar, a distância, o que está acontecendo no Festival, é através dos olhos alucinados do protagonista, sob o efeito de ácido, numa das mais belas cenas de Aconteceu em Woodstock. O filme se torna então uma espécie de libelo ao poder transformador do contato com o outro, com a diferença. Ou seja, não poderia haver retrato mais coerente daquele momento do que uma obra como essa. Simples e belo.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

[guerra ao terror]

Guerra ao Terror
The Hurt Locker, 2009
Kathryn Bigelow


Desde o início da chamada "guerra contra o terror", o cinema, especialmente o norte-americano, se apropriou sem pudores desse polêmico conflito como temática. E, em praticamente 100% dos casos, adotou-se em tais filmes uma estética realista, uma violência crua e uma linguagem próxima à documental (e os exemplos nesse sentido são abundantes, desde os recentes O Reino, de Peter Berg, e Rede de Mentiras, de Ridley Scott, até os filmes de Michael Winterbottom, que chegam a quase se assumir enquanto documentários - caso de O Preço da Coragem e Caminho para Guantánamo). Curiosamente, no entanto, essa linguagem, que parece claramente a mais apropriada para tratar de um tema como esse, não conseguiu até agora gerar uma grande obra cinematográfica sequer.
Nesse sentido, esse The Hurt Locker (que recebe no Brasil o preguiçoso título de Guerra ao Terror) é um marco. Não que a estética suja-realista-documental seja abandonada; pelo contrário, ela até é radicalizada na narrativa do longa de Kathryn Bigelow: a diretora acompanha a rotina de uma equipe anti-bombas do exército norte-americano no Iraque, deixando de lado qualquer pretensão de possuir uma trama linearmente construída, se focando exclusivamente na dinâmica entre o trio de protagonistas (vividos por Anthony Mackie, excepcional, Brian Geraghty e pelo estupendo Jeremy Renner), permitindo que seus dramas, personalidades contrastantes e, principalmente, a insuportável tensão que permeia seu trabalho, sejam a força motriz do filme. Não há uma história propriamente dita em Guerra ao Terror, apenas aqueles três sujeitos sobrevivendo dia após dia (e Bigelow filma cada uma das missões do trio com uma intensidade impressionante, fazendo com que cada sequência dessas supere a anterior em tensão).
O que torna o filme inovador, e, consequentemente, absurdamente poderoso, é a forma como a diretora utiliza-se dessa linguagem já batida (e também de sua experiência em filmes de ação) para fazer poesia. É isso mesmo. Bigelow parte de imagens extremamente brutais, construídas a partir de uma estética também brutal, dura, seca, para criar momentos de profunda beleza e melancolia, que sintetizam, como nenhum filme havia conseguido até agora, o turbilhão de emoções, dramas e pavores pelo qual passam os soldados que lutam na tal "guerra contra o terror" - em ambientes onde qualquer um pode ser um inimigo em potencial. Os exemplos são muitos, como a impressionante sequência no deserto, onde Ralph Fiennes faz sua breve aparição (aliás, não deixa de ser interessante como Bigelow não tem o menor pudor de livrar-se rapidamente dos nomes mais famosos de seu elenco, deixando que as verdadeiras estrelas deste, o trio Renner/Mackie/Geraghty, brilhem), mas talvez a cena mais admirável e impactante de Guerra ao Terror seja um pequeno momento envolvendo o personagem de Renner, um uniforme militar e um chuveiro. Só assistindo para compreender a força dessa (e das inúmeras outras) imagem criada por Bigelow para essa inesperada obra-prima, que talvez se coloque para a Guerra do Iraque como Platoon ou Apocalypse Now se colocaram para a Guerra do Vietnã.*


* Texto originalmente publicado em 5 de Maio de 2009.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Bastardos Inglórios



Bastardos Inglórios é um filme sobre filmes. Em primeiro lugar, por ser uma óbvia homenagem aos inúmeros exemplares produzidos por Hollywood sobre a Segunda Guerra Mundial ao longo de tantos anos. Tarantino faz o seu "filme de missão" e consegue rivalizar com obras clássicas do gênero: Bastardos tem uma narrativa desenvolvida sem nenhuma pressa (dividida em capítulos, como de costume em sua filmografia) e dotada de uma tensão crescente que beira o brilhantismo. Por mais que seus personagens sejam "tarantinescos" - ou seja, dramaticamente submetidos às brincadeiras e referências feitas pelo diretor -, Tarantino consegue criar empatia destes com o público: é difícil não vibrar com os atos dos bastardos liderados por um impagável Brad Pitt (dono de uma das cenas mais engraçadas dos últimos tempos, quando seu Aldo Raine se vê obrigado a passar-se por um dublê italiano); não torcer pelo sucesso do plano de vingança de Shosanna (a linda e excelente Melánie Laurent); ou não adorar detestar o Coronel Hans Landa de Christoph Waltz (cuja interpretação não seria possível definir com qualquer outra palavra que não fosse genial). Há ainda as diversas citações feitas de grandes nomes da história do cinema - Pabst, Riefenstahl, Clouzot - que ajudam estabelecer a relação que Bastardos Inglórios estabelece com o outro centro de sua narrativa: a História.

Fica claro, desde o princípio (para ser mais exato, desde a primeira cena que surge na tela, idêntica ao início do clássico moderno Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, como alguns já perceberam), que o diálogo estabelecido por Bastardos Inglórios é com o universo cinematográfico, e não com o conhecimento histórico acadêmico. E essa é uma premissa que vai, aos poucos, se radicalizando no filme. No fim, Tarantino questiona: pode o cinema modificar a História? Para ele, não parece haver dúvida que sim. E aí tanto num sentido literal, material mesmo (basta lembrar que o plano para executar o alto escalão do III Reich deve ser colocado em prática em um cinema, através da queima de uma grande quantidade de película - ou seja, são os filmes, concretamente falando, mudando o curso da História), quanto na constituição de Bastardos como uma espécie de anti-Operação Valquíria, uma ode à sujeição da História aos interesses narrativos da ficção. A jogada de mestre desenvolvida pelo diretor no epílogo de seu filme destrói expectativas, dá um nó no raciocínio tacanho de historiadores mais conservadores, que costumam julgar com tamanha pretensão os chamados "filmes históricos", e deixa um irresistível sorriso no rosto do espectador. Eu, historiador, aplaudi.


Bastardos Inglórios 
Inglourious Basterds, 2009
Quentin Tarantino


Atualizando: Bastardos Inglórios foi eleito ontem (11/02/2010) o melhor filme do ano, de acordo com a Liga dos Blogues Cinematográficos. Foi premiado em 8 categorias no Alfred 2009.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

[sobre os indicados ao oscar 2010]


Finalmente foram anunciados os indicados ao Oscar desse ano. E daí? E daí que, com pouquíssimas surpresas em sua lista de melhores de 2009, a Academia promete mais uma cerimônia enfadonha (ainda que a dupla de anfitriões, Steve Martin e Alec Baldwin, tenham tudo para dar seu show à parte) e previsível. Bem, talvez nem tão previsível, por um simples detalhe: a principal categoria da premiação está completamente aberta. Se após o Globo de Ouro, e com os recordes sucessivos de bilheteria, Avatar parecia imbatível como melhor filme e diretor, os prêmios dos sindicatos (dos produtores e dos diretores) deram nova vida ao seu maior rival, a obra-prima Guerra ao Terror (ambos ficaram com 9 indicações). E ainda tem outra obra-prima, Bastardos Inglórios (8 indicações), correndo por fora nessa disputa.
Infelizmente, porém, é justamente a categoria de melhor filme a responsável por um dos maiores problemas do Oscar 2010. Me refiro a estapafúrdia decisão da Academia de indicar 10 obras aqui.
Pode parecer conservadorismo da minha parte, mas não consegui ainda entender essa mudança. O resultado: perda de credibilidade. Tudo bem, bobagens sempre são indicadas a melhor filme de qualquer jeito (está aí O Leitor para não me deixar mentir, só para ficar no ano passado), mas, com 10 concorrentes, o nível de mediocridade corre sempre o risco de aumentar. Vejamos: se o número de indicados ainda fosse 5, estes, provavelmente, seriam Avatar, Guerra ao Terror, Amor Sem Escalas, Bastardos Inglórios e Preciosa. Nada absurdo, certo (por mais que eu não seja muito fã do blockbuster de James Cameron, sei que sua indicação aqui seria inevitável)? Com 10, abre-se espaço para um filme ruim, mas hypado, como Educação, entrar. E para outro, que ainda não vi, sobre futebol americano contando uma história de superação (!), também figurar entre os melhores do ano.
Por outro lado, pode-se argumentar que o aumento do número de concorrentes na categoria principal do Oscar abre espaço para pérolas, como Distrito 9. Tudo bem. Mas é inevitável pensar que a lembrança ao filme de Blomkamp parece um prêmio de consolação, e um recado da Academia do tipo "olha como somos legais, indicamos a melhor filme uma ficção-científica sul-africana cult, mas é só porque são 10 indicados, e porque estavam faltando filmes para completar a lista"...
Enfim, eu decididamente não me convenci desta mudança, e torço muito para que, em 2011, tudo volte a ser como nos Oscars anteriores.
Vale lamentar ainda a ausência de Julianne Moore entre as coadjuvantes e a lembrança ao fraco A Teta Assustada como filme estrangeiro (essa categoria é sempre muito estranha mesmo). Ah, sim: e confesso que ainda estou meio abismado com esse favoritismo da Sandra Bullock...


Os indicados a Melhor Filme, em estrelas:


Amor Sem Escalas

Avatar

Bastardos Inglórios

Distrito 9

Educação


Guerra ao Terror

Preciosa

Um Homem Sério

Um Sonho Possível

Up - Altas Aventuras

E a lista completa dos indicados pode ser conferida aqui.