segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Impressões sobre o Oscar 2015



Desde que deixou de indicar apenas 5 filmes em sua categoria principal, o Oscar perdeu algumas oportunidades de celebrar verdadeiras obras-primas. Bastardos Inglórios, A Árvore da Vida, A Rede Social, A Hora Mais Escura, O Lobo de Wall Street... todos foram indicados ao Oscar de melhor filme mas acabaram preteridos por candidatos mais fracos (ainda que às vezes ótimos, como nos casos de Guerra ao Terror, O Artista e 12 Anos de Escravidão). 2015 repetiu a história: com o estupendo Sniper Americano, de Clint Eastwood, no páreo, a Academia preferiu evitar polêmicas e surpresas e premiar Birdman, o debochado e inventivo trabalho de Alejandro González Iñarritu. Boyhood, o outro favorito, talvez fosse uma opção melhor, mas como também adoro o filme de Iñarritu, não vou reclamar. Ao menos não entregaram a última estatueta da noite para bobagens como A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação. Também achei acertada a vitória do mexicano na categoria melhor diretor, interrompendo uma tola tendência, que parecia se consolidar, de dividir os prêmios de filme e direção entre os principais concorrentes do ano. 

A cerimônia de ontem contou com alguns momentos muito bons – Lady Gaga cantando “The Sound of Music”, o anúncio do vencedor na categoria melhor canção, com a excelente piada envolvendo Benedict Cumberbatch, Ben Affleck, John Travolta e Idina Menzel sendo seguida por um forte discurso de John Legend – e foi, de maneira geral, agradável de se assistir. Mas algumas injustiças esperadas aconteceram, sendo a maior delas o prêmio de melhor ator para Eddie Redmayne. O esforçado ator inglês não fez nada demais num filme que não é nada demais, mas, como interpretou um deficiente físico que ainda por cima é famoso, conseguiu a proeza de derrotar Michael Keaton, num comeback apoteótico e corajoso em Birdman. Uma pena. Também é de se lamentar a vitória do horroroso roteiro de O Jogo da Imitação, mas ao menos seu autor, Graham Moore, fez um discurso importante sobre a aceitação das diferenças. Nem isso o mala do Redmayne conseguiu...

Terminada a corrida para o Oscar 2015, dou início às previsões (feitas ainda no escuro, claro) para o próximo ano. Segue uma lista de 10 potenciais candidatos ao Oscar 2016:


No Coração do Mar, de Ron Howard
The Hateful Eight, de Quentin Tarantino
The Walk, de Robert Zemeckis
Trumbo, de Jay Roach
Carol, de Todd Haynes
The Revenant, de Alejandro González Iñarritu
Me and Earl and the Dying Girl, de Alfonso Gomez-Rejon
Knight of Cups, de Terrence Malick
The Danish Girl, de Tom Hooper
Mr. Holmes, de Bill Condon

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Oscar 2015: apostas finais



Chegou a hora da Academia escolher o melhor filme de 2014. Bem, não exatamente, já que como todos sabemos o Oscar restringe seu olhar quase exclusivamente ao cinema de língua inglesa, relegando potências como o russo Leviatã à específica categoria de filme estrangeiro. E mesmo considerando apenas os filmes falados em inglês, é possível contestar as escolhas da premiação, já que os excelentes Foxcatcher e Garota Exemplar não entraram na categoria principal e o melhor dentre os indicados, o controverso Sniper Americano, não tem chances reais de vitória.

Mas também não há tantos motivos para bancar o reclamão. Ao menos esse ano a estatueta de melhor filme está entre duas ótimas obras, Boyhood e Birdman. Felizmente, os medíocres O Jogo da Imitação e A Teoria de Tudo entraram na categoria principal só para fazer número e não corremos o risco de ver se repetir o que aconteceu tantas vezes na história do Oscar: a vitória de uma cinebiografia "nobre" e conservadora (os casos mais recentes foram Uma Mente Brilhante, em 2002, e O Discurso do Rei, em 2011). Por outro lado, infelizmente o esforçado, mas fraco, Eddie Redmayne, de A Teoria de Tudo, parece ter grandes chances de levar o prêmio de melhor ator, que parecia destinado, com alguma justiça, a Michael Keaton. Ainda que meu favorito entre os indicados nessa categoria seja Bradley Cooper, ficarei na torcida por Keaton e seu apoteótico retorno aos holofotes.

No mais, essas são minhas apostas e torcidas em cada categoria:


Filme: 
Quem ganha: Birdman
Minha torcida: Sniper Americano
Quem faltou: Foxcatcher e Garota Exemplar

Diretor: 
Quem ganha: Alejandro González Iñarritu (Birdman)
Minha torcida: Bennett Miller (Foxcatcher)
Quem faltou: Clint Eastwood (Sniper Americano) e David Fincher (Garota Exemplar)

Ator: 
Quem ganha: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
Minha torcida: Bradley Cooper (Sniper Americano)
Quem faltou: Jake Gyllenhaal (O Abutre)

Atriz: 
Quem ganha: Julianne Moore (Para Sempre Alice)
Minha torcida: Rosamund Pike (Garota Exemplar)
Quem faltou: Marion Cotillard (Era Uma Vez em Nova York)

Ator Coadjuvante: 
Quem ganha: J. K. Simmons (Whiplash)
Minha torcida: Mark Ruffalo (Foxcatcher)
Quem faltou: Robert Pattinson (The Rover - A Caçada)

Atriz Coadjuvante: 
Quem ganha: Patricia Arquette (Boyhood)
Minha torcida: Patricia Arquette (Boyhood)
Quem faltou: Rene Russo (O Abutre)

Roteiro Adaptado: 
Quem ganha: A Teoria de Tudo
Minha torcida: Sniper Americano
Quem faltou: Garota Exemplar

Roteiro Original: 
Quem ganha: O Grande Hotel Budapeste
Minha torcida: O Grande Hotel Budapeste

Montagem: 
Quem ganha: Boyhood
Minha torcida: Sniper Americano
Quem faltou: Garota Exemplar

Fotografia: 
Quem ganha: Birdman
Minha torcida: Birdman
Quem faltou: Era Uma Vez em Nova York

Direção de Arte: 
Quem ganha: O Grande Hotel Budapeste
Minha torcida: O Grande Hotel Budapeste
Quem faltou: Era Uma Vez em Nova York

Figurino: 
Quem ganha: O Grande Hotel Budapeste
Minha torcida: O Grande Hotel Budapeste

Maquiagem: 
Quem ganha: O Grande Hotel Budapeste
Minha torcida: O Grande Hotel Budapeste

Efeitos Especiais: 
Quem ganha: Interestelar
Mixagem de Som: 
Quem ganha: Sniper Americano
Minha torcida: Sniper Americano

Edição de Som: 
Quem ganha: Interestelar
Minha torcida: Sniper Americano

Trilha Sonora: 
Quem ganha: A Teoria de Tudo
Minha torcida: Interestelar
Quem faltou: Garota Exemplar

Canção: 
Quem ganha: "Glory" (Selma)
Minha torcida: "Lost Stars" (Mesmo Se Nada Der Certo)

Filme Estrangeiro: 
Quem ganha: Ida (Polônia)
Minha torcida: Leviatã (Rússia)
Quem faltou: Mommy (Canadá)

Animação: 
Quem ganha: Como Treinar o Seu Dragão 2

Documentário: 
Quem ganha: Citizenfour
Minha torcida: O Sal da Terra

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação



Uma Mente Brilhante, cinebiografia careta e esquecível do matemático John Nash dirigida por Ron Howard e premiadíssima no Oscar 2002, foi duplamente revisitada no último ano: em A Teoria de Tudo, de James Marsh, que conta parte da vida do físico Stephen Hawking e emula do filme de Howard seu lado familiar/sentimental, as dificuldades de uma esposa dedicada na lida com um marido genial, mas com sérios problemas de saúde; e em O Jogo da Imitação, de Morten Tyldum, que flerta com a paranoia política que, em alguns momentos, aproximava Uma Mente Brilhante do thriller de espionagem, além de também ser protagonizado por um matemático brilhante e problemático (Alan Turing, responsável por quebrar os códigos utilizados pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, colocando os Aliados em importante vantagem no conflito).

Como Uma Mente Brilhante, A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação vêm sendo celebrados pelos profissionais de cinema do mundo anglo-saxão, culminando, claro, em muitas indicações ao Oscar – com o filme de Marsh tendo grandes chances de sair com a estatueta de melhor ator, para o esforçado (nada mais que isso) Eddie Redmayne. Como Uma Mente Brilhante, A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação são filmes conservadores, estética e tematicamente, quadrados, óbvios do primeiro ao último plano. Considerando a força das histórias de Hawking e Turing, trata-se de uma tragédia. Por que abordar, por exemplo, a homossexualidade de Turing de maneira tão piegas, praticamente limitando-a a uma história de amor, cheia de pureza, na época de escola? Heróis de guerra não podem sentir desejos carnais por outros homens e manifestá-los na tela? É quase como se o filme de Tyldum castrasse Turing novamente. No caso de A Teoria de Tudo, por que construir uma imagem santificada de Jane Hawking, privando-se da clareza ao se referir a um caso extraconjugal da personagem? A mulher de Stephen Hawking tinha mesmo de ser representada como essa figura inabalável em sua retidão moral, diante de todas as adversidades decorrentes de uma vida ao lado de um homem gravemente doente? O entendimento dessas escolhas de Marsh e Tyldum passa pelo endosso recorrente das premiações a esse tipo de filme. Se Uma Mente Brilhante e O Discurso do Rei, outro filme careta, foram tão celebrados recentemente, porque não seguir esse modelo?

É claro que filmes de formato clássico podem ser bons. Aliás, muitas das maiores obras-primas da história do cinema se enquadrariam nessa definição. Mas para alcançar esse feito é preciso um mínimo de competência no trato com os personagens e temas abordados. Nem isso A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação conseguem fazer. A biografia de Stephen Hawking, por exemplo, comete o erro crasso de não entender seu próprio tema: o tempo. Não sentimos em momento algum a urgência dos feitos de Hawking, considerando o prognóstico dos médicos de que ele viveria apenas mais dois anos. Recebemos essa informação junto com o personagem e... nada mais. O filme não volta a fazer referência a isso, não há sensação real de passagem do tempo e deixamos de temer pela possibilidade de morte repentina do sujeito. Mesmo quem não conhece Hawking fica com a sensação de que tudo vai terminar bem. Surge daí um filme insosso e que ainda tem a cara de pau de resumir a vida de seu protagonista a uma tosca mensagem de autoajuda ao final. Terrível. Como são terríveis os clichês de O Jogo da Imitação e sua frase-mote, igualmente tosca e de autoajuda (sugada de O Senhor dos Anéis?), que tenta nos convencer de que qualquer pessoa pode fazer a diferença no mundo.


A Teoria de Tudo 
The Theory of Everything, 2014
James Marsh

O Jogo da Imitação  
The Imitation Game, 2014
Morten Tyldum

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)



Birdman é uma mudança interessante e bem-vinda na carreira de Alejandro González Iñarritu, talentoso diretor mexicano que até aqui vinha se repetindo em dramas densos e fatalistas, na maior parte das vezes formados por diversas histórias trágicas que se cruzavam (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel). Se em Biutiful, de 2010, Iñarritu ainda parecia muito influenciado pela parceria com o roteirista Guillermo Arriaga (encerrada após Babel), Birdman pode ser considerado seu primeiro voo realmente solo.

Como Festim Diabólico, Birdman é composto por vários planos-sequência cujos cortes que os unem estão muito bem escondidos: a sensação é de estarmos diante de praticamente apenas uma longuíssima tomada com quase duas horas de duração. Como Festim Diabólico, Birdman fala sobre encenação. Mas terminam aí as comparações com o cinema de Hitchcock: longe da mise-en-scène e da dramaturgia elegantes do mestre inglês, o filme de Iñarritu é histérico, debochado, desbocado, furioso. O exagero que permeia Birdman, das atuações à câmera inquieta de Iñarritu, do desenvolvimento dos personagens à verborragia do texto, está a serviço do olhar demolidor que o diretor lança sobre o mundo das artes dramáticas nos Estados Unidos, teatro e cinema, Broadway e Hollywood. Exagero que, se por um lado, é responsável pelo único escorregão do filme (a desnecessária representação da figura da crítica como uma mulher megera, desumana e arrogante, que acaba soando como estratégia cômoda para proteger a obra de possíveis recepções negativas), por outro, garante momentos de devaneio inspiradíssimos. Birdman abraça com vontade a loucura de seu protagonista, fazendo algumas escolhas dramáticas que lembram as de Darren Aronofsky em Cisne Negro – mesmo considerando a grande diferença de tom entre os dois filmes.

Por fim, Michael Keaton. O ex-astro, que alcançou o ápice de popularidade justamente ao interpretar um super-herói na tela grande – nos dois Batman de Tim Burton –, é a alma de Birdman. Sem ele, toda essa loucura não faria sentido algum. O ator se entrega ao papel de Riggan Thomson, se confunde com ele. O filme de Iñarritu significa para Keaton o que a encenação de “What We Talk About When We Talk About Love”, de Raymond Carver, significa para Thomson: busca por legitimidade e alcance da elevação diante do êxito. Ambos chegam ao final de Birdman nos ares. 


Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)  
Birdman, 2014
Alejandro González Iñarritu