terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Os melhores filmes de 2013


2013: ano conturbado, tendendo ao desastre, no plano pessoal, mas recompensador em matéria de cinema. Nossas salas foram invadidas por uma impressionante safra de grandes filmes, que quase transformaram minha tradicional lista dos 10 melhores do ano num top 20 (quiçá 30). Optar por seguir a tradição não me impede, claro, de lembrar algumas pérolas exibidas por aqui e que quase entraram no ranking final. Vale citar, por exemplo, o admirável vigor dos veteranos William Friedkin, irmãos Taviani e Alain Resnais, responsáveis por, respectivamente, Killer Joe, César Deve Morrer e Vocês Ainda Não Viram Nada, bem como as mais recentes mostras de talento dos ascendentes Sergei Loznitsa (diretor do amargo Na Neblina), Jeff Nichols (do adorável Amor Bandido) e Cristian Mungiu (que voltou a impressionar, cinco anos depois de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, com o árduo Além das Montanhas). Também merecem destaque Frances Ha, o filme mais encantador da temporada, Django Livre, empolgante mistura de western e blaxploitation, o delicioso e maduro reencontro com Jesse e Celine em Antes da Meia-Noite, as visualmente acachapantes releituras dos clássicos da literatura O Grande Gatsby e Anna Karenina pelas mãos de Baz Luhrmann e Joe Wright, o alucinante Rush (melhor filme de Ron Howard desde Apollo 13), o poderoso drama à lá David Fincher Os Suspeitos, de Denis Villeneuve, o sensacional drama homossexual com toques de thriller Um Estranho no Lago e o doloroso retorno de Thomas Vinterberg à temática da pedofilia em A Caça, 15 anos após Festa de Família. Todos filmes de imensa qualidade que, em anos normais, entrariam sem maiores problemas numa lista de 10 melhores. Mas 2013 passou longe da normalidade - o que, ao menos no plano cinematográfico, pode ser festejado.   


10- Amor






8- O Mestre



7- Tatuagem



6- Gravidade






4- A Grande Beleza



3- Tabu



2- Azul é a Cor Mais Quente





sábado, 28 de dezembro de 2013

Os piores filmes de 2013


Chegou o momento mais divertido do final de ano: listar os piores filmes que estrearam nos cinemas brasileiros em 2013. E como vi filmes ruins no cinema esse ano! Dos 10 lembrados aqui, 9 foram assistidos na tela grande... e isso porque evitei as globochanchadas e afins. De qualquer forma, vale destacar uma característica comum a todos os filmes da lista abaixo: a pretensão. Do musical nobre de câmera torta de Tom Hooper ao cinema da degradação - ou da exaltação desmedida, dependendo do caso - de Lee Daniels (duplamente representado aqui!), da distopia com consciência social de Neil Blomkamp ao inexplicavelmente premiado Pietà (que disputa com Os Miseráveis o prêmio "não sei o que fazer com a minha câmera" do ano), todos se pretendiam importantes, sérios, merecedores de respeito e admiração. E são todos uma merda! Sem contar os diretores querendo ser Tim Burton, Woody Allen... e até Michael Bay! Vai entender, não é, senhor Zack Snyder?


10- Os Miseráveis








6- Somos Tão Jovens




4- Em Transe




2- Pietà




sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O Som ao Redor e o Oscar



Nem a torcida pelo Brasil à lá Copa do Mundo, nem o pedantismo que busca menosprezar o Oscar como premiação puramente comercial: como cinéfilo que sou, gosto de ver grandes filmes sendo reconhecidos por sua qualidade, inclusive pela Academia. Por isso, fiquei triste sim com a ausência de O Som ao Redor (provavelmente o melhor filme brasileiro desde Lavoura Arcaica) na pré-lista de indicados ao Oscar de filme estrangeiro - lista que, vale dizer, conta com pelo menos dois candidatos de altíssima qualidade, o dinamarquês A Caça e o italiano A Grande Beleza.

Por outro lado, continuo muito feliz pela escolha de uma obra do porte de O Som ao Redor para representar o riquíssimo cinema brasileiro no prêmio da Academia. Se a ideia é essa, a da representação do cinema produzido num país, que mandemos nossos melhores filmes. Que os tempos em que o Brasil se candidatava com Olga, Última Parada 174, Salve Geral e Lula, o Filho do Brasil fiquem de vez para trás! Nesse sentido, já tenho meu favorito provisório para 2014: o igualmente genial - e igualmente pernambucano - Tatuagem. É pedir muito?

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Os melhores filmes de Steven Spielberg


Hoje Steven Spielberg, esse gênio, completa 67 anos de idade. Oportunidade perfeita para relembrar algumas de suas grandes obras, muitas delas menosprezadas por aqueles que veem no cineasta um mero entertainer acéfalo, um manipulador barato das emoções humanas. Manipulador e entertainer Spielberg, de fato, é. Mas qual cineasta não manipula o espectador, mesmo sob o manto do realismo e da estética documental? E até quando vamos enxergar o entretenimento como uma realização menor do cinema e o melodrama como um gênero menos importante? Será que a compreensão tardia da obra magnífica de um Alfred Hitchcock, por exemplo, já não nos ensinou o bastante? 

Enfim, o fato é que poucos hoje dominam a linguagem cinematográfica como Steven Spielberg. Entre um escorregão e outro em seus mais de 30 anos de carreira, o diretor nos legou alguns filmes inesquecíveis, que primam, sobretudo, pelo exercício absoluto de tal domínio. Listo abaixo meus favoritos.


10- A.I. - Inteligência Artificial 
A.I. - Artificial Intelligence, 2001


9- Contatos Imediatos do Terceiro Grau
Close Encounters of the Third Kind, 1977


8- Império do Sol
Empire of the Sun, 1987


7- Os Caçadores da Arca Perdida
Raiders of the Lost Ark, 1981


6- O Resgate do Soldado Ryan
Saving Private Ryan, 1998


5- E.T. - O Extraterrestre
E.T. - The Extraterrestrial, 1982


Lincoln, 2012


3- Munique
Munich, 2005


2- A Lista de Schindler
Schindler's List, 1993


1- Tubarão
Jaws, 1975
  

domingo, 17 de novembro de 2013

Capitão Phillips



Paul Greengrass parece tentar se consolidar como uma espécie de cineasta-historiador do tempo presente, abordando em seus filmes temas políticos relevantes do mundo pós-11 de setembro. Foi assim no espetacular Voo United 93, ainda o melhor retrato cinematográfico daquela fatídica manhã de 2001, no bom Zona Verde, que apresenta com viés crítico a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e a busca de um militar pelas alardeadas (e inexistentes) armas de destruição em massa de Saddam Hussein, e agora em Capitão Phillips, sobre a ameaça pirata nas costas africanas.

O que Greengrass tenta fazer nesse seu novo filme é retornar ao cinema praticado em Voo United 93, deixando de lado o discurso militante de Zona Verde e apostando numa aproximação maior com os dramas pessoais de seus personagens. A estratégia é chegar ao grande tema através de um olhar micro, que acompanha, com a câmera nervosa que caracteriza os filmes do diretor, o protagonista (Tom Hanks, em boa atuação) tendo de lidar com o sequestro do navio que comanda por piratas somalis. Na primeira metade de Capitão Phillips, o êxito de Greengrass é quase total: o filme é tenso, daqueles de agarrar os braços da poltrona do cinema, da sequência de perseguição em alto mar até o momento em que os piratas deixam o navio com o personagem de Hanks como refém.

A partir daí, as coisas desandam. O diretor erra ao transformar seu filme num thriller esteticamente óbvio, que martela tensão na cabeça do espectador através do aumento do número de cortes e do volume da trilha sonora. O clima de ação pela ação leva Capitão Phillips a flertar perigosamente com o enaltecimento da atuação dos Navy Seals, com seu gigantesco aparato tecnológico, diante da presença quase arcaica dos bárbaros piratas somalis. Os primeiros são os salvadores da pátria; os segundos, os inevitáveis vilões do filme. Com certeza Greengrass, cara inteligente que é, pretendeu passar outra impressão - o que a dolorosa cena em que Muse (o ótimo Barkhad Abdi), líder dos piratas, é enganado e dominado pelos militares norte-americanos talvez indique. Mas com sua excessiva preocupação em construir um thriller de dar nos nervos, acabou fazendo algo não muito diferente do que Michael Bay ou Roland Emmerich fariam com uma história como essa.


Capitão Phillips 

Captain Phillips, 2013
Paul Greengrass

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Festival do Rio 2013: dia 5



O Ato de Matar é o filme mais difícil de ser avaliado entre os que assisti nessa edição do Festival do Rio. O exaustivo documentário do diretor norte-americano Joshua Oppenheimer parte da proposta inusitada de reconstituir o massacre de opositores políticos ocorrido na Indonésia, em meados da década de 1960, a partir da visão dos próprios algozes, membros do crime organizado que foram mobilizados na época pelo brutal regime militar que se instalara no poder para a execução de tal tarefa. Para além das questões éticas, geradoras de todo um complexo debate em torno da opção de Oppenheimer por dar voz a monstros que passam duas horas e meia zombando de suas vítimas e se vangloriando de seu passado "heróico", O Ato de Matar peca por ter uma estrutura narrativa repetitiva, calcada sobre sucessivas encenações pelos assassinos dos assassinatos cometidos, e também por vez ou outra focar em ações desimportantes de determinados personagens (como ao subitamente passar a acompanhar o engajamento de um dos criminosos na vida política). Ainda assim, o resultado final alcançado é impressionante, especialmente por fazer desmoronar diante da câmera a imagem aparentemente desprovida de remorso do protagonista Anwar Congo, numa catarse invertida que faz valer todo o filme - e todo o projeto, na verdade, ao conseguir imprimir em figura tão horrenda algum senso de compreensão da alteridade e de reconhecimento dos crimes que cometeu. O epílogo de O Ato de Matar é daqueles momentos capazes de restituir no espectador a crença na força transformadora da arte. 

O Rei da Fuga, longa de 2009 do diretor francês Alain Guiraudie - presente no Festival para o lançamento de seu mais recente trabalho, o elogiadíssimo Um Estranho no Lago (que não vi, infelizmente) -, é uma agradabilíssima comédia dramática gay. Guiraudie parece ser dono de uma sensibilidade única para abordar tal universo, tratando com imenso carinho seus nada idealizados personagens, homens de meia-idade ou já na terceira idade em geral feios e de corpos não-atléticos, mas ainda assim dispostos a novas descobertas sexuais e sentimentais. O exemplo maior é, claro, o protagonista Armand (o ótimo Ludovic Berthillot), vendedor que, com pouco mais de quarenta anos, passa a questionar sua homossexualidade ao iniciar inusitado relacionamento com uma adolescente problemática (Hafsia Herzi). Despudorado e debochado ao extremo, mas nunca perdendo a delicadeza, O Rei da Fuga lembra o cinema que Almodóvar fazia na década de 1980, ainda que sem seu visual espalhafatoso característico.


O Ato de Matar 
The Act of Killing, 2012
Joshua Oppenheimer

O Rei da Fuga 
Le Roi de L'Evasion, 2009
Alain Guiraudie

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Festival do Rio 2013: dias 3 e 4



Meu primeiro contato com o cinema do francês Jean-Claude Brisseau não foi lá dos mais positivos. Em A Garota de Lugar Nenhum, seu mais recente trabalho, o diretor tem o mérito de, ao filmar em seu próprio apartamento, construir uma narrativa carregada de intimidade e carinho, que conta a inusitada relação entre um velho professor (interpretado pelo próprio Brisseau) e uma jovem e misteriosa mulher. Mas se vez ou outra Brisseau cria grandes momentos (a conversa com o amigo sobre a chegada da velhice e a perda do interesse sexual e principalmente uma aterradora sequência saída diretamente do cinema de horror), ele acaba derrapando na construção meio tosca de algumas cenas e na inserção atabalhoada de elementos sobrenaturais na trama, que acabam desembocando numa constrangedora sessão espírita que em nada deve ao recente cinema religioso produzido no Brasil. É estranho ver um cineasta experiente como Brisseau filmar tão mal uma história que parece tão sua, tão sob o seu domínio.

The Immigrant - inexplicavelmente chamado de O Imigrante no Festival do Rio, quando sua história é na verdade protagonizada por uma mulher - é mais um filme classudo de James Gray. Tributário do melhor cinema americano dos anos 70 (especialmente de Coppola e Cimino), Gray novamente constrói uma obra complexa e amarga, na qual personagens cheios de nuances são forçados a escolhas extremas. Como bem apontou o crítico Filipe Furtado em texto na revista Cinética, The Immigrant é uma espécie de releitura feminina de Amantes (2009), obra-prima anterior do diretor. Mas aqui a condição de gênero e o ambiente histórico hostil exercem papel importante, restringindo as opções de Ewa (Marion Cotillard, em seu melhor desempenho desde Piaf) e forçando-a a uma dúbia submissão ao judeu Bruno (Joaquin Phoenix), homem trágico por sua incapacidade de demonstrar o amor que sente. Se Cotillard traz a tragédia nos olhos desde o primeiro momento que surge em cena, cabe a Phoenix mais uma vez interpretar o personagem mais triste de um filme de Gray. Afinal, a dignidade que ainda resiste em Ewa já se perdeu há muito tempo em Bruno - ao menos não a ponto de lhe garantir qualquer possibilidade de redenção. O belíssimo plano final de The Immigrant, que deveria garantir a Gray todos os prêmios de direção possíveis no mundo, deixa isso bem claro.

O que James Gray tem de talentoso, Lee Daniels tem de medíocre. Após assistir ao desastroso O Mordomo da Casa Branca, seu trabalho mais recente, nessa mesma edição do Festival, encarei Obsessão, filme imediatamente anterior do diretor que até gerou algum burburinho Cannes no ano passado, mas depois foi devidamente esquecido. Digo isso porque o filme é uma porcaria. Reúne em quase duas horas de uma confusa narrativa todo o mau gosto de Daniels, com sua espetacularização da miséria, pseudo consciência social, personagens caricatos e exagerados (por que, Nicole Kidman, por que?!) e uma câmera inquieta e supostamente moderna que parece ter como único propósito irritar o espectador. O horror, o horror. Salva-se apenas Matthew McCounaghey, que no momento iluminado pelo qual passa sua carreira consegue tornar interessante um personagem que, mal desenvolvido pelo roteiro, merecia o protagonismo de fato dessa história. Em tempo: Daniels esteve na sessão em que assisti ao filme, para responder a eventuais questionamentos no final. No entanto, a maior parte dos presentes deixou a sala apressada assim que os créditos começaram a subir na tela, o que provavelmente explica as respostas preguiçosas e mal educadas que o diretor deu às poucas (e estúpidas) perguntas que apareceram. Falta de educação por falta de educação, a maior delas foi de Daniels, ao realizar esse pavoroso Obsessão.


A Garota de Lugar Nenhum 
La Fille de Nulle Part, 2012
Jean-Claude Brisseau

The Immigrant 
The Immigrant, 2013
James Gray

Obsessão 
The Paperboy, 2012
Lee Daniels

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Festival do Rio 2013: dia 2



No segundo dia de Festival do Rio, dediquei-me a dois filmes vindos do Leste Europeu e comandados por diretores consagrados internacionalmente: Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho, do bósnio Danis Tanovic (vencedor do Oscar de filme estrangeiro com o excelente Terra de Ninguém), e Walesa, do veterano cineasta polonês Andrzej Wajda (de clássicos como Cinzas e Diamantes, O Homem de Mármore, O Homem de Ferro e Danton).

O primeiro é uma experiência árdua, na qual Tanovic narra a luta de uma família de ciganos por atendimento adequado no sistema de saúde público da Bósnia. O diretor aposta numa estética seca, brutal e naturalista para abordar temas relevantes socialmente, se aproximando bastante de exemplares do cinema romeno recente. É claro que a proposta ultra-naturalista de Tanovic não deixa de passar por certas estratégias dramáticas que têm o objetivo de manter o espectador tenso e envolvido com a história narrada (como na sequência em que a protagonista utiliza um cartão de seguro-saúde de outra pessoa para conseguir o atendimento desejado, correndo o risco de sofrer consequências que provavelmente agravariam ainda mais a já calamitosa situação daquela família), mas o filme consegue se equilibrar bem entre o denuncismo e a simplicidade cotidiana do universo que apresenta. Apesar de toda a dureza e miséria que se vê na tela, é dos pequenos momentos de carinho familiar e solidariedade entre vizinhos que emana a maior força Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho. Belo filme.

Walesa, por sua vez, é uma cinebiografia bem tradicional de Lech Walesa (vivido pelo ótimo Robert Wieckiewicz), líder operário da oposição ao regime comunista polonês que, no início da década de 1990, chegou à presidência do país. Por motivos óbvios, é difícil não comparar o filme de Wajda com Lula, o Filho do Brasil, e, nesse sentido, apesar de seu formato igualmente quadrado, Walesa é um trabalho bem melhor acabado. Isso se dá provavelmente devido ao recorte preciso proposto pelo diretor: enquanto o longa de Fábio Barreto acompanhava Luis Inácio Lula da Silva do nascimento até as greves do ABC  nos anos 80, focando também na trajetória de sua mãe, interessa a Wajda o momento em que Lech Walesa ascende ao protagonismo político num cenário de contestação crescente do comunismo. Por isso, apesar de retornar brevemente a 1970 e, no final, se estender até os anos 90, a narrativa de Walesa permanece durante quase todo o tempo concentrada entre os anos de 1980 e 1983, quando o protagonista fundou o movimento Solidariedade e liderou as grandes greves que pararam a Polônia, abalaram o regime vigente e transformaram-no em celebridade mundial, levando-o inclusive a ser laureado com o Prêmio Nobel da Paz. Reconhecido esse mérito, é preciso dizer que o filme se alonga um pouco demais e que seu formato pouco ousado não ajuda muito no esforço de torná-lo menos esquecível que tantas outras cinebiografias de líderes políticos produzidas mundo afora.


Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho 
Epizoda u zivotu beraca zeljeza, 2013
Danis Tanovic

Walesa 
Walesa. Czlowiek z nadziei, 2013
Andrzej Wajda

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Festival do Rio 2013: dia 1



O primeiro dia da minha breve passagem pelo Festival do Rio 2013 foi marcado por um bom filme policial vindo de Hong Kong (Blind Detective, de Johnnie To) e por dois potenciais candidatos ao próximo Oscar que estão em polos dramatúrgicos opostos: o delicado Nebraska, de Alexander Payne, e o grandioso e choroso O Mordomo da Casa Branca, de Lee Daniels.

O novo longa de To, responsável pelas obras-primas Eleição e Eleição 2, é um tanto surpreendente pela aposta num tom exageradamente cômico. A cegueira do protagonista vivido por Andy Lau e sua relação atabalhoada com a personagem de Sammi Chang rendem cenas de inusitado humor físico, que nem sempre funciona. Mas o saldo final de Blind Detective é positivo. Como grande diretor que é, To cria alguns momentos memoráveis em seu filme (a sequência na casa do serial killer, as reconstituições dos crimes investigados, as conversas imaginárias com as vítimas) e faz a brilhante escolha de transportar para o centro da narrativa o lado comilão do personagem de Lau: mais que uma excentricidade sem importância, o amor que o sujeito nutre por comida é fundamental para o êxito de seu trabalho. Blind Detective pode não ser excepcional como outros longas do diretor, mas ninguém pode acusar To de não se arriscar.

Já Alexander Payne se arrisca muito pouco em Nebraska, filme que guarda semelhanças temáticas com outros trabalhos seus, como As Confissões de Schmidt e principalmente o recente Os Descendentes, também uma história de reencontro afetivo de uma família. Nada que impeça Payne de esbanjar sua delicadeza costumeira, arrancar risos francos (graças especialmente à ótima June Squibb) e presentear o público com uma belíssima interpretação de Bruce Dern. É difícil não se emocionar com o olhar perdido e andar arquejado do personagem de Dern, elementos que compõem uma figura decadente que, na verdade, nunca foi realmente grande. Payne dosa bem essa melancolia inerente à decadência com um certo otimismo no poder de reaproximação daqueles que se amam (mesmo sem saber de tal amor), o que rende a Nebraska, como rendia a Os Descendentes, um belo final.

Por fim, O Mordomo da Casa Branca é um lamentável olhar de Lee Daniels, supostamente um representante do novo cinema negro norte-americano, sobre a história recente de seu país. Ao narrar a vida de Cecil Gaines (Forest Whitaker), mordomo negro que trabalhou por 34 anos na sede do poder executivo dos Estados Unidos, Daniels aposta numa narrativa triunfalista, de exaltação do americano comum que via com olhos de desconfiança a rebeldia da juventude da década de 1960. Não deixa de ser estranho, por isso, que o diretor dedique seu filme àqueles que lutaram pelos direitos civis dos negros, após passar mais de duas horas creditando à Gaines, com sua postura conciliadora, o posto de verdadeiro revolucionário. Daniels não parece, no fim das contas, saber exatamente o que pretende com O Mordomo da Casa Branca. O resultado é um drama burocrático, episódico e cansativo, que, ao fazer elegias ao seu protagonista, esvazia politicamente uma narrativa que deveria ser, sobretudo, sobre a política.



Blind Detective 
Man Tam, 2013
Johnnie To

Nebraska 
Nebraska, 2013
Alexander Payne


O Mordomo da Casa Branca 
Lee Daniels' The Butler, 2013
Lee Daniels