segunda-feira, 13 de abril de 2015

Vício Inerente



Paul Thomas Anderson é um apaixonado pelo cinema americano dos anos 70. Pelos filmes de Robert Altman acima de todos, claro, mas não apenas. Scorsese esteve presente em Boogie Nights, por exemplo, com aqueles planos-sequência deslumbrantes, a trajetória vertiginosa de ascensão e queda do protagonista e sua cena final tirada de Touro Indomável. Já Vício Inerente, novo filme de Anderson, parece uma espécie de Chinatown chapado de maconha. Como a obra-prima de Roman Polanski, Vício Inerente é um neo-noir protagonizado por um detetive de moral duvidosa, mas extremamente competente e bem intencionado, que se envolve numa trama maior do que o seu braço pode alcançar; como em Chinatown, há um retrato assustador do poder em seu uso abusivo e impune de recursos naturais na ensolarada Califórnia.  

Mas o universo habitado por Doc Sportello (Joaquin Phoenix, fabuloso) passa longe da elegância dos anos 30 recriada por Polanski. Anderson mergulha, de mãos dadas com Thomas Pynchon (autor do livro em que o filme se baseia), num submundo setentista composto por hippies, neonazistas, Panteras Negras, agentes do governo infiltrados em organizações radicais e mais algumas figuras que flertam com a bizarrice, como o dentista drogado interpretado por Martin Short e o truculento policial “Big Foot” Bjornsen (Josh Brolin, em grande atuação). O clima construído pelo diretor é algo próximo de uma bad trip, deixando pouco espaço para a alegria libertária geralmente associada ao universo hippie. Vício Inerente é um filme sombrio e seus personagens paranoicos vivem numa espécie de ressaca dos anos 60, período da contracultura e de suas muitas revoluções comportamentais, mas encerrado tragicamente com os assassinatos cometidos pela Família Manson.

Ressurge aí, mais uma vez, o cinema de Robert Altman como principal referência para Anderson. Mais especificamente, é com Um Perigoso Adeus (1973) que Vício Inerente guarda consideráveis semelhanças. A adaptação de Altman para um livro de Raymond Chandler também é marcada por esse clima de paranoia decorrente do uso de drogas, ainda que seu protagonista, o detetive Philip Marlowe, não seja exatamente um adepto do estilo de vida hippie como Sportello. Mas a vibe é a mesma: Vício Inerente e Um Perigoso Adeus se passam numa espécie de day after aos revolucionários anos 60, no qual resquícios da revolução comportamental se misturam à loucura (não à toa, as investigações conduzidas pelos dois detetives levam a homens poderosos sendo internados em algum tipo de sanatório) e ao crime. Além disso, a inteligência displicente de Marlowe, que não o priva de determinação para resolver seus casos, mas que parece sempre potencializar os riscos que corre, também está presente, talvez em maior grau, no quase sempre entorpecido Sportello.

Mais que um filme de época, que emula a atmosfera do período em que sua história se passa, Vício Inerente parece ter sido feito na própria década de 70, por reencontrar a energia do vibrante cinema americano daqueles anos. Paul Thomas Anderson tem imensa responsabilidade nisso, claro, mas que ele provavelmente não se incomodaria em dividir com Roman Polanski, Martin Scorsese (que mais uma vez parece emprestar a Anderson o plano final de um filme seu, nesse caso o também profundamente paranoico Taxi Driver) e, principalmente, Robert Altman. 

Vício Inerente 
Inherent Vice, 2014
Paul Thomas Anderson